sábado, 29 de maio de 2021

REFLEXÃO PARA A SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE – Mt 28,16-20:


 

A perícope que solenidade da Santíssima Trindade nos apresenta para a meditação é a conclusão do Evangelho segundo Mateus. Apenas uma advertência acerca deste texto. Para compreendê-lo, se faz necessário lançar um olhar para toda a catequese mateana. O Primeiro Evangelho tem por finalidade “fazer discípulos-missionários todos os povos”. Mas para que a pessoa possa vivenciar a missão recebida por Jesus, ao final do Evangelho, deverá percorrer o caminho do discipulado. E não poderá furtar-se ao fato de que este discipulado-missionário é perpassado pela dinâmica da Cruz. Ora, a narrativa da paixão, morte e ressurreição de Jesus, na perspectiva de Mateus funciona como um dos eixos centrais de seu evangelho. O discípulo só poderá assumir a missão depois de percorrer a vida de Jesus e tê-la como seu modelo.

No discurso (ensinamento) missionário de Jesus em Mt 10 – 11,1, o mestre termina suas palavras sobre a Missão sem enviar os discípulos. Ele mesmo sai em missão, e em seu seguimento vão os discípulos, para aprenderem com Ele. Os discípulos só serão enviados, quando forem constituídos apóstolos (sem esquecer a condição discipular), ao final do texto de Mt 28,16-20, depois de passarem pelas mesmas experiências que Senhor passou, inclusive a Cruz. Assim sendo, este capítulo final do evangelho mateano funciona como síntese de todo ensinamento de Jesus. 

Compreendida esta peculiaridade do Evangelho segundo Mateus, por assim dizer, somos mergulhados no horizonte do texto. O contexto amplo é o da experiência da comunidade dos discípulos com o Senhor Ressuscitado. O contexto imediato é o do discurso de envio: Jesus Ressuscitado envia os onze para realizar o que ele já havia feito. Não se trata de um discurso de despedida, porque Jesus não se vai, mas permanece com eles.

“Os onze discípulos foram para a Galiléia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado” (v.16). Os discípulos já não são Doze. O número dos discípulos não foi reconstituído. Doze, na simbologia do AT aludia ao antigo Israel, que durante a pregação e missão de Jesus é chamado a se tornar o novo povo de Deus. De fato, doze representava Israel visibilizado pelos discípulos de Jesus. Na atual configuração, onze, significa que o Novo Israel não foi reconstituído ainda e, portanto, a mensagem de Jesus se torna universal. Destina-se para toda a humanidade. O indicativo da Galileia, mencionada por três vezes somente neste relato pascal, representa a ruptura com Jerusalém. Jesus não se manifesta ressuscitado na cidade santa, no evangelho de Mateus, mas lá no lugar onde tudo começou. Uma oportunidade de releitura, ressignificação da vida e da história, e de retorno à experiência fontal com Deus, em Jesus.

Mateus informa aos seus leitores duas coisas importantes. Primeiro, o lugar onde os discípulos se encontram com Jesus: a montanha, na região da Galileia, que o Senhor mesmo lhes havia indicado. E é interessante que o evangelista usa o artigo definido “o” para indicar que não é qualquer lugar. Todavia,  Jesus não havia indicado nenhum monte. Por que Mateus faz isto? O significado não é topográfico, mas teológico. Trata-se de um lugar privilegiado para se fazer experiência com Deus.

No AT Deus se manifestara muitas vezes sobre a montanha. A Lei foi dada a Moisés na montanha do Sinai. O monte, neste evangelho, é o monte das bem-aventuranças, onde Jesus inaugurou sua mensagem de salvação. A versão mateana apresenta oito ditos de Jesus. O número oito é o número da ressurreição do Senhor: o primeiro dia da semana, depois do sábado, era, na verdade o oitavo dia, que na tradição das comunidades cristãs foi reinterpretado como o Primeiro dia, o dia da nova criação realizada por Deus através da obra de Jesus, que culmina na ressurreição.

O autor informa que os discípulos viram a Jesus Ressuscitado e se prostraram. O verbo ver não indica uma capacidade física e biológica, mas uma experiência que se dá desde a profundidade do coração do homem. Mateus relata, ainda, o gesto da prostração. Prostrar-se é sinal de adoração e de convicção na ressurreição e na divindade de Jesus. Aqui, o evangelista emprega o mesmo verbo (gr. προσκυνέω/proskinêo) que tinha usado para indicar a atitude dos magos quando visitaram Jesus recém-nascido em Belém (cf. Mt 2,2).

Jesus, então, lhes diz: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra”. Aqui, o evangelista faz eco a Daniel, que retrata a personagem “Filho do Homem”, o qual recebeu de Deus todo o poder, no céu e na terra. Mas o poder/autoridade que Jesus recebe não é para servir-se a si mesmo, e sim para colocar-se à serviço de todos. E ao interior da comunidade de Mateus, a autoridade é a de Jesus, e não mais a do legalismo da lei mosaica.

Jesus continua: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos”. O evangelista resgata o imperativo de “Ide”. É uma ordem, um mandato. Que se destina a todos os povos (lit. todas as nações, que alude aos pagãos). “Fazer discípulos”, significa transmitir a todos (sem exceção) o novo modo de viver e de relacionar-se com Deus, através do modo de vida de Jesus. “Batizar” significa imergir, mergulhar, ou seja, inserir as pessoas na vida, na realidade mesma de Deus, é o que significa “em nome do Pai, do Filho e do Espírito”. A palavra “Nome” indica a realidade mais profunda e a identidade do ser. Ou seja, fazer experimentar a realidade profunda de Deus e de quem é Deus.

“Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (v.19). Devemos entender que na cultura e língua hebraica não existe a palavra genitor (genitores, no plural). Existe somente pai e mãe. Há um pai que engendra (gera) uma vida no seio da sua mulher, a mãe, que por sua vez é responsável em dar a luz, a parir a criança. Portanto, a função de gerar a vida pertence, no ambiente cultural judaico, ao pai. E do Filho: o Filho é aquele que, acolhendo esta força (energia) geradora da vida do Pai, a coloca em prática plenamente. Por isso, o Filho é a realização plena do projeto do Pai. E do Espírito Santo: O Espírito Santo é aquela força que permite a toda criatura tornar-se filho de Deus. Este Espírito se chama santo não só por sua qualidade divina, mas por sua tarefa de Santificar. Quando o homem acolhe este Dom divino do Espírito do Pai e do Filho, ele, gradualmente, se torna liberto da esfera do mal e das trevas. O Senhor envia sua comunidade para que ela dê testemunho da experiência de ter sido mergulhada, imergida, entranhada (batizada) no íntimo da vida do Pai. As pessoas que se encontrarem e aderirem ao Evangelho de Jesus deverão fazer a experiência de imergir, mergulhar, entranhar-se em Deus mesmo, em seu Amor.

O evangelista pretende, com as últimas palavras de Jesus, “Estarei convosco todos os dias até que o tempo esteja pleno”, indicar uma qualidade da presença de Jesus, e não indicar um período cronológico ou determinado da presença. Jesus, na verdade, está assegurando à sua comunidade que se ela colocar em prática as bem-aventuranças, fazendo com que outros tenham igualmente acesso a elas e as pratiquem, fazendo experiência de Deus como fonte de vida e de Amor, Sua presença ao interno da comunidade será garantida. Mateus assume, novamente, o fio condutor de sua catequese, o tema do Emanuel, Deus-Conosco, realidade revelada por Jesus: através do dom de sua existência e missão, Deus está com a humanidade, caminha com ela. Deus está conosco.

Jesus envia os seus para irem, saírem, romperem com as mentalidades e as estruturas religiosas caducas, para fazerem discípulos Seus todos aqueles que optarem por viver o sentido existencial da Sua vida, inserindo-os – batizando, mergulhando-os – na vida mesma de Deus.

Em Jesus, não se procura mais a Deus, e sim O acolhe. Não há mais que caminhar até Deus, mas Nele e com Ele, em Jesus, dirigir-se à humanidade. O homem não vive mais para Deus, senão que em Deus mesmo. Esta é a implicação quando se confessa a Jesus como Emanuel, e é isso que Mateus visibiliza através de seu Evangelho.

 Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu – SP

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