A liturgia do terceiro domingo do advento
se reveste da alegria, em virtude da memória da vinda do Senhor. Nos dois finais
de semana anteriores, os textos bíblicos colocavam a assembleia na atmosfera da
segunda vinda – a parusia – de Jesus. Atitudes como a vigilância, acolhimento, conversão
e escuta da voz de Deus chamavam a atenção, em vista do retorno do Senhor.
Agora, adentrando no segundo ciclo do advento, a Igreja chama a fazer a memória
da primeira vinda, o natal do Senhor. Para isso, será necessário aprender novas
atitudes. É o que o Evangelho de hoje pretende mostrar.
O texto proposto para a meditação é retirado do prólogo do evangelho de João, a abertura solene que o evangelista redige, a fim preparar seus leitores para acolher a novidade da obra de Jesus, o revelador de Deus. Deste trecho importantíssimo – que será meditado no dia do Natal – a liturgia elege os versículos seis, sete e oito, e, depois, salta para o dezenove até vinte e oito, os quais apresentam propriamente a narrativa do evangelho, colocando em cena a missão e a pessoa de João Batista. Nota importante que o Quarto Evangelho oferece: João não é apenas o precursor de quem nos falam os sinóticos (Mc, Mt e Lc), mas a testemunha.
Testemunho, enquanto substantivo, e testemunhar (verbo) são termos e temas importantes no evangelho joanino. O testemunho é o conteúdo da Boa Notícia: a novidade de Deus agindo em meio a humanidade de uma forma definitiva e plena, através de Jesus de Nazaré, que revela às pessoas que Deus é amor. O verbo testemunhar consiste na atitude de dar fé, veracidade e fidelidade ao conteúdo do anúncio. Testemunho/testemunhar é a primeira atitude a ser assimilada neste evangelho.
O v.6 declara: “Surgiu um homem enviado por Deus; Seu nome era João”. O evangelista se refere a um homem, isto é, um ser humano para uma missão. A novidade da Ação de Deus na história, que assumirá carne e rosto, deve ser preparada por um homem. Cada pessoa humana possui uma missão a realizar. Como saber qual é esta missão? Basta descobrir a própria identidade. Quando se toma consciência de quem se é, se compreende também o que Deus espera da pessoa. Cada ser humano é único ao interno da Criação.
O Batista tem uma ideia muito clara de sua própria identidade. Ele sabe para quê foi chamado. Seu nome é importante: João (hbr. Johanan; lit. Deus é amor/misericórdia ou Deus é Graça). Ele será o encarregado de mostrar a Pessoa para quem se deve voltar o olhar, se deseja contemplar a luz da face de Deus. E quando voltar o olhar para aquele que revela a luz de Deus, ou seja, Jesus, então se descobrirá que Deus é amor. Por isso, os nomes são muito importantes na tradição bíblica, pois além de apresentarem a identidade das pessoas, também revelam as missões que desempenharão.
O evangelista insiste na missão do Batista enquanto testemunha da Luz, a fim de eliminar a compreensão equivocada de pessoas que acreditavam ser ele o Messias. Não. Ele apenas aponta quem é a Luz; onde ela se encontra: Jesus. Como mais adiante ele mesmo se auto revelará como Luz do mundo (Jo 9). O autor do evangelho pretende com essa polêmica revelar que o Batista conseguiu ver e enxergar para além da natureza humana de Jesus, e reconhece-lo como luz. É verdade que todos podem olhar para Jesus e deparar-se com um homem extraordinário, portador de uma mensagem nova, alternativa, e podem parar neste nível. Portanto, algo que não precisaria de testemunho. Mas só se pode acolher o testemunho de João, aquele e aquela que fizer a mesma experiência feita por ele. Porque para compreender quem é Jesus e acolher esta luz é necessário ter um olhar que enxerga para além daquilo que todos veem. E este olhar, somente o Espirito pode dar. O Batista viu o Espírito pousar e permanecer em Jesus ao batiza-lo no Jordão. Se não se olhar para essa identidade profunda do Senhor, não haverá como testemunhar esta luz de Deus em sua face.
Diante da fama do Batista, o evangelista informa que uma comitiva de Jerusalém é enviada pelos sacerdotes. Sentem-se incomodados com esta luz que é proclamada por ele. Devido ao prestigio que já possuía João, as pessoas acreditavam ser ele o Messias. Ameaçados pela luz, as autoridades religiosas exigem uma resposta para a pergunta: “Quem és tu?” (v.19).
“João confessou e não negou. Confessou: ‘Eu não sou o Messias’” (v.20). A resposta do Batista é dada de modo solene pelo evangelista. Antes de tudo, ele diz aquilo que não é. João não deseja criar expectativas ao redor de uma falsa identidade. Porque uma identidade falsa poderia leva-lo a realizar uma missão que não é sua. O Messias é outro! Insistem, perguntando se ele seria Elias (o modelo do profeta), e, a esta pergunta responde imediatamente: “não sou”; indagam se seria O Profeta por excelência, o novo Moisés. E, pela terceira vez, responde seco: “Não”. Dando um basta na questão.
A identidade do ser humano é definida, antes de tudo, por aquilo que ele não é. Porque o orgulho pode levar a criar uma falsa identidade de si. E isso seria a ruína. Não somos menos do que as pessoas pensam, ou que desejam que fossemos.
As autoridades religiosas exigem uma resposta, pois precisam leva-la para Jerusalém. Questionam: “O que dizes de ti mesmo?” (v.22). Esta é uma pergunta que o leitor-ouvinte do evangelho deve voltar para si próprio. O que você diz de si mesmo? Que consciência possui do papel que você tem nos desígnios de Deus? Que sentido há em sua vida? O que você está a fazer neste mundo? Eis a importância de se tomar consciência de quem se é! O que dizes de ti mesmo? E, não o que os outros pensam ou dizem a seu respeito. Ser consciente de si, de quem se é e da missão a realizar, de modo a evitar equívocos, é a segunda atitude a assimilar.
O Batista responde e, então, declara sua identidade e missão: “Eu [sou] a voz que grita no deserto: 'Aplainai o caminho do Senhor'” (v.23). Interessante, pois ele não se apresenta como a Palavra, mas enquanto voz. Na história da interpretação deste texto, Agostinho (século IV, d.C) interpretou bem o versículo, distinguindo a voz da Palavra: aquela, apenas o som, que se coloca à serviço da Palavra. O som da voz deve desaparecer, porque se permanece somente ela, ao invés da Palavra, só poderá gerar confusão. É preciso que o som/voz desapareça, para que permaneça a Palavra.
Questionado pelos enviados das autoridades acerca de sua autoridade em batizar, uma vez que não é o Messias, nem Elias, muito menos o Profeta, o Batista completa a resposta acerca de sua missão: “Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias” (vv. 26-27). O batismo de João é completamente diferente do que será realizado pelo Messias. Ele tem o significado da tomada de consciência, necessária à mudança de vida. Tomada de consciência de que se vive ainda nas trevas que se necessita da luz.
Em seguida, ele esclarece qual é a sua posição
em relação àquele que deve vir da luz indicada por ele, e o faz com uma imagem
que seus ouvintes sabem muito bem, pois são especialistas nas leis. A imagem do
desatar as sandálias, ou “descalçamento”, que era previsto na lei do levirato.
Esta prescrição dizia respeito a sucessão do marido, em caso de morte, sem que houvesse
descendentes. O cunhado deveria desposar a viúva de seu irmão. Se este não
quisesse (por várias razões), deveria ceder o direito ao outro irmão. Como
forma de visibilizar isto, o substituto se apresentava às portas da cidade,
retirava a sandália do outro e a lançava longe, no intuito de mostrar que este
não foi capaz de cumprir o dever e, agora, outro o faria. O direito de ser
esposo daquela mulher passava a outro. O que o Batista pretende dizer com essa
imagem do levirato? Que ele não é o esposo a desposar a esposa. Esta é imagem
simbólica do povo de Deus. É como se o João dissesse: “Eu não tenho a dignidade
de desposar a Israel, porque não sou o messias-esposo. Sou apenas amigo dele,
que está em meio, e me alegro com sua presença. Eu sou aquele que deve fazer de
tudo para que este casamento entre eles seja fecundo. A terceira atitude: ser o
amigo do noivo, a apresenta-lo sempre à noiva, seu povo, hora ou outra distante
dele e infecunda.
Neste domingo, peçamos a graça de sermos testemunhas da luz. De crescermos no conhecimento de nós mesmos, a fim de realizarmos a nossa correta missão; de sabermos o nosso lugar dentro do projeto de Deus. E, por fim, romper com as trevas e deixarmo-nos iluminar pelo esposo que já está em nosso meio, e, que, só é possível vê-lo com os mesmos olhos do Batista.
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Santuário São Judas Tadeu,
Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.
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