O evangelho deste Quinto Domingo do tempo
pascal retoma a narrativa da ceia de despedida de Jesus, no Quarto Evangelho
(Jo 13,1-38). Estamos ao interno do chamado Livro da Glória. O texto de Jo
13,31-35 situa-se após o gesto profético do lava-pés. Mas, no contexto da
catequese joanina, este discurso encontra-se no bloco denominado testamento de
Jesus (Jo 13 – 17), sendo quatro capítulos narrados ao redor da ceia. Esta, é o
lugar da partilha e da comunhão de vida entre o anfitrião e os hospedes. Por
isso, o testamento que Jesus deixa aos seus se dá ao interno desta ceia.
O testamento que Jesus entrega aos seus é a exemplaridade de Sua vida. O seu conteúdo é a revelação de Deus através da Sua vida, mediante a sua entrega, e o mandamento do Amor. É sobre ele que a comunidade de João e as gerações futuras deverão se debruçar. Por isso, a nível de catequese litúrgica, a Igreja oferece este texto para a meditação, a fim de que as comunidades de todos os tempos, tendo feita a experiência com Jesus ressuscitado, possam pautar a vida nos ensinamentos e no modo de vida do Senhor. Somente vivendo a partir do modo de vida de Jesus a comunidade continuará a experiência da ressurreição e prolongará sempre na história, a vida do Mestre.
No v.31 temos uma informação importante: a saída de Judas. Ele se decidiu por romper com Jesus, com seu projeto e com o grupo dos Doze. Optou em não aceitar a dinâmica do lavar os pés. Escolheu as trevas. Por isso, João ambienta o testamento e os acontecimentos finais da vida de Jesus no período noturno. Somente após a saída deste discípulo é que o mestre entrega o seu testamento aos demais. Só pode receber e assumir o testamento do Senhor aquele que estabeleceu uma comunhão com o Seu modo de vida.
O v.32 toca precisamente no tema da Glória (da glorificação) de Jesus. O tema da Glória no Quarto Evangelho é importante e perpassa a obra joanina do começo ao fim. Glória, aqui, não significa brilho/esplendor. O evangelista serve-se do pano de fundo do Antigo Testamento, trabalhando com o termo hebraico Kabod, o qual se traduz por Glória, mas no sentido de “presença/peso/substância”. Assim, a Glória de Deus outra coisa não é que a sua presença na história.
Na teologia do evangelho de João, a vida de Jesus torna-se o lugar no qual se dá a presença de Deus. Com efeito, a Glorificação do Filho do Homem, da qual está falando o mestre é o ato de manifestar a presença de Deus através do dom da sua própria vida, como veio fazendo, mas de modo mais denso e pleno na Cruz. Por isso, é na Cruz que Deus revela todo o seu poder, sua presença e seu Ser no Crucificado.
O evangelista, no texto grego serve-se da voz passiva, a qual indica Deus como o agente realizador da ação (“passivo teológico ou divino”). O termo “glorificar” pode ser entendido, ainda, no sentido de “manifestação da glória”, revelação da presença divina: “Foi glorificado o filho do Homem, e Deus foi glorificado nele”. Ora, a glória de Jesus, enquanto Filho consiste em realizar o querer e a obra do Pai. A glória do Pai, por sua vez, é ver o Filho amando até o fim, isto é, plenamente. E sendo-lhe fiel. Mas só poderá tomar parte da glorificação de Deus em Jesus os que são tidos como “filhinhos”, ou seja, aqueles que aderiram e aderem ao projeto e à vida de Jesus: os iniciados na Fé.
“Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (v.34). Existem dois adjetivos que correspondem a “novo”: o primeiro deles, “néos” (gr. νέος) significa algo novo mas que se acrescenta ao que já existe; o segundo, kainós (gr. καινός) significa algo que substitui o que é velho, superando-o e fazendo-o desaparecer. É esse segundo termo que João se serve aqui. Portanto, o mandamento novo dado pelo Senhor é um acréscimo à antiga Lei, mas a sua completa superação, no sentido de leva-la à plenitude.
Jesus ao comunicar um “mandamento novo”, está a dizer para seus discípulos (e à nós) que sua vida e o modo do Seu amor superam (plenificam, conferem plenitude e cumprimento/realização) a Instrução/caminho, a Torá de Deus. O amor tem a capacidade de superar uma Lei; de aperfeiçoar um “caminho” (Torá/instrução). Quer dizer que, vivendo esse mandamento, a comunidade não necessita de nenhum outro. É esse o modelo de amor que ela deve assimilar e reproduzir.
Jesus não dá como testamento para sua comunidade um conjunto de normas ou ritos somente. Sim, é verdade que no "tomar e comer, e no tomar e beber", Ele nos dá a ordem de iteração "fazei isto em memória de mim", para que se celebre e se atualize sempre a sua vida através dos dons sacramentais. Mas a liturgia e o rito só adquirem a real eficácia quando verificados através do modo de vida de Jesus.
A vivência deste Amor de Jesus torna-se o critério para reconhecer as comunidades e os discípulos de Jesus, “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (v. 35). Assim, se faz necessário questionar-nos um pouco: 1) Será que poderemos nos reconhecer entre os filhinhos ou estamos ainda na dinâmica existencial de Judas, que rompeu com a comunhão e com projeto de vida e amor de Jesus? 2) Poderemos ser distinguidos e identificados através do Amor de Jesus que deve permear e performar a nossa vida? 3) Nossas comunidades se alimentam e se balizam pelo mesmo amor de Jesus, sendo sinais e testemunhas deste Amor?
Pe. João Paulo Sillio.
Paróquia São Judas Tadeu,
Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.
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