A
liturgia deste quinto domingo da Quaresma, apresenta-nos o capítulo onze do
Evangelho segundo João, o qual relata para nós a reanimação de Lázaro. Esta
narrativa carrega consigo o último sinal realizado por Jesus no evangelho joanino.
O que nos faz recordar que ainda estamos ao interno do livro dos sinais (Jo 1,18
– 12,51), os quais preparam o leitor-discípulo para a Hora de Jesus, apresentada
no Livro da Glória (Jo 13 – 20), e tratam, através de seu sentido simbólico,
apontar e revelar a identidade de Jesus de Nazaré para que o discípulo possa
tomar a sua decisão – favorável ou contrária – ao Senhor.
O
substrato histórico da cena narrada são as vivificações que se encontram nos
gestos de Elias e Eliseu (cf. 1Rs 17,17-24; 2Rs 4,8-37), na pregação de Isaías
referente aos tempos messiânicos, no Antigo Testamento; as vivificações
narradas nos sinóticos, por exemplo, a reanimação do filho da viúva de Naim (Lc
7,11-17) e a reabilitação da filha de Jairo (Mc 5,22-43).
Uma
terceira constatação, a nível de contexto, refere-se ao fato de que esse relato
da reanimação de Lázaro foi inserido entre as ameaças de morte a Jesus por parte dos
dirigentes do povo e da religião oficial (que o evangelista chama de “os judeus”),
após o ensinamento o sinal realizados na piscina de Betesda (Jo 5), depois, por
ocasião da festa da dedicação do templo em Jo 10,38. E, seguida a realização
deste sinal, em Jo 11,46-54, quando as autoridades tramam descaradamente a morte
de Jesus. Surge, então, um dado interessante: na iminência da sua morte, Jesus
responde com o dom da vida.
Convém
recordar que, o sinal narrado não trata propriamente de uma ressurreição, mas
de uma “reanimação”, considerando que ressurreição é a passagem da morte para
uma vida definitiva e plena, graças à ressurreição de Cristo. O que João narra
é Jesus realizando a reanimação de um corpo que já se encontrava em estado de
decomposição, foi recuperado, mas que continuou corruptível. Jesus apenas
prolongou os dias de Lázaro com esse sinal extraordinário (CORNÉLIO, F, Homilia
dominical, in. porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Agora
podemos perscrutar o horizonte do texto e retirar dele sua mensagem central,
uma vez que não poderemos comentar versículo por versículo, dada a extensão do
relato. O autor sagrado situa-nos na cena. “Havia um doente, Lázaro, de
Betânia, povoado de Maria e de sua irmã Marta” (v. 1). O evangelista apresenta
Betânia, (lit. “casa da aflição”), como o espaço de uma comunidade cristã
ideal, onde a fraternidade, de fato, reinava. Essa fraternidade é evidenciada
pela apresentação que o evangelista faz de seus membros: Lázaro, Maria e Marta
são apresentados apenas como irmãos; não há maior e menor entre eles, tampouco
a figura paterna que, naquele tempo assegurava a unidade e a identidade ao
interno dos clãs; a figura patriarcal e a sua mentalidade encontram-se
superadas, não há hierarquia entre aqueles que a compõem. Era a comunidade ideal.
Ainda que apresentasse suas fragilidades, pois
o catequista bíblico diz que Betânia era um povoado, o que na conotação da
época era negativo, pois “povoado” era sinônimo de mentalidade fechada,
conservadorismo e resistência. Outro motivo, era a sua distância de Jerusalém, 3
quilômetros, o que gerava certa instabilidade, por que sua proximidade não é,
em essência geográfica tão somente, mas ideológica. Corria-se sempre o risco
de assimilar a mentalidade da capital Jerusalém. Esta comunidade fica ainda
mais fragilizada devido à falta que vêm a fazer um de seus membros, Lázaro, aquele
que era amigo de Jesus. Ou amado por Ele. O adjetivo “amado” faz alusão ao
discípulo amado: este, não é um personagem identificável, como muito se pensou,
chegando a identificá-lo com o próprio evangelista João, o que seria um equívoco. O discípulo amado é símbolo
para todo aquele que assumiu o propósito, a vida, a missão e a obra realizada
por Jesus como programa para sua vida. É, portanto, símbolo da comunidade que adere
a Jesus e seu projeto. Lázaro pode ser contado entre estes!
Damos
um salto para o v.4: onde Jesus, informado sobre a enfermidade de Lázaro,
responde que essa enfermidade é ocasião para a Glória de Deus, o que corresponde
a Jo 9,3, quando se refere, do mesmo modo, ao cego de nascença e sua
enfermidade. O catequista bíblico relembra para seus leitores-fiéis os milagres
de Moisés realizados diante do povo, no Livro do Êxodo. Estes são sinais da
manifestação da glória de Deus, de sua presença, porque a Glória (hbr. Kabod)
na bíblia, no AT, significa a presença substanciosa de Deus junto e no meio de
seu povo. A glória de Deus, nas Sagradas Escrituras, não pode ser
entendida no sentido de brilho, resplendor, algo que chame a atenção.
O que o evangelista quer ensinar para sua comunidade é o seguinte: em Jesus de Nazaré, Deus está presente. Sua vida, missão e obra, através dos sinais que aqui opera, revelam a manifestação da presença de Deus, agindo nele. O que Jesus realizará, para o bem dos discípulos (ocasião favorável), será um sinal que testifica Deus presente nele. Com razão ele afirma no v.15, "por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais”. A morte de Lazaro é para mostrar a glória de Deus aos discípulos. Retrocedendo um pouco, no v.11, Jesus diz que Lázaro está dormindo. Este jogo de palavra lembra a vivificação da Filha de Jairo. Dormir, na mentalidade e na língua hebraica alude à morte, como o grego traduz bem.
O que o evangelista quer ensinar para sua comunidade é o seguinte: em Jesus de Nazaré, Deus está presente. Sua vida, missão e obra, através dos sinais que aqui opera, revelam a manifestação da presença de Deus, agindo nele. O que Jesus realizará, para o bem dos discípulos (ocasião favorável), será um sinal que testifica Deus presente nele. Com razão ele afirma no v.15, "por causa de vós, alegro-me por não ter estado lá, para que creiais”. A morte de Lazaro é para mostrar a glória de Deus aos discípulos. Retrocedendo um pouco, no v.11, Jesus diz que Lázaro está dormindo. Este jogo de palavra lembra a vivificação da Filha de Jairo. Dormir, na mentalidade e na língua hebraica alude à morte, como o grego traduz bem.
Saltamos
mais alguns versículos, e no v.19, o evangelista informa que muitos judeus
(devido à proximidade de Jerusalém) tinham vindo para Betânia consolar Marta e
Maria. Podemos nos lembrar de Lucas, que no capítulo 10 mostra as duas personagens.
Marta é mais agitada do que Maria. Mais uma vez aqui, como no relato lucano,
ela é quem toma a atitude e vai encontrar Jesus que já estava às portas da
cidade. A morte era vista como causa de desespero e medo, e Jesus não era conivente
com essa mentalidade. Por isso, Ele prefere não entrar no povoado: Marta vai ao
encontro dele e, depois, também Maria, após ter sido chamada (vv. 20.28.30).
Jesus
fica fora do povoado porque somente saindo das antigas estruturas e mentalidade
é possível vivenciar o triunfo da vida: de fora do povoado, Jesus chama as
irmãs a saírem; Ele não entra e, tampouco as conduz tomando-as pela mão, mas dá a
liberdade de escolha; ao seu convite, as irmãs de Betânia e os cristãos de
todos os tempos podem responder positiva ou negativamente (CORNÉLIO, F, Homilia
dominical, in. porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
No
v.21, Marta, após ter colocado Jesus na parede por causa de sua ausência
durante a enfermidade de Lázaro, também faz uma profissão de Fé em Jesus, reconhecendo
que Ele pode administrar aquilo que Deus dá. E, através deste reconhecimento,
Marta, que é símbolo da comunidade abre espaço para um dom infinito que Deus
pode dar somente em Jesus. Mas, para isso, é necessário dar passos importantes, como renunciar a certas mentalidades ainda existentes.
Após
afirmar para Marta que Lázaro ressuscitará, a irmã do defunto expressa a
mentalidade da época presente no imaginário Judeu (v.24). Lembra o Livro de
Daniel, que se situa entre 167-164 a.C, o qual menciona, pela primeira vez, a
ressurreição nos últimos tempos. Pensamento este, presente na cabeça dos
fariseus. Ela fala como uma boa fariseia. Este versículo mostra uma abertura
progressiva da fé de Marta acerca da ressurreição que precisa ser ressignificada.
Então,
no v.25, Jesus afirma: 'Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo
que morra, viverá”. O Senhor e o evangelista usam uma fórmula de revelação, aludindo ao nome divino “Eu
Sou (YHWH)”. O evangelista João toca no tema da Escatologia presente, muito cara
aos seus escritos e à sua teologia. Ele pretende afirmar para a sua comunidade
que a ressurreição que se esperaria no fim dos tempos está aí, presente onde
Jesus está. Ele supera o não-morrer, supera a ideia de ressurreição do
Livro de Daniel. Supera a fé farisaica. Ele é a vida presente.
O v.26 continua “E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Esta interrogação pode ser entendida por meio daquela fusão de horizontes: a pergunta é destinada tanto à personagem Marta, bem como para a comunidade Joanina em crise de fé dos anos 90 d.C, como para o candidato à Fé em Cristo, que se prepara para receber o batismo, dado que o Quarto Evangelho é destinado aos iniciados e aos catecúmenos.
O v.26 continua “E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá jamais. Crês isto?” Esta interrogação pode ser entendida por meio daquela fusão de horizontes: a pergunta é destinada tanto à personagem Marta, bem como para a comunidade Joanina em crise de fé dos anos 90 d.C, como para o candidato à Fé em Cristo, que se prepara para receber o batismo, dado que o Quarto Evangelho é destinado aos iniciados e aos catecúmenos.
Contudo,
para os dois grupos “que creem, viverão, ainda que mortos estejam
fisicamente!” É claro que isso se refere à Lazaro primeiramente, e depois
estende-se aos demais. Mas a beleza deste tema da escatologia presente joanina
é tamanha que, aqueles que em vida biológica acreditaram e aderiram a Jesus,
tem a oportunidade de experimentar esta Vida qualitativamente distinta, no aqui
e no agora. Fazem a experiência de viverem já, no agora, uma vida sob cores e tons
de eternidade; dão um salto qualitativo para a vida eterna; e a fé é o que abre
espaço para este eon vindouro. Isso se faz presente através do dom que Deus faz
em Jesus.
Marta
faz, então, a sua profissão de fé, no v.26 como uma iniciada e catecúmena. Uma
perfeita profissão de Fé, por assim dizer. João concorda na fala de Marta os títulos
de sua cristologia, Cristo e Filho de Deus. Significa que Ela crê que Jesus
é o messias, vindo na qualidade de Filho de Deus.
Somos
convidados a dar mais um salto e nos dirigirmos aos vv.33-36, onde vemos um
Jesus que chora. João narra um acontecimento da vida e da história de Jesus,
que antecede qualquer formulação da cristologia do segundo milênio, a qual pintava
uma faceta apenas gloriosa de Jesus, enfatizando muito a sua onisciência. O Jesus
da cristologia dos evangelhos e, principalmente, do Quarto Evangelho é um homem
autêntico. É uma maneira de dizer que o choro de Jesus não é um rito funerário,
como era comum entre as irmãs dos defuntos, mas uma expressão do amor que tinha
aos três amigos. É a única vez que se menciona dessa maneira o ato de chorar da
parte de Jesus. Mas este estremecimento, na verdade, é um eco daquele
estremecimento profético, quando o projeto de Deus era rejeitado pelo povo e por
suas lideranças. Jesus, como os profetas do AT, rejeitados por causa do projeto de
Deus, estremece internamente devido à rejeição e à dúvida em relação à sua
identidade e missão.
Todavia,
se faz necessária mais uma observação semântica. As irmãs choravam (vv. 31.33). Há, no
entanto, uma distinção entre as duas maneiras de chorar, o que não se percebe
na tradução litúrgica. Em relação a Maria, o evangelista emprega um verbo que
significa chorar desesperadamente e com lamentos (em grego: κλαίω – klaío).
Para afirmar o “choro” de Jesus, o evangelista emprega um outro verbo, que
significa simplesmente “derramar lágrimas”, “lacrimejar” (em grego: δακρύω –
dakryo), e expressa uma reação natural, sem desespero. Portanto, enquanto
os demais, principalmente as irmãs, choravam desesperadamente, derretendo-se em
prantos e lamentações, Jesus apenas derramou lágrimas porque, para Ele, a morte
nunca é o fim (CORNÉLIO, F, Homilia dominical, in. porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Analisando
os vv.39-45, deparamo-nos com o desfecho da narrativa deste sinal. Jesus chega
ao lugar da sepultura de Lázaro e pede que retirem a pedra colocada na entrada.
A pedra representa tudo o que separa a vida da morte: o medo, a violência, a
opressão e tudo o que a Lei causava de mal no seio da comunidade dos discípulos. Para Jesus, a
antiga Lei era sinal de morte. No entanto, Marta objeta, dizendo que seu irmão
está sepultado há quatro dias, e que cheira mal, enfatizando qualquer
impossibilidade de vida.
Fazia
parte do imaginário judaico a crença de que até três dias após a morte, ainda
era possível que o defunto voltasse a viver, pois acreditava-se que o seu
espírito morto ainda vigiava o cadáver. A partir do quarto dia, começava a
decomposição e, portanto, o espírito ia embora. Realizando o sinal até o
terceiro dia, a “glória do Filho de Deus” não seria manifestada, pois os
presentes reconheceriam como algo natural, conforme a crença. A chegado após
quatro dias desbaratava tal crença e revelava a glória de Deus no Filho (CORNÉLIO,
F, Homilia dominical, in. porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Jesus
faz uma prece ao Pai, a qual é a expressão da comunicação e comunhão íntima e
profunda entre Eles. Então ordena, exclamando com voz forte: “Lázaro,
vem para fora!” (v.43). Lazaro (hbr. Eleazar, Deus Ajuda) é chamado
novamente à vida, mas ainda amarrado; inclusive seus amigos e parente devem
dar um jeito nisso, devem desamarrá-lo e deixá-lo ir. Esta ordem, de fato,
significa o convite final que Jesus faz para a liberdade. É necessário
“desatar” (v. 44) o ser humano de tudo o que o impede de caminhar livremente em
busca da vida plena e da dignidade.
Mas
o sinal aponta para uma realidade ulterior, como sabemos, e o discípulo não
pode parar na simples materialidade do sinal, que no caso é a reanimação de Lázaro,
que volta à vida ainda atado e com dificuldades (sua existência ainda é
caduca). Este sinal de Jesus alude para uma realidade muito profunda: Diferentemente
de Lázaro, Jesus ressuscita sem nada que o impeça, cordas ou faixas que lhe
dificultem. Bem como a sua ida à Betânia, e o sinal ali realizado tiveram, portanto,
um objetivo muito claro: libertar a comunidade da morte física, por um momento,
e principalmente, da doença e morte ideológica, da qual encontrava-se ameaçada. Mais ainda, no nível da catequese batismal, para a qual esta
narrativa também se ordena e orienta, a ordem de Jesus seria uma expressão do encaminhamento
que a comunidade deveria dar à pessoa chamada ao batismo.
Somos convidados, diante deste relato a
nos questionar sobre quem somos no horizonte do texto: Marta, a agitada que está
perdendo a Esperança, vivendo ainda sob o véu das antigas concepções? Ou somos
como Maria, que é símbolo do discípulo que crê e reconhece a importância do Senhor,
indo lhe ao encontro? Se temos reconhecido Jesus como a Ressurreição e a Vida presente
a nós, e, com isso acolhido o dom de Sua vida como oportunidade atualíssima de
viver aqui e agora sob as cores e os tons de uma vida ressuscitada?
Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de
Botucatu – SP.
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