sábado, 9 de dezembro de 2023

II DOMINGO DO ADVENTO (Ano B) - Mc 1,1-8:

A liturgia do segundo domingo do advento, apresenta o início do primeiro Evangelho da comunidade cristã, o evangelho segundo Marcos. Situamo-nos na introdução da catequese do evangelista, a qual apresenta, desde o começo algumas notas que serão norteadoras para a leitura e meditação da primeira catequese comunitária.

O texto começa da seguinte maneira: “Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus” (v.1). Só esta primeira linha introdutória é repleta de significado, e merece ser saboreada. Este título traz consigo, segundo o interesse de Marcos, uma série de referências acerca de Jesus e de um certo “evangelho”.

O termo “evangelho” (gr. εὐαγγέλιον / euanghelion), literalmente significa “boa notícia”. Uma alegre notícia, que no contexto do mundo bíblico é, primeiro, um anúncio importante proveniente da corte do rei (p.e. nascimento de um membro da família real), ou mesmo anúncio de vitória dos israelitas sobre os inimigos. Mas será no campo religioso que o termo alcança sua riqueza de sentido, pois ele estará sempre relacionado ao agir libertador de Deus, sua intervenção sempre salvífica em favor do povo. No Novo Testamento, os primeiros catequistas da comunidade dão um sentido pleno a esta palavra – Paulo, principalmente: o evangelho é a narrativa da missão e obra de Jesus, em seu mistério de paixão, morte e ressurreição, e a própria pessoa de Jesus. Em simples palavras, o evangelista, através deste termo, “evangelho”, quer fazer crescer sua comunidade e as gerações seguintes na consciência de que a Boa Noticia é uma pessoa, Jesus de Nazaré, e o sentido histórico salvífico que sua vida atinge.

Em segundo lugar, os complementos nominais que se seguem só nesta primeira linha do v.1, “Cristo” (sem o artigo definido), e “Filho de Deus”, funcionam como genitivos restritivos. Possuem a função de acenar para a identidade deste Jesus. Cristo é a tradução grega da palavra hebraica “messias”. Note-se, aqui, mais uma vez, que ela não vem acompanhada do artigo definido. Marcos não quer identificar a Jesus com “o Messias” davidico, aquele valente guerreiro, político e revolucionário que deveria libertar o povo de Israel da opressão dos romanos. O evangelista concebe o messianismo do Senhor de outra forma, a qual se desenrolará no decorrer da narrativa evangélica. “Filho de Deus” é outro genitivo restritivo que precisa ser compreendido bem, mas que só o será na medida em que o leitor-discípulo vai avançando na compreensão e no conhecimento de Jesus. O autor aplica esse adjetivo a Jesus para comunicar uma mensagem à sua comunidade: o messias e Filho de Deus não é o Cesar de Roma (ideológica e falsamente reconhecido como divino), mas este Jesus de Nazaré. A boa notícia que vem através de Sua vida, missão e obra é a nova modalidade de relação entre o homem e Deus. Relacionamento este que não se dará mais por intermédio da Lei (termo que não aparecerá mais no evangelho marcano), mas através da acolhida e da assimilação de Seu amor, através da vida de Jesus.

No v.2, Marcos se serve de uma passagem contida no Segundo Isaias, Is 40, que, começa com um convite de ânimo e de consolação para o povo sofrido e exilado na Babilônia. O texto do qual o evangelista usa é daquele período. E faz, portanto, sua releitura daquele “consolai o meu povo! Consolai!”, pois “O vosso Deus chega com poder”. Mas para que ela venha, se fazem necessárias duas atitudes: ouvir a voz que grita no deserto, e acolher o convite à “preparar os caminhos do Senhor”, conversão (mudança da mentalidade; do modo de pensar; uma nova consciência).

O evangelista apresenta o primeiro personagem de seu evangelho (v.4). Um tal João, cujo nome hebraico significa “Deus é Misericórdia (Deus é Graça)”, que batiza no deserto. Em João, o povo simples reconhece a vinda do profeta verdadeiro, esperado por quatro séculos. Por quatrocentos anos o povo viveu sem profetas, uma vez que as autoridades do templo haviam proibido o exercício da profecia em Israel, no pós-exílio, o que se pode verificar na profecia de Zacarias 13. O templo pretendeu abafar a profecia porque não a suportava. O evangelista apresenta esse homem vestido com pele de camelo, que se alimenta de gafanhotos e mel silvestre. É retratado como figura e símbolo do grande profeta do povo, Elias.

O evangelista sublinha o lugar geográfico do rio Jordão. Ele não é só uma localização espacial, mas um lugar teológico também. Na tradição do Pentatêuco, o Jordão era tido como o último lugar de travessia por onde o povo teria que passar para entrar e  conquistar a terra prometida. Mas a localização que Marcos oferece indica o Batista realizando seu batismo estando na margem do lado de Jerusalém, ou seja, o caminho contrário. De modo que, ao passar pelo batismo de João, cruza do o Jordão, as pessoas teriam a sua frente o deserto. Indo, portanto, na direção oposta à capital, que, na tradição religiosa é o lugar sagrado, a terra prometida. É uma forma de se dizer que aquela terra de promessa havia se transformado numa terra de escravidão, da qual se deve sair. Para escutar e acolher o Senhor que vêm, se faz necessário romper com que é antigo, com os empecilhos e obstáculos que impedem a experiência com a Boa Nova de Jesus.

Mas, de verdade, o que faz João; ou, de outro modo, o que não faz? O que ele faz é explicitado no v.8a: “Eu vos batizei com água”. Ou seja, o batizador é um instrumento para a mudança de vida e de mentalidade. O que ele não pode fazer é outra coisa: batizar com o Espírito Santo. Ou seja, ele não comunica o dinamismo de vida de Deus que é capaz de fazer com que o ser humano viva esta nova realidade iniciada pela conversão e pelo perdão dos pecados. Esta será, portanto, a missão de Jesus, que é aquele que batizará com o Espírito Santo, inserindo o homem e a mulher no horizonte da vida mesma de Deus, e este será o anúncio feito por Jesus.

O evangelho deste segundo domingo do advento nos dá três lições-atitudes que devemos procurar assimilar. Escutar a voz: ela orienta, segundo o texto de hoje, a acabar com todas as dificuldades, a deixar um caminho livre e aberto, para que Ele possa chegar. Chegará na estrada que cada homem e mulher se propõe a preparar. Na verdade, Ele vem ao encontro nesta estrada. No caminho que deixamos prontos para encontrarmos com Ele, ou seja, a atitude do “aplainar/preparar os caminhos”. A fim de se acolher o convite à conversão, que é atitude interior da mudança de mentalidade e de vida. Só assim se pode participar (mergulhar) na vida e da missão Daquele que batiza com o Espírito Santo, o qual nos insere na vida e no horizonte todo de Deus.

Nossos ouvidos estão atentos a este apelo? Que caminho/estrada temos preparado para o Senhor que vem; e que via podemos a ele apresentar como lugar de encontro entre ele e nós?

 

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.


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