sexta-feira, 10 de abril de 2020

Provocações:


PROVOCANDO a partir de um provocado:
Deus quer a MORTE do inocente?



Quantos homens e mulheres inocentes padecem de uma morte violenta - até mesmo em lugar de outrem? Poderíamos pensar que o sofrimento é da vontade de Deus?


Só nos é possível responder às indagações acima, e propor uma ressignificação ou mesmo uma chave de leitura para o sofrimento e para a morte do inocente, se lançarmos o olhar para o Crucificado.

O crucificado nos interpela. 

O dado da paixão e Morte de Jesus é o dado histórico mais certo. É preciso nos determos e analisarmos mais de perto o que significou esse acontecimento. É importante para nós, do ponto de vista cristológico (ou seja, diante de tudo que se possa dizer acerca de Jesus no horizonte da fé), que sintamos o choque, o escândalo que isso produziu nos discípulos.

Em Jo11,48, após a ressurreição de Lázaro, temos o diálogo entre as autoridades componentes do sinédrio. Eles chegam a conclusão de que: “Se o deixarmos assim, todos crerão nele e os romanos virão, destruindo o nosso lugar santo e a nação”. Equivaleria dizer: Temos que acabar com ele. É um complô das autoridades judaicas, cuja razão é muito clara. É razão de Estado. É necessário que morra um para que a nação se salve.

Se parássemos aqui, veríamos pura e simplesmente um Jesus ingênuo ou inconsequente; ou, tão somente uma trama política. E, em último caso uma vontade soberanamente cruel e masoquista de um deus que só poderia ser aplacado em toda a sua ira, e, portanto, satisfeito, com a morte de alguém. Ainda por cima, justo e coerente.

Não é isso que os evangelhos mostram e narram; não foi essa a experiência testemunhada pelas primeiras testemunhas oculares.Em última análise, não foi esse o desejo de Deus. A morte de Jesus, de maneira tão cruenta e ignominiosa só pode ser entendida à luz de sua vida vivida, através de seu ministério. Sua atuação pré-pascal, antes dos eventos de sua prisão, paixão e morte. 

A sua morte é o resultado da sua vida, das suas opções, decisões, em face às hostilidades dos chefes do povo. Isso não é fazer uma leitura política da vida de Jesus. Sua vida era conflituosa pelas questões que provocava e pelos interesses que abalava. Isto vê-se no seu modo de viver, na sua práxis escandalosa, não facilmente aceita. Em Sua opção pelos últimos. 

O modo de Jesus desmascarar determinadas situações incomodava os outros. A sua pregação era uma inversão de valores para a sociedade de seu tempo. Rompia com os esquemas estabelecidos. Nesse sentido, a condenação de Jesus é uma rejeição a sua pessoa e a tudo o que Ele faz durante sua vida.

Deus quis que Jesus morresse derramando seu sangue? Foi um fracasso total a vida de Jesus? Diante desse fim, tudo veio por terra para os que o seguiam. Aparentemente tudo se pôs contra Jesus: a lei (o condenaram em nome da lei), os representantes oficiais de Deus (os intérpretes da lei), o Estado (pois ele fora declarado subversivo e revolucionário, como pretenso messias, e segundo a ordem do Império deveria ser exterminado, porque não poderia haver outro soberano a não ser o Cesar). Ele morre nas condições mais escandalosas. 

Impera, aparentemente, o silêncio de Deus. De que lado estava? De fato O abandonou? Em tempos de pandemia algum cético (ou até mesmo um cristão ou crente meio confuso ou desiludido da vida) poderia se questionar diante do silêncio; ou mesmo o fiel desavisado - das missas ou dos cultos espetaculares - interpelasse à Deus assim: "Por que o Senhor não realiza milagres, prodígios, portentos para que sejamos libertos desse mal que  nos assola e que mexe com nosso estilo de vida?"

Isso contradiz o que se afirma no NT: Deus como Amor derramado, que se entrega e que se doa. Deus não queria e não quer o sofrimento de ninguém. Este sofrimento - como todos - aconteceu por causas humanas e históricas. 

Ao querer livremente, e ao aceitar livremente dar-nos o seu Filho, Deus aceitou todas as situações humanas. Com isso, podemos preservar a imagem de um Deus verdadeiro e fiel que nos dá seu Filho por amor. Doa-nos o seu Filho para nos reconduzir novamente a Si.

As Escrituras tornam-se elemento de compreensão. De modo especial os profetas. A experiência dos profetas serviu a Jesus para compreender sua vida e por onde ela deveria passar, diante da fidelidade ao Deus que chamou de Pai e ao Reino que tornou-se sua causa de vida. Muito aceito que Is 52 – Cântico do Servo de YHWH, tenha iluminado a vida de Jesus. Bem como a figura do Justo sofredor iluminou os passos de Jesus. Justo, humilhado, sofrendo mesmo sendo fiel. Experiência que marca história de Israel, e a sua própria vida e experiência humana. 

Vida filialmente voltada para o que o Pai quisesse dele. 

Sua Vida estava empenhada em descobrir a vontade do Pai e aderir a ela. É essa referência ao pai que nos ajuda a perceber que a eventualidade da morte de Jesus tinha sido colocada no horizonte da relação com o Pai. É mais do que perguntar se “o Pai quis”. Mas, o que o Pai, através disso, está a manifestar para Jesus (e para o discípulo)? 

Devemos entender uma frase que aparece nos Evangelhos, que pode ser deturpada, “Era necessário que tudo isso acontecesse”.

De que necessidade se trata? Significa que tudo estava decretado por Deus? Que Ele queria a morte sangrenta do Filho? Isso posto, equivaleria destruir a imagem que o AT transmite de um Deus que ama profundamente. Deus aceitou que, entrando nessa vida, o Filho corresse riscos como nós. 

Deus não quer a morte do Inocente - e de ninguém! O sentido que Jesus deu à sua Morte não podia ser diferente do sentido que Ele tinha dado à sua vida. Aí aparece a coerência de Jesus e de Deus-Pai. A Morte violenta por mais absurda que possa ser, pode ser vista da mesma maneira como Ele viveu sua vida. Entregando-a e vivendo-a para os outros.

Importa perceber que o sofrimento de Jesus ilumina o sofrimento humano. Porque tendo passado por ele, dá sentido ao nosso. Não o transformando magicamente! 

Fato é, que nós continuamos nesse contexto histórico e humano, mas à luz de Jesus podemos encará-lo de outro modo. Por isso, não há outra explicação para o sofrimento, a não ser a limitação e a liberdade humana. Isso é um fato. Sofrimento faz parte da vida. Mas ele pode ser vivido com um sentido; caso contrário, poderá ele deteriorar, de tal modo, a experiência humana, a ponto de leva-la à revolta e à negação de si próprio. 

O que é revelador na morte de Jesus, é que tendo vivido e passado por circunstâncias iguais às nossas, Ele não foi vítima das circunstâncias. Foi livre e fiel ao sentido de sua vida vivida até às últimas consequências!

Será possível ler a vida e a morte daqueles e daquelas que amamos sob a perspectiva de vida e da morte salvífica de Jesus? Sua morte só foi salvífica, porque sua vida, suas opções (obras e palavras) também o foram. 

A ressurreição será a resposta ao grito de confiança de Jesus na Cruz, que nas mãos do Pai deposita sua vida (Lc 23,46); é a tomada de posição de Deus a respeito da vida e da morte de Jesus. O acontecido na Páscoa é uma palavra de Deus sempre afirmativa a Jesus. É um sim grandioso à vida vivida por ele. Um sim ao amor humano vivido até o fim. A Ressurreição foi e será sempre a Ressurreição do Crucificado.


Creio na silenciosa Presença de Deus na vida do povo e das histórias sofridas. Creio que seu silêncio-presença confirma e ressuscita a vida das vítimas, para uma vida qualitativamente perfeita junto de si. Como o acontecido com Jesus de Nazaré, Senhor e Cristo. Creio na Ressurreição!

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu - SP

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