O terceiro domingo da Páscoa apresenta para a meditação o capítulo 21 do Quarto Evangelho, onde se narra o terceiro encontro de Jesus Ressuscitado com a comunidade que, processualmente, se coloca a fazer a experiência da Ressurreição e com o Vivente, o Senhor vencedor da morte. A liturgia traz para a celebração os dezenove versículos deste capítulo. Mas a reflexão se delimitará até o v.15. Não se fará a reflexão da reabilitação do discípulo Pedro (16-19) para não prolongar o texto e a explicação. Outra oportunidade haverá.
A terceira experiência com o Ressuscitado é narrada em contexto e lugar diverso daqueles apresentados no capítulo vinte pelo evangelista. O Senhor vai encontro dos seus no primeiro dia da semana, quando a comunidade estava fechada no medo. Oito dias depois, se coloca em meio aos discípulos, mas, agora, com a comunidade completa. O discípulo Tomé está ali. E ambos, comunidade e discípulo fazem a experiência com o Jesus, o Vivente, naquela experiência comunitária, religiosa, porque o primeiro dia da semana, o Domingo, é o dia em que as comunidades dos discípulos se reúnem para celebrar a memória, a missão e a vida do Senhor. Ora, os dois primeiros encontros com Ele se dão na realidade e no âmbito do sagrado. Mas, esta experiência com o Ressuscitado pode ser feita em outra realidade? Pode, deve e é feita!
O evangelista ambienta a experiência pascal dos discípulos com Jesus fora do âmbito da comunidade. Apresenta o cenário: “a beira do mar de Tiberíades” (v.1). Importante recolher as duas informações. O mar: símbolo de todas as forças contrárias ao projeto de Deus; lugar da realidade deformada pelo pecado e local de experiência de morte. É neste contexto que Jesus pediu que os discípulos lançassem as redes (Lc 5,1ss), e se tornassem pescadores de homens. Em Jo 6, o autor narra a caminhada do Senhor sobre o mar. O mar é símbolo da hostilidade e da impossibilidade de vida, mas é onde a missão da comunidade dos discípulos acontece. A cidade de Tiberíades foi construída por Herodes em homenagem a Tibério, imperador de Roma e “amigo” dos judeus. O local de sua construção é muito controverso: foi edificada sobre um antigo cemitério. Por isso, muitos rabinos do tempo de Jesus se recusavam a ir até ali, aconselhando o mesmo aos seus discípulos. Ora, o catequista ambienta o terceiro encontro com o Ressuscitado numa realidade profana, isto é, longe da esfera e do ambiente do sagrado. No âmbito da cotidianidade. Onde a vida também acontece. Precisamente na realidade do trabalho dos discípulos.
No v.2, o evangelista apresenta o grupo: Simão Pedro, Tomé, Natanael, Tiago e João (filhos de Zebedeu), e outros dois discípulos. Sete pessoas. Não é irrelevante. Há um significado simbólico que ajuda a captar a mensagem. É a imagem da comunidade cristã. Estão em sete e não em doze. O número 12 representa Israel. Mas o número 7 ou 70 indicam a universalidade das nações. A comunidade do Ressuscitado não se limita a um povo, mas é aberta a todos os povos, línguas e nações. O projeto de vida e amor anunciado por Jesus precisa ser levado a diante para todos e acolher a todos. Mas é importante lançar olhar para a composição desta comunidade. Pedro, o discípulo que mais apresenta dificuldade em relação ao seguimento e ao projeto do Mestre. Recusa, resistência e mentalidade equivocada em relação ao messianismo de Jesus, viciado pela lógica do poder e da grandeza. Tomé, o discípulo ativo, destemido, exigente, pede provas, mas que, num determinado momento de sua experiência com o Senhor, se afasta da comunidade. Natanael, homem autêntico e verdadeiro. É aquele que é sincero em relação à Jesus; não tem medo de se posicionar. Ao mesmo tempo é quem abraça com entusiasmo vontade e força o ensinamento do Senhor. É um discípulo com quem se pode fazer experiência de autenticidade. Os irmãos Zebedeu, Tiago e João, são os discípulos intolerantes e fanáticos; que tem sérias dificuldades em aceitar o diferente. São fundamentalistas e quase terroristas. Diante da recusa dos samaritanos esbravejam e pedem a Jesus que faça descer fogo dos céus para destruí-los. Evidentemente são repreendidos por Ele. E dois discípulos anônimos. São como espelhos. Conseguiu se identificar com algum deles?
Não há problema caso não tenha se encontrado neles. Pois se não conseguiu se identificar com nenhum dos cinco mencionados, pode ser que consiga com os dois anônimos. Um destes é o discípulo amado. O sétimo, pode ser você e eu.
No v. 3, Simão Pedro toma a iniciativa de ir pescar. Os outros aderem e vão. Embarcam na barca. Era noite. Evidentemente que João não está contando uma crônica, mas transmitindo uma mensagem de fé. A barca representa a comunidade cristã. A pesca simboliza a missão da comunidade. Pescar homens, ou seja, retirar da realidade da morte manifestada pelo mar, as pessoas. E a comunidade vai para pesca. A noite simboliza acena para a realidade das trevas, oposição e ausência da luz. Para o Quarto Evangelho, Jesus é a luz para o mundo. Ou seja, o autor pretende mostrar que a pesca (a missão) é feita sem Jesus. Quando ele não está presente, não há resultado. É a metáfora da vida e da missão dos discípulos e das discípulas que se esquecem do projeto e da pessoa e Jesus. Pensam que sozinhos darão conta. Pensam que seus projetos pessoais valem e salvam mais que o Senhor. Mas que não tem sucesso depois. Estão pescando errado. Lançam a rede na direção errada. Sem o Cristo perdem a direção e o rumo certo. Trata-se de uma advertência do evangelista para sua comunidade.
João apresenta a reviravolta da experiência. “Já tinha amanhecido e Jesus estava de pé na margem da”. Em contraste, os discípulos estão no mar. É interessante como o Senhor é apresentado, “em pé”, na margem. O Cristo é pé é a imagem utilizada pelo evangelista para se referir a condição ressuscitada de Jesus. É o Vivente. Sua vida é dotada de qualidade e plenitude. Nada a limita mais. Nem o fracasso dos discípulos que nada conseguiram na missão. O evangelista enfatiza que estava na margem, ou seja, na terra firme. Desejando comunicar a firmeza de sua vida a eles. Um diálogo acontece; o Ressuscitado pergunta se eles conseguiram algo para comer e estes devolvem em negativa. Então, a ação transformadora da cena: “Lançai a rede a direita da barca e achareis”. Lançaram e não conseguiam puxa-la. A rede estava cheia de grandes peixes.
Lançar a direita é o oposto de lançar a esquerda. A pesca não acontece se lançar as redes no lado errado. Não se consegue realizar pesca dos homens se só se vê ou valoriza o lado errado das pessoas. Isso significa lançar a rede no lado errado. Quando os discípulos escutam a voz do Senhor que está presente, e lançam para o lado certo, ou seja, olham para o lado positivo e para as qualidades dos outros conseguem tira-los das águas da morte. A pesca acontece e é abundante. A missão tem êxito. A experiência com o Ressuscitado tem condições de acontecer na dificuldade da vida, no lado errado da existência. Ali ele encontra o discípulo e a comunidade. E ali a comunidade também pode encontra-lo e reconhece-lo.
O discípulo amado reconhece Jesus: “É o Senhor!” (v.7). Este discípulo é aquele que desde o seu chamado, juntamente com André (Jo 1,18ss), abraça o caminho e a proposta de Jesus. Ele consegue assimilar o sentido da existência e da missão do Senhor. É aberto e disponível. Mais! Ele consegue entender o amor do Mestre, permite-se ser amado e, por isso, se põe a viver como o Ele. Por isso consegue reconhecer Jesus Ressuscitado. Ele faz a memória das palavras e da vida do Senhor, por isso está em condições de reconhece-lo.
Nos v.9-11, os discípulos, ao chegarem em terra viram algo curioso: Jesus lhes tinha preparado a refeição. Brasas acesas e sobre elas, pão e peixes. Mas de onde Ele tirara os peixes? Havia pescado? Sim, toda a Sua vida foi uma incessante pesca. Recorde-se que a pesca é símbolo da missão de tirar as pessoas da situação da morte e leva-las para a vida. O Senhor apresenta também a eles o resultado de sua pesca existencial, por exemplo, Nicodemos (Jo 3), a samaritana recuperada (Jo 4), o paralítico de Betesda (Jo 5), a multidão faminta em (Jo 6), o cego de nascença (Jo 9). Muitos são os peixes que Jesus pescou. Ele está mostrando aos discípulos que esta deve ser a pesca a realizar. Por isso pede a eles que também tragam o fruto de sua missão (v.11). Eram cento e cinquenta e três grandes peixes, ou seja, a humanidade recuperada através da missão da comunidade dos discípulos que é levada até Jesus.
“Jesus aproximou-se, tomou o pão e distribuiu-o por eles. E fez a mesma coisa com o peixe” (v.13).O evangelista narra um momento intenso entre Jesus ressuscitado e os discípulos. Uma refeição. A refeição era o momento e o lugar privilegiado da partilha e da comunhão de vida, do amor e do servir os irmãos, como nos faz recordar a ceia com os discípulos (cf. Jo 13). O pão preparado é Ele mesmo. João ressalta para a comunidade, através deste gesto de Jesus, a realidade da Eucaristia. No gesto singelo e profundo de uma refeição eles fazem a experiência com o ressuscitado.
A finalidade deste relato atinge sua intencionalidade, que é a de reconhecer o Senhor nas atividades concretas e cotidianas simbolizadas pela pesca (missão), e através da Eucaristia, partindo o pão (símbolo da Sua vida doada em amor). Jesus interage conosco nestes momentos da nossa vida. Ali a vida acontece. No cotidiano reconhecer a Graça de Deus que transforma a mesmice em tempo de Salvação. Na realidade mais dura e difícil, na simplicidade de um trabalho até corriqueiro e rotineiro ver os sinais e a oportunidade de se fazer experiência com o Ressuscitado, a fim de retomar a missão e a vida, a fim de gerar vida para a humanidade.
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Paróquia São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.
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