A liturgia desta noite santa, Mãe de todas
as vigílias, nos convida a tomar o texto mateano que narra a experiência da
ressurreição, Mt 28,1-10, o último capítulo da catequese de Mateus. Este capítulo
amarra de modo magnifico toda a catequese de Mateus para a sua comunidade e
para as gerações futuras dos leitores-discípulos.
Dissemos, anteriormente, que o evangelista
tem uma finalidade ao escrever seu evangelho: fazer discípulos de Jesus todos
os que tomam contato com Sua vida e missão. Portanto, o evangelho de Mateus é
um manual do discipulado a Jesus. Por isso, o primeiro discurso de Jesus no
evangelho segundo Mateus é o Sermão da Montanha (Mt 5 – 7), o qual trata de dar
as balizas para os discípulos de como ser discípulo do Reino. Este primeiro
ensinamento começa com as Bem-aventuranças (Mt 5,1-12).
Este primeiro ensinamento dado por Jesus
atinge sua plenitude através do relato pascal contido em Mt 28. Mas é sempre válido
recordar que o discípulo, que deseja assumir a vida de Jesus para si, deverá
ter presente que precisará passar pelos eventos de sua paixão e morte. Só assim
poderá saber por onde passou a vida do mestre; só assim estará apto para o discipulado-missionário.
Nenhum evangelho descreveu a ressurreição
de Jesus. A imagem clássica e tradicional do Cristo triunfante, de fato, não
pertence ao evangelho, mas a um escrito apócrifo do Século II, chamado “evangelho
de Pedro”. Mas os quatro evangelistas dão indicações, através de seus escritos
e das experiências comunitárias com o ressuscitado, de como puderam encontrar
com o Senhor vivente. A experiência com o Jesus ressuscitado não foi um privilégio
concedido a um pequeno grupo dois mil anos atrás, mas se torna uma
possibilidade aos crentes de todos os tempos. Apropriemo-nos também nós desta
experiência, meditando o texto.
“Depois do sábado, ao amanhecer do
primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”
(v.1). O evangelista inicia o relato com uma observação temporal, “Depois do sábado”.
A observância deste preceito faz com que a comunidade dos discípulos retarde a
experiência com o ressuscitado.
“Ao amanhecer do primeiro dia da semana”, o
evangelista faz memória do primeiro dia da criação, mas que também é o oitavo,
dado que o sábado é o sétimo dia. O número oito, na Igreja primitiva foi
associado ao Cristo ressuscitado. E, se recordarmos bem o discurso inaugural de
Jesus em Mt 5 – 7, é o número das bem-aventuranças. O evangelista pretende
ensinar à sua comunidade que aquele oitavo/primeiro dia é, agora, o novo e
definitivo dia da Nova Criação.
“Maria Madalena e a outra Maria foram ver
o sepulcro”, mas falta uma mulher, porque próximo à cruz de Jesus estavam Maria,
mãe de Jesus, Maria de Magdala, e a mãe dos irmãos Zebedeu. Esta não está no
grupo que vai ao sepulcro. Por quê? Era ela uma mulher ambiciosa, lembremos que
ela havia pedido os lugares de honra para seus filhos, mas quando se deu conta
de que aquele Jesus fracassou no seu projeto de messias, perde toda a sua
esperança e não poderá ser testemunha da ressurreição.
“De repente, houve um grande tremor de
terra: o anjo do Senhor desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e
sentou-se nela” (v.2). O terremoto, na teologia bíblica é um sinal simbólico da
manifestação divina. Acontece, ali, portanto, uma teofania reveladora.
“o anjo do Senhor desceu do céu”, a personagem
angelical aqui presente não pode ser tomada ao pé da letra; não é uma criatura
intermediária ou etérea. O anjo, na bíblia, simboliza a atuação de Deus, ao
entrar em contato com o ser humano. No evangelho de Mateus, esta figura
simbólica aparece por três vezes: para anunciar o nascimento de Jesus; para protege-lo
do olhar homicida de Heródes; e, por fim, para anunciar àquelas primeiras
testemunhas a novidade da vida indestrutível de Jesus de Nazaré. Fato que comprova,
é o ato de sentar-se sobre a pedra retirada do sepulcro: sentar-se sobre, na
antiguidade era símbolo da conquista. A diferença das mulheres que, no capítulo
precedente, ficaram sentadas diante do sepulcro fechado, o mensageiro celeste –
que é o próprio Deus, senta-se sobre a pedra, sinal da vitória.
Mateus descreve o mensageiro com os mesmos
tons e cores da cena da transfiguração, em 17,1-13: “Sua aparência era como um
relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve” (v.3). São as cores da
glória de Deus, por assim dizer.
“Os guardas ficaram com tanto medo do
anjo, que tremeram, e ficaram como mortos” (v.4), nos informa Mateus. Diante de
uma experiência que pertence ao âmbito da vida, qualquer um que pertença aos
sistemas e realidades de morte, como os soldados do império, fazem apenas uma
experiência de morte. O evangelista é irônico. Aqueles que pensavam estar
morto, está vivo; e aqueles que pensavam-se vivos, ficam, agora, como mortos.
“Então o anjo disse às mulheres: 'Não
tenhais medo!” (v.5), curioso, pois os que tiveram medo foram os guardas, os
quais deveriam ser corajosos, mas o anjo os ignora e se volta para as mulheres
e lhes encoraja a não ter medo. O medo, na bíblia é o contrário da fé. E continua,
“Sei que procurais Jesus, que foi crucificado” (v.5b), isto é, o maldito
perante a Lei (Dt 21,22), e lhes faz uma revelação; lhes dá uma boa notícia: Ele
não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que ele
estava” (v.6). O anjo não diz “ele não está mais aqui”, mas, “Ele não está aqui”,
o sepulcro não pode conter o vivente! Ele lhes apresenta uma prova, as palavras
de Jesus: “como havia dito”. As palavras de Jesus são o critério para a
comunidade fazer a memória de sua vida e experimentar a ressurreição. As
mulheres são chamadas a fazerem primeiro esta memória, e, com isso, a experimentar
o triunfo da vida. Todavia, esta experiência não deve ficar “sepultada”, como
que guardada unicamente para elas; antes, devem ir “de pressa contar aos
discípulos
que Jesus ressuscitou dos mortos”.
Mas o mensageiro estabelece mais um
critério pedagógico para as mulheres, e para todo o grupo dos discípulos: retornar
para a Galileia. Porque o mestre “vai à vossa frente para a Galiléia. Lá vós o
vereis” (v.7). A localidade da Galileia parece ser importante para o
evangelista, porque ela aparece três vezes. Lá a comunidade dos discípulos
poderá ver o ressuscitado. É importante o verbo “ver” de que Mateus faz uso.
Ele aparece também nas Bem-aventuranças (Mt 5,8, “Bem-aventurados os puros de
coração, porque verão a Deus”). Este verbo não indica apenas uma capacidade física
atrelada aos sentidos do ser humano, mas uma profunda experiência interior com
Deus; ver, significa, na bíblia, fazer experiência com Deus.
Jesus ressuscitado não se manifestará em
Jerusalém, sede do poder e da dominação (cidade assassina dos enviados de Deus),
mas na Galileia, lugar das primeiras experiências que os discípulos fizeram com
Jesus; lugar de sua pregação e anúncio do Reino.
“As mulheres partiram depressa do
sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia
aos discípulos” (v.8). A medida que as mulheres vão se afastando do sepulcro,
que remete à impossibilidade de vida, vão recuperando a alegria, e se
preparando para transmitirem o anúncio.
No meio do caminho acontece algo: “Jesus
foi ao encontro delas, e disse: 'Alegrai-vos!” (v.9). Enquanto estão indo pelo
caminho para anunciar a vida, aparece o Senhor e lhes vem ao encontro, para com
Sua presença reforçar o anúncio. Alegrai-vos, dito por Jesus, liga-se ao
convite feito por ele na última bem-aventurança, “Alegrai-vos e exultai, pois
será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,9). Eis a recompensa: uma vida indestrutível,
capaz de superar a morte. Então as mulheres se aproximaram, prostraram-se e
beijaram os pés de Jesus. A menção dos pés indica e confirma que as mulheres
tiveram um encontro real com Jesus; indica a realidade física de alguém.
Trata-se de um encontro com alguém real, e não com um espírito ou fantasma. O
gesto da prostração recorda o reconhecimento e a reverência do ser humano
diante da glória divina.
De fato, trata-se do encontro com alguém
que está vivo. Jesus fala com elas, e lhes recomenda, mais uma vez, a não terem
medo. E confirma as palavras do mensageiro celeste: “Ide anunciar aos meus
irmãos que se dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão” (v.10). Novamente, são
encorajadas a cumprirem a função do anjo: elas devem se tornar as anunciadoras
da vitória do Mestre; devem ser as mensageiras da grande notícia do triunfo da
vida sobre a morte. Devem fazê-lo, primeiramente aos discípulos, os quais são
chamados de “irmãos”, por Jesus. Repete, novamente, a ordem de se dirigirem
para a Galileia. Por quê esta insistência de Jesus, que Mateus recupera?
Porque somente refazendo os passos de
Jesus, de sua vida, de seu ensinamento se pode fazer experiência com o ressuscitado.
Esta indicação cumpre o propósito catequético-teológico do evangelista, que
narrará mais adiante que os discípulos seguirão para a Galileia, sobre o monte
que Jesus havia indicado. Mas até este momento, Jesus não tinha indicado nenhum
monte. O monte do qual se refere Mateus é a montanha das Bem-aventuranças, onde
o mestre iniciou o seu programa de vida e seu ensinamento. Com isso, é possível
captar a mensagem central deste relato pascal: acolhendo e vivendo as bem-aventuranças,
manifestando em plenitude a Boa Nova de Jesus, se tem a possibilidade de
encontrar na própria vida Aquele que é o vivente!
Feliz e santa Páscoa.
Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de
Botucatu – SP.
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