sábado, 31 de maio de 2025

REFLEXÃO PARA A SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR – Lc 24,46-53:

 


O tempo pascal encaminha-se para sua conclusão. A liturgia da Igreja celebra neste domingo a solenidade da Ascensão do Senhor, na qual a comunidade professa a plenitude da ressurreição do Senhor. Jesus Ressuscitado, ao retornar para o âmbito de Deus leva consigo a natureza humana. Ele não volta sozinho para o Pai, mas leva a nossa humanidade e a (re)orienta para o seu fim último e definitivo: a vida de Deus.

A liturgia nos propõe o texto de Lc 24,46-53. Estamos no último capítulo do evangelho segundo Lucas, que iniciou com o relato do anúncio da ressurreição às mulheres, seguido da manifestação do Senhor ressuscitado aos discípulos na estrada de Emaús (Lc 24,12); continuando, depois, a manifestação à Simão e à toda a comunidade (Lc 24,34ss), até chegar à conclusão narrativa que temos diante de nossos olhos para a meditação.

No v.46, o evangelista nos informa que Jesus explicou o sentido das escrituras aos discípulos, após comer com eles, recordando que o Messias/Cristo deveria sofrer e ressuscitar ao terceiro dia. Esta recordação/memória que o Ressuscitado realiza junto com os seus corrobora a fala do mensageiro celestial às mulheres logo na introdução do capítulo. Elas deveriam, juntamente com o grupo dos discípulos, recordar o que o Mestre havia dito acerca da plenitude de sua missão. Para se fazer a experiência com o vivente, a comunidade deve fazer a memória atualizadora de Sua vida e missão, atualizando Sua presença, assimilando na vida cotidiana a exemplaridade da vida Dele. Ainda que elas passem pela morte. O discípulo não pode ter medo de se deparar com esse fato. É necessário e, igualmente importante, que eles acolham o evento pascal – sua paixão e morte – como a realização e cumprimento das escrituras, para que possam proclama-lo como Messias.

Nos vv. 47-48, o Jesus de Lucas toca no tema da missão. A missão da comunidade consiste em oferecer e testemunhar a reconciliação realizada por Jesus a todos os povos. O evangelista trabalha aqui com um tema que lhe é muito caro, a universalidade da salvação: é um dom para todos, indistintamente. Ninguém pode ficar excluído dela. A missão consiste em testemunhar a misericórdia de Deus através do dom da vida de Jesus.

O v.47 apresenta uma sentença que precisa ser compreendida. O texto litúrgico diz que no nome do Messias seriam anunciados a conversão e o perdão dos pecados. Mas o original grego apresenta outra forma: “em seu nome será anunciado a conversão para o perdão dos pecados”. Para se receber o perdão dos pecados se faz necessário viver a experiência e o dinamismo da conversão, que a mudança da direção errada, do caminho contrário ao querer de Deus, mudança em relação às escolhas equivocadas, mudando a mentalidade. Ora, a vida e o evangelho de Jesus anunciados, quando acolhidos na vida e no coração têm o poder de transformar a pessoa, promovendo a conversão, a qual gerará o perdão dos pecados. O pecado não é uma sujeira ou uma mancha a ser limpa ou apagada, mas uma conduta de vida distante do projeto de Deus e de Jesus, é o afastamento e a ruptura da relação com o Pai. Esta é, portanto, a missão que o discípulo deverá viver e testemunhar: anunciar com a vida e com as palavras o evangelho de Jesus que gera conversão para que cada pessoa possa fazer experiência de vida plena com Deus, de modo a eliminar o pecado de sua vida.

Para que os discípulos e a comunidade vivam profundamente a existência de Jesus, devem ser revestidos da “força do Alto”: o Espírito Santo. O evangelista usa do termo grego dynamis / δύναμις. A força do Alto é o dinamismo de vida do próprio Deus e de Jesus que anima e move a vida dos discípulos e da comunidade para viver a vida e a missão de Cristo.

A vida de Jesus foi toda pautada e conduzida pelo Espírito de Deus. No Evangelho de Lucas, tudo o que Ele realiza e vive, o faz segundo o Espírito. No relato do Batismo, é o Espírito que o investe para missão. No deserto, é o Ele quem o conduz. Na Sinagoga de Nazaré, declara-se ungido pelo Espírito. É por este momento que os discípulos deverão esperar, pela vinda desta força do Alto.

A seguir, o evangelista descreve a cena da ascensão. Jesus conduz os discípulos para outro lugar, “levou-os para fora” da cidade, próximo à Betânia. Dois detalhes devem chamar nossa atenção. Lucas emprega um termo exsâgo (ἐξάγω) que alude ao tema do Êxodo. No relato da transfiguração (Lc 9), as duas personagens Moisés e Elias conversam com o Senhor acerca do êxodo que ele realizaria mediante o dom de Sua vida, de sua Páscoa. Agora, o evangelista mostra para a sua comunidade a realização deste caminho.

Outro detalhe é a localização, o Senhor os leva para perto de Betânia. Seguir na direção deste povoado significa tomar o caminho contrário à Jerusalém: o caminho da entrada triunfante de Jesus na cidade santa, na ocasião da Páscoa. Se, de Betânia Jesus marcha para sua paixão e morte de cruz, seu êxodo de morte e vida, agora, na direção contrária de Jerusalém ele marcha definitivamente para junto do Pai. Ao mesmo tempo, o evangelista pretende denunciar a resistência de Jerusalém, enquanto sede do sistema religioso da época, em relação à missão do Senhor. A cidade santa não corresponde mais ao projeto de Deus. Os discípulos precisam sair dela para serem formados e fortalecidos pelo sentido da vida de Jesus para retornarem a fim de evangeliza-la e renovar lhes as estruturas.

Em Betânia Jesus sempre foi muito bem acolhido pela família dos amigos Lázaro, Maria e Marta. Sempre desfrutou ali da hospitalidade, da amizade, da fraternidade. A casa desta família de Betânia é o símbolo da Comunidade Cristã que deve ser espaço de fraternidade e de vida. Será a partir do âmbito da vida comunitária que os discípulos serão chamados a reconstruir também as realidades que os rodeiam. A partir da fraternidade, do amor mutuo, da misericórdia e da compaixão, do serviço ao próximo.

Lucas, pele primeira vez mostra Jesus abençoando os seus. As mãos, na antropologia bíblica estão sempre relacionadas às ações (ao agir). O Senhor ao abençoar os discípulos está comunicando a eles toda a plenitude de seu agir. Como Ele agiu, gerando vida, revelando a face amorosa e misericordiosa de Deus, também eles e a Igreja deverão fazer o mesmo. A benção bíblica é, primeiramente, o ato de bendizer à Deus recordando seus feitos, aquilo que realizou em favor dos seus, para tornarem-se lugar da Sua presença. Ela assume uma dinâmica performativa, ou seja, realiza aquilo que diz, transmitindo uma força eficaz e irrevogável. Ela comunica a essência daquele que abençoa àqueles que são abençoados. Assim, os discípulos, que são abençoados, difundirão a plenitude da vida do Senhor Ressuscitado e do Pai e, através dela, farão novos discípulos.

Depois de abençoar os discípulos, Jesus foi elevado aos Céus. É necessário compreender a cosmologia da época, isto é, a concepção de universo, espaço e tempo do povo da bíblia. O céu é o lugar da habitação de Deus. É âmbito divino e expressa a condição divina. Aplicando essa imagem a Jesus, o evangelista pretende ensinar que Ele cumpriu plenamente a missão de revelar a face misericordiosa do Pai. Por ter sido fiel a ela, isso foi levado em conta por Deus, que o enalteceu ao entronizá-lo a sua direita. Ação de elevar o Filho é realizada pelo Pai (“foi levado para os céus” encontra-se na voz passiva, que indica que a ação em relação ao Filho foi realizada por Deus-Pai), assim como a ressurreição.

A elevação/ascensão de Jesus não é outra coisa que o retorno ao âmbito do divino. Aquele homem que havia sido condenado como blasfemo e morto pelas lideranças religiosas e políticas, agora está à Direita de Deus. Porque Ele mesmo assim o quis. É uma maneira que o evangelista encontra para dizer que o Crucificado pertence a esfera da divindade.

“Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus” (vv.52-53). Adorar é a atitude típica do reconhecimento da soberania de Jesus. Os Seus discípulos sabem que Ele é realmente o salvador, e, por isso, da mesma forma que no início do Evangelho lucano os pastores se alegraram com o anúncio do nascimento do Messias (cf. Lc 2,10), os discípulos expressam uma “grande alegria”. A alegria é uma característica essencial do discipulado, na perspectiva de Lucas. Ela já foi antecipada no início da catequese também por Maria (cf. 1,47) e pelos anjos (cf. 2,8-20). E agora toca aos discípulos comunica-la ao mundo.

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP


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