sábado, 11 de abril de 2020

Homilia para a Vigília Pascal – Mt 28,1-10:


A liturgia desta noite santa, Mãe de todas as vigílias, nos convida a tomar o texto mateano que narra a experiência da ressurreição, Mt 28,1-10, o último capítulo da catequese de Mateus. Este capítulo amarra de modo magnifico toda a catequese de Mateus para a sua comunidade e para as gerações futuras dos leitores-discípulos.

Dissemos, anteriormente, que o evangelista tem uma finalidade ao escrever seu evangelho: fazer discípulos de Jesus todos os que tomam contato com Sua vida e missão. Portanto, o evangelho de Mateus é um manual do discipulado a Jesus. Por isso, o primeiro discurso de Jesus no evangelho segundo Mateus é o Sermão da Montanha (Mt 5 – 7), o qual trata de dar as balizas para os discípulos de como ser discípulo do Reino. Este primeiro ensinamento começa com as Bem-aventuranças (Mt 5,1-12).

Este primeiro ensinamento dado por Jesus atinge sua plenitude através do relato pascal contido em Mt 28. Mas é sempre válido recordar que o discípulo, que deseja assumir a vida de Jesus para si, deverá ter presente que precisará passar pelos eventos de sua paixão e morte. Só assim poderá saber por onde passou a vida do mestre; só assim estará apto para o discipulado-missionário.

Nenhum evangelho descreveu a ressurreição de Jesus. A imagem clássica e tradicional do Cristo triunfante, de fato, não pertence ao evangelho, mas a um escrito apócrifo do Século II, chamado “evangelho de Pedro”. Mas os quatro evangelistas dão indicações, através de seus escritos e das experiências comunitárias com o ressuscitado, de como puderam encontrar com o Senhor vivente. A experiência com o Jesus ressuscitado não foi um privilégio concedido a um pequeno grupo dois mil anos atrás, mas se torna uma possibilidade aos crentes de todos os tempos. Apropriemo-nos também nós desta experiência, meditando o texto.

“Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro” (v.1). O evangelista inicia o relato com uma observação temporal, “Depois do sábado”. A observância deste preceito faz com que a comunidade dos discípulos retarde a experiência com o ressuscitado.

“Ao amanhecer do primeiro dia da semana”, o evangelista faz memória do primeiro dia da criação, mas que também é o oitavo, dado que o sábado é o sétimo dia. O número oito, na Igreja primitiva foi associado ao Cristo ressuscitado. E, se recordarmos bem o discurso inaugural de Jesus em Mt 5 – 7, é o número das bem-aventuranças. O evangelista pretende ensinar à sua comunidade que aquele oitavo/primeiro dia é, agora, o novo e definitivo dia da Nova Criação.  

“Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”, mas falta uma mulher, porque próximo à cruz de Jesus estavam Maria, mãe de Jesus, Maria de Magdala, e a mãe dos irmãos Zebedeu. Esta não está no grupo que vai ao sepulcro. Por quê? Era ela uma mulher ambiciosa, lembremos que ela havia pedido os lugares de honra para seus filhos, mas quando se deu conta de que aquele Jesus fracassou no seu projeto de messias, perde toda a sua esperança e não poderá ser testemunha da ressurreição.  

“De repente, houve um grande tremor de terra: o anjo do Senhor desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela” (v.2). O terremoto, na teologia bíblica é um sinal simbólico da manifestação divina. Acontece, ali, portanto, uma teofania reveladora.

“o anjo do Senhor desceu do céu”, a personagem angelical aqui presente não pode ser tomada ao pé da letra; não é uma criatura intermediária ou etérea. O anjo, na bíblia, simboliza a atuação de Deus, ao entrar em contato com o ser humano. No evangelho de Mateus, esta figura simbólica aparece por três vezes: para anunciar o nascimento de Jesus; para protege-lo do olhar homicida de Heródes; e, por fim, para anunciar àquelas primeiras testemunhas a novidade da vida indestrutível de Jesus de Nazaré. Fato que comprova, é o ato de sentar-se sobre a pedra retirada do sepulcro: sentar-se sobre, na antiguidade era símbolo da conquista. A diferença das mulheres que, no capítulo precedente, ficaram sentadas diante do sepulcro fechado, o mensageiro celeste – que é o próprio Deus, senta-se sobre a pedra, sinal da vitória.

Mateus descreve o mensageiro com os mesmos tons e cores da cena da transfiguração, em 17,1-13: “Sua aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve” (v.3). São as cores da glória de Deus, por assim dizer.

“Os guardas ficaram com tanto medo do anjo, que tremeram, e ficaram como mortos” (v.4), nos informa Mateus. Diante de uma experiência que pertence ao âmbito da vida, qualquer um que pertença aos sistemas e realidades de morte, como os soldados do império, fazem apenas uma experiência de morte. O evangelista é irônico. Aqueles que pensavam estar morto, está vivo; e aqueles que pensavam-se vivos, ficam, agora, como mortos.

“Então o anjo disse às mulheres: 'Não tenhais medo!” (v.5), curioso, pois os que tiveram medo foram os guardas, os quais deveriam ser corajosos, mas o anjo os ignora e se volta para as mulheres e lhes encoraja a não ter medo. O medo, na bíblia é o contrário da fé. E continua, “Sei que procurais Jesus, que foi crucificado” (v.5b), isto é, o maldito perante a Lei (Dt 21,22), e lhes faz uma revelação; lhes dá uma boa notícia: Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que ele estava” (v.6). O anjo não diz “ele não está mais aqui”, mas, “Ele não está aqui”, o sepulcro não pode conter o vivente! Ele lhes apresenta uma prova, as palavras de Jesus: “como havia dito”. As palavras de Jesus são o critério para a comunidade fazer a memória de sua vida e experimentar a ressurreição. As mulheres são chamadas a fazerem primeiro esta memória, e, com isso, a experimentar o triunfo da vida. Todavia, esta experiência não deve ficar “sepultada”, como que guardada unicamente para elas; antes, devem ir “de pressa contar aos discípulos
que Jesus ressuscitou dos mortos”.

Mas o mensageiro estabelece mais um critério pedagógico para as mulheres, e para todo o grupo dos discípulos: retornar para a Galileia. Porque o mestre “vai à vossa frente para a Galiléia. Lá vós o vereis” (v.7). A localidade da Galileia parece ser importante para o evangelista, porque ela aparece três vezes. Lá a comunidade dos discípulos poderá ver o ressuscitado. É importante o verbo “ver” de que Mateus faz uso. Ele aparece também nas Bem-aventuranças (Mt 5,8, “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”). Este verbo não indica apenas uma capacidade física atrelada aos sentidos do ser humano, mas uma profunda experiência interior com Deus; ver, significa, na bíblia, fazer experiência com Deus.

Jesus ressuscitado não se manifestará em Jerusalém, sede do poder e da dominação (cidade assassina dos enviados de Deus), mas na Galileia, lugar das primeiras experiências que os discípulos fizeram com Jesus; lugar de sua pregação e anúncio do Reino.

“As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos” (v.8). A medida que as mulheres vão se afastando do sepulcro, que remete à impossibilidade de vida, vão recuperando a alegria, e se preparando para transmitirem o anúncio.

No meio do caminho acontece algo: “Jesus foi ao encontro delas, e disse: 'Alegrai-vos!” (v.9). Enquanto estão indo pelo caminho para anunciar a vida, aparece o Senhor e lhes vem ao encontro, para com Sua presença reforçar o anúncio. Alegrai-vos, dito por Jesus, liga-se ao convite feito por ele na última bem-aventurança, “Alegrai-vos e exultai, pois será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,9). Eis a recompensa: uma vida indestrutível, capaz de superar a morte. Então as mulheres se aproximaram, prostraram-se e beijaram os pés de Jesus. A menção dos pés indica e confirma que as mulheres tiveram um encontro real com Jesus; indica a realidade física de alguém. Trata-se de um encontro com alguém real, e não com um espírito ou fantasma. O gesto da prostração recorda o reconhecimento e a reverência do ser humano diante da glória divina.

De fato, trata-se do encontro com alguém que está vivo. Jesus fala com elas, e lhes recomenda, mais uma vez, a não terem medo. E confirma as palavras do mensageiro celeste: “Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão” (v.10). Novamente, são encorajadas a cumprirem a função do anjo: elas devem se tornar as anunciadoras da vitória do Mestre; devem ser as mensageiras da grande notícia do triunfo da vida sobre a morte. Devem fazê-lo, primeiramente aos discípulos, os quais são chamados de “irmãos”, por Jesus. Repete, novamente, a ordem de se dirigirem para a Galileia. Por quê esta insistência de Jesus, que Mateus recupera?

Porque somente refazendo os passos de Jesus, de sua vida, de seu ensinamento se pode fazer experiência com o ressuscitado. Esta indicação cumpre o propósito catequético-teológico do evangelista, que narrará mais adiante que os discípulos seguirão para a Galileia, sobre o monte que Jesus havia indicado. Mas até este momento, Jesus não tinha indicado nenhum monte. O monte do qual se refere Mateus é a montanha das Bem-aventuranças, onde o mestre iniciou o seu programa de vida e seu ensinamento. Com isso, é possível captar a mensagem central deste relato pascal: acolhendo e vivendo as bem-aventuranças, manifestando em plenitude a Boa Nova de Jesus, se tem a possibilidade de encontrar na própria vida Aquele que é o vivente!

Feliz e santa Páscoa.

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu – SP.

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