sábado, 18 de janeiro de 2020

HOMILIA PARA O II DOMINGO DO TEMPO COMUM (Ano A) – Jo 1,29-34:




O segundo domingo do tempo comum, nos introduz no Evangelho segundo João. No domingo anterior, a Igreja celebrava o Batismo do Senhor, e as personagens do Batista e de Jesus retornam, mas sob a perspectiva do Quarto Evangelho. O texto que a liturgia dominical nos faz entrar em contato é Jo 1,29-34, o segundo dia da semana inaugural de Jesus, no evangelho joanino.

O Quarto Evangelho estrutura-se em duas partes: De 1,19 – 12,50, o evangelista situa os Sinais de Jesus – Livro dos Sinais. Por um lado, estes sinais são os anúncios de uma realidade que está por vir e conduzem o leitor na descoberta da identidade e da missão de Jesus como enviado do Pai, a fim de revelar a Sua Glória. Por outro, eles acenam para a um dado importante: por mais que os sinais induzam a ver em Jesus a Glória de Deus, ainda não chegou a Hora de revelá-la plenamente.

De Jo 13,1 – 20,30, inicia-se o livro da Glória. João, nesta altura, direciona o ensinamento de Jesus para os discípulos, aqueles que já fizeram a opção pela Luz. Neste ponto do evangelho é situado o Discurso de despedida de Jesus, o qual culmina na Hora da sua Obra levada à consumação: a cruz. Interessante notar, que, somente aqueles que fizeram o caminho “catecumenal”, através dos sinais e das palavras de Jesus, contidos no livro dos sinais é que possuem a “lupa”, por assim dizer, para compreender o ensinamento final de Jesus, em que consiste a sua Glória, e qual o momento de sua revelação plena e final.

O texto de hoje encontra-se, portanto, no Livro dos Sinais e corresponde à semana inaugural do ministério de Jesus. Esta semana inicia-se com as narrativas concernentes a João Batista e seu testemunho, culminando no sétimo dia, com o relato do primeiro sinal realizado por Jesus em Caná, na Galiléia (Jo 1,19 – 2,11). Nesta semana, o evangelista delimita os dias com o termo, “na manhã (no dia) seguinte”. Logo no segundo dia, o autor apresenta Jesus, através do testemunho de João. O tema do testemunho é muito importante no Quarto Evangelho. Testemunho (gr. Martirya) significa atestar, dar fé sobre algo ou alguém. Mas só pode dar testemunho, ou ser uma testemunha qualificada, na perspectiva do evangelista, quem fez uma experiência existencial com algo ou alguém.

Qual o conteúdo do testemunho de João, o Batista? O v.29 responde: Jesus sendo apresentado pelo Batista como o Cordeiro que tira o pecado do mundo. Esta afirmação revela duas dimensões da identidade de Jesus: cordeiro de Deus e Filho de Deus, porque batiza com o Espírito de Deus (vv. 32-34).

O evangelista se apropria do ambiente levítico-cultual dos sacrifícios de expiação dos pecados, realizados no templo de Jerusalém. Os judeus costumavam oferecer, diariamente, no Templo, cordeiros para expiar os pecados. Deste modo, alguém que reconcilia as pessoas com Deus pode ser comparado ao cordeiro do sacrifício; é o que sugere Is 53,4-12 a respeito do Servo Sofredor. Mas a imagem do cordeiro pode lembrar também o cordeiro pascal (cf. “Cristo, nossa páscoa”, i. é, cordeiro pascal, em 1Cor 5,7; Jo 19,14.33.37), para as comunidades cristãs nascentes. Mas a lembrança do Servo Sofredor nos obriga a valorizar também o matiz “leva/carrega o pecado” (cf. Is 53,4a). O Salvador não tira simplesmente o pecado, mas torna-se solidário com aqueles sobre os quais pesa o pecado. Ele mesmo sofre debaixo desse peso, não como culpado ou sendo castigado em nosso lugar, mas como pessoa que, por sua fidelidade, através do conflito e da morte, abre um novo modo de existir.

O pecado para João é a atitude de rejeição a Jesus, enquanto resposta definitiva do amor do Pai. Aqueles que não o reconhecem (cf. 1,10) estão no pecado e nas trevas. Desse pecado único e fundamental é que nascem os demais pecados, que são frutos da rejeição de Jesus e sua prática libertadora enquanto cordeiro e servo.

Nesse sentido, o “pecado” que o Cordeiro-Jesus afasta não deve ser entendido no sentido individualista, moralista (os pecados da listinha). É o pecado “do mundo”, a realidade pecaminosa que parece dominar a convivência humana, o pecado que desde a origem da humanidade é obra do “príncipe deste mundo” — o qual, porém, é vencido por Jesus (cf. 14,30; 16,11.33). Esta vitória se prolonga na sua comunidade a partir da Páscoa, quando é dado o Espírito para tirar o pecado do mundo (20,19-23) (KONINGS, 2005, p.92).

O Batista declara, testemunhando, que viu o Espírito descer sobre Jesus em forma de pomba. Jesus é ungido pelo Espírito Santo para a missão. A descida do Espírito sobre ele representa sua unção como Messias. O simbolismo da pomba que desce e permanece em Jesus tem este significado: Jesus é a morada do Espírito, seu lugar natural e querido.

Mas o testemunho de João Batista é mais profundo ainda. O Espírito de Deus “permanece” sobre Jesus, diz o Batista: não se trata de um dom passageiro (como o Espírito dado aos profetas em Nm 11,25): Jesus é quem derrama o Espírito Santo sobre nós, quando leva a termo a sua obra (cf. 7,39). Segundo o v. 34, João Batista é testemunha de tudo isso e, por isso, proclama: “Este é o Filho de Deus” (cf. 20,31 // Mc 1,11). E seu testemunho continua válido, note-se que os verbos “testemunhar” e “proclamar” estão no grego no tempo perfeito, o qual apresenta uma ação consumada, com efeito no presente (KONINGS, 2005, p.93).

A intenção do evangelista, ao colocar este testemunho nos lábios de João, o Batista é a de ensinar à sua comunidade às gerações futuras dos crentes em Cristo que não são mais os ritos do sistema levítico-cultual da antiga lei capazes de levar o homem à uma experiencia autêntica com Deus, mas, agora, a vida de Jesus de Nazaré, que através de sua existência e práxis histórica, libertadora e salvífica religa a humanidade com o projeto de Deus. Em Jesus de Nazaré, todo o sistema antigo é superado, através da novidade de Deus agindo por meio da vida e obra do Filho.

Só poderá fazer a experiencia do testemunho de João sobre Jesus, aquele que, primeiro fez a experiência existencial e pessoal com Jesus. Só pode dar testemunho aquele que primeiro viu. Que Jesus temos testemunhado? Corresponde, Ele, com o mesmo testemunho de João? Ou temos testemunhado um Jesus destoante do Evangelho e da fé das primeiras comunidades?

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu – SP.