O tempo do advento divide-se em dois
momentos. O primeiro, que se estende até o dia dezessete de dezembro, apresenta
a temática do advento escatológico de Jesus. Ou seja, a liturgia faz com que o
fiel, através dos textos bíblicos se abra para o horizonte da segunda vinda do
Senhor. Já os domingos seguintes, são marcados pela temática da primeira vinda,
celebrada com o santo natal.
Ora, o Advento não é a espera de Alguém que ainda deve vir, mas é uma renovação do compromisso de tornar manifesto o Cristo que já veio e permaneceu com os seus. Portanto, o papel da comunidade cristã é tornar sempre mais visível a presença do Senhor através do amor. É o tempo para se abrir os olhos e reconhecer Deus no pequenino; no último.
A liturgia propõe para a meditação, o texto pertencente ao evangelho segundo Marcos, Mc 13,33-37, o qual apresenta o sermão escatológico concentrado pelo evangelista neste capítulo. Ele é chamado de “apocalipse de Marcos”. Apocalipse significa revelação. Não se trata de tragédia ou catástrofe, mas da consolação do fiel, do povo, da humanidade por Deus. Este gênero literário serve-se de um vasto campo simbólico para transmitir uma mensagem de ânimo e de esperança em tempos de crise e de desolação. Na realidade, a literatura apocalíptica é essencialmente uma literatura de resistência, e a promessa de uma mudança radical para breve alimenta a força de resistência para a comunidade. Importante consideração: o gênero literário apocalíptico não é uma futurologia, mas leituras da História, que, em última análise, está nas mãos de Deus.
Duas são as formas de ler o texto de hoje, unindo-as num mesmo horizonte; de acordo com o horizonte do texto, ao interno da narrativa de Marcos, o discípulo deverá tirar as pistas para superar o momento da tribulação pela qual o mestre passará, e saber se comportar diante dos eventos de sua paixão, morte e ressurreição; e a segunda forma é a da assimilação deste convite à vigilância frente a demora da segunda vinda, que deve suscitar uma espera paciente. A constante vigilância do cristão é um programa de ação. Mc 13 ensina a vigilância em vista à do retorno de Jesus, que quer encontrar os seus ocupados com as coisas do Reino, sobretudo a caridade fraterna.
Ao interno do texto, Jesus está com seus quatro mais próximos, Pedro, André, Tiago e João, sobre o monte das Oliveiras, olhando para Jerusalém e o templo. Nas narrativas anteriores eles se maravilhavam com os ornamentos do recinto. Fora dele podem ver e contemplá-lo, uma vez que não sobrará pedra sobre pedra, conforme dissera o mestre anteriormente. Com esse panorama, os discípulos se inquietam e perguntam-no “quando será?” “Qual será o sinal de que tudo isso vai acontecer?” Isto posto, podemos adentrar no horizonte do texto e meditarmos sobre esta atitude.
Dos vv.33-36, Jesus fala novamente em parábolas. Emergem, aqui, imagens que a comunidade cristã primitiva tinha acerca da parusia, inaugurada pela ressurreição de Jesus. Os primeiros cristãos comparavam a ressurreição do Senhor a uma viagem para receber a glória de Deus Pai e seu retorno como a completude do Reino que ele inaugurou, com o ajuste final para todos de acordo com suas obras.
Alguns elementos da parábola merecem destaque. A casa lembra, em Mc, a comunidade dos discípulos. A figura do patrão, do porteiro e dos servos. A identificação da primeira personagem é imediata: o patrão é Jesus. Os servos são imagens para a comunidade cristã à qual o evangelista Marcos escreve, mas também são símbolos dos discípulos que acompanham a Jesus no curso de sua vida pública. O porteiro, encarregado de vigiar, talvez represente a imagem dos líderes. O porteiro e os servos (incumbidos cada qual de seus afazeres) devem vigiar, pois não sabem quando virá o senhor da casa. De ambos se exige a mesma atitude: vigilância.
O termo vigilância aprece nesta perícope por três vezes. A exortação inicial “Cuidado! Ficai atentos” (gr. βλέπετε ἀγρυπνεῖτε / Blépete agrypneîte) é carregada de sentido. O verbo βλέπω (Blepo/Blépen) significa “ver”. Ele indica a capacidade do discernimento, da percepção; o termo ἀγρυπνέω (agrypnéo) significa “estar acordado”. Durante a narrativa os termos vão variando entre “Cuidado! Ficai atentos” (βλέπετε ἀγρυπνεῖτε), “vigiai, portanto” (γρηγορεῖτε οuν), e, vigiai (γρηγορεῖτε). A vigilância bíblica não significa “não dormir”, “não cair (ou pegar) no sono”; também não é uma espera passiva. Pelo contrário. A vigilância é uma espera atuante, operativa, que se vive na atitude. É a capacidade de estar de prontidão. Pois não se sabe a hora noturna em que o Senhor virá.
A exortação de Jesus pode ser lida e entendida na realidade da primeira geração dos discípulos, que mesmo após a ressurreição esperavam a volta iminente – para já – do Senhor. Como pode ser lida em tom de exortação para as gerações seguintes, dada a demora do retorno do Cristo. Esta exortação (ordem – convite) de Jesus à vigilância serve de antidoto contra a tentação de ficar dormindo.
Jesus e Marcos se servem da imagem do sono (dormir) para ilustrar a condição do discípulo que não está respondendo ao projeto de Deus. Alude também à recusa e a indiferença. Devido ao “atraso” do Senhor, as comunidades ficavam tentadas a abandonar tudo, a esfriar na vida Fé – na relação com Deus e no trato fraterno com os outros. Ainda, pensamentos e atitudes da seguinte ordem também eram perceptíveis ao interno das comunidades: bastava ter aderido à fé, com isso descomprometiam-se da realidade. Este é o sono, a dormência, que a comunidade dos discípulos de todos os tempos deve combater e evitar através do dinamismo da vigilância. Quer diante da demora ou da iminência do acontecimento, cada momento é “o hoje de Deus” (gr. καιρός / kairós). Não devemos nos empenhar somente em vista de um fim próximo ou distantes, mas como se o Fim estivesse chegando sempre.
O discípulo é chamado à “abrir os olhos” e não esperar que outros resolvam os problemas para si; ou mesmo realizem aquilo que cada um tem a capacidade de fazer. A comunidade é esta casa de servos, onde cada um deve realizar aquilo que recebeu para fazer, enquanto espera a vinda do dono. Como nos encontramos ao final/recomeço deste tempo sempre novo? Vigilantes ou no perigo da sonolência, ou mesmo dormindo?
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese
de Botucatu-SP.
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