sábado, 15 de maio de 2021

REFLEXÃO PARA A SOLENIDADE DA ASCENSÃO DO SENHOR - Mc 16,15-20:

 


O evangelista Marcos conclui seu evangelho com o anúncio da ressurreição de Jesus às mulheres, incumbindo-as da missão de comunicar aos onze, em Jerusalém, que se dirijam para a Galileia. O ressuscitado os encontraria lá. No entanto, amedrontadas, as mulheres fogem. E, abruptamente, Marcos interrompe a narrativa, pondo um ponto final em seu evangelho (Mc 16,1-8), o que chamamos de final original. Este final suscitou certo incômodo nas comunidades cristãs do primeiro século. Por isso, a Igreja, no século II acrescentou um segundo final ao primeiro evangelho, considerando-o como final canônico, oriundo da tradição eclesial das comunidades pós-pascais. Trata-se do texto de Mc 16,9-20. A solenidade da Ascensão, no entanto, serve-se dos versículos finais deste capítulo dezesseis, Mc 16,15-20.

No v.15, o evangelista recorda a ordem de Jesus: devem sair – andar – ir, e não ficarem parados e fechados num único lugar, a fim de proclamar a Boa Nova. Através deste mandato, Marcos recorda os primeiros capítulos de seu evangelho, a missão dada aos quatro primeiros: pescar homens. Devem ir aos homens e mulheres de seu tempo e retirar lhes das situações de morte e dar lhes vida (Mc 1,16-20). Iluminados pela Ressurreição/Ascensão de Jesus, os discípulos são convidados a ressignificar e reanimar a própria vida e a Missão recebidas. Mas em que consiste esta Boa Noticia? Consiste no Amor de Deus que atinge toda criatura.

Dos v.16-18, o Jesus de Marcos elenca os efeitos do anúncio da Boa Noticia naqueles que aderiram a ela. “Quem foi batizado será salvo. Quem não foi já está condenado”. Este dito do Senhor merece atenção e deve ser compreendido, de modo a evitar qualquer mentalidade exclusivista e excludente. Aquele que confronta sua consciência com a opção que Jesus representa, percebendo seu significado vital, e exprime essa sua consciência através do batismo já está salvo. Aquele que recusa e faz resistência a Jesus e seu modo de vida, se exclui da Salvação.

Em relação aos sinais que acompanham a vida do fiel, decorrentes da opção fundamental por Jesus e seu projeto, serão os mesmos realizados por Ele durante sua vida e ministério. Marcos elenca cinco: expulsar demônios; falar novas línguas; pegar em animais peçonhentos e beber venenos; impor as mãos sobre os enfermos para fazer lhes bem. Eles devem ser compreendidos bem, e dentro do horizonte do texto.

1) Expulsar demônios consiste na atitude de libertar as pessoas de todas as forças e ideologias funestas, ou sistemas, anti-projetos e situações que impedem a acolhida do Reino de Deus, em Jesus. Para fazer a experiência com Deus, em Jesus, se faz necessária a plena liberdade. E não se trata, aqui, de exorcismos rituais (e aqui não posso entrar no mérito desta questão, deixo para um artigo que estou escrevendo). Com efeito, “expulsar demônios”, de acordo com o horizonte do texto, significa eliminar o mal do mundo e comprometer-se com o Bem. Aquele que aderiu, real e profundamente, ao Evangelho elimina o mal de sua vida, e da vida de seu próximo. O amor é o antidoto frente ao mal.

Em relação ao 2) “falar novas línguas”, este sinal aponta, na verdade, para realidade da salvação e missão universal, onde o Evangelho encontra-se com a cultura, com a realidade, com homem concreto de todos os tempos e lugares. Uma boa noticia que não exclui, antes, inclui. Para bem compreender estes sinais importa recordar que eles não são dons extraordinários com os quais Jesus dota os discípulos, mas são símbolos de um compromisso: gerar e transformar vidas.

Ninguém deverá ser inconsequente ao manusear 3) animais selvagens e peçonhentos, tampouco beber, como tira-gosto, algum tipo de veneno (4). Serpente e veneno simbolizam, no horizonte cultural da época, tudo o que pode causar mal e ferir. O discípulo que aderiu ao projeto de Jesus deverá ser aquele que se compromete em transformar situações de morte e de perigo em situações e condições de vida.

5) Impor as mãos sobre enfermos para fazer lhes bem: é interessante que o evangelista não use, no original em grego, o verbo “curar (Therapéuo)”, mas a expressão “fazer bem (gr. καλῶς ἕξουσιν / kalós éxousin)”, porque o gesto de impor as mãos, não necessariamente garante a cura. Ora, Jesus não curou a todos! Mas trata-se de um gesto de solidariedade, porque o enfermo, no tempo e na sociedade de Jesus era tido como pecador público. A enfermidade era concebida como fruto de um pecado cometido pela pessoa ou por seus antepassados. Quando Jesus realiza um gesto terapêutico, mais do que a cura física, ele restaura a dignidade da pessoa, reinserindo-a na vida social, novamente. Impor as mãos para fazer-lhes o bem, significa, portanto, a capacidade que o discípulo e a comunidade possuem de se solidarizar, reintegrar e gerar vida.

Depois de comunicar lhes a missão, Jesus foi elevado aos Céus. É necessário compreender a cosmologia da época, isto é, a concepção de universo, espaço e tempo do povo da bíblia. O céu é o lugar da habitação de Deus. É âmbito divino e expressa a condição divina.  “E sentou-se à direita de Deus”. Jesus dissera aos discípulos que veriam o Filho do Homem sentado a direita do Poder. Sentar-se à direita acena para uma posição de honra muito cara às monarquias vizinhas ao povo de Israel, o qual assimilou esta imagem em sua cultura e sua religiosidade.

Aplicando essa imagem a Jesus, o evangelista pretende afirmar que Ele cumpriu plenamente a missão de revelar a face misericordiosa do Pai. Por ter sido fiel a essa missão, isso foi levado em conta pelo Pai, que o enalteceu, ao entronizá-lo a sua direita. Ação de elevar o Filho é realizada pelo Pai, assim como a ressurreição. A sua elevação não é outra coisa que retornar ao âmbito do divino. Desse modo, Marcos visa responder aos assassinos de Jesus: aquele homem que havia sido condenado como blasfemo, e morto por eles, agora está à Direita de Deus. Porque Ele mesmo assim o quis. É uma maneira que o evangelista encontra para dizer que o Crucificado pertence, agora, ao âmbito da Divindade.

Mas esta elevação-ascensão de Jesus não é uma separação ou um distanciamento do mundo e dos homens. O mistério deste acontecimento pretende mostrar que Ele leva com sigo a nossa humanidade, porque a fez sua, elevando e glorificando a Carne e a Natureza humana. E, mais ainda, desde a plenitude de sua divindade colabora com a atividade dos seus, como se lê no versículo seguinte: “Os discípulos então saíram e pregaram por toda parte. O Senhor os ajudava e confirmava sua palavra por meio dos sinais que a acompanhavam” (v.20). Subiu aos céus, mas permanece com eles, tornando esta presença ainda mais intensa, e com maior proximidade.

A ascensão do Senhor marca a plenitude (ou a consumação) da ressurreição. O ressuscitado penetra o mundo do Pai, conferindo a sua comunidade a continuidade de Sua missão, proclamando a Boa Nova a toda a criação.

1) A missão de Jesus é confiada, por ele, a toda sua comunidade. Temos tomado parte desta missão, recebida desde o nosso batismo? 2) Com que espírito (ou mentalidade, como preferir) abraçamos e desempenhamos a missão: com a mentalidade de super-heróis, ou com a consciência de nossos limites e fragilidades? É com elas que o Senhor também quer contar. 3) Temos a consciência de que o conteúdo desta missão, o Evangelho de Jesus (que é Ele mesmo) destina-se a todos, sem distinção e exclusão, ou ainda reina em nossas práticas e convicções aquelas mentalidades exclusivistas e excludentes, as quais impedem com que as pessoas tenham acesso à Jesus de Nazaré e à sua Boa Notícia.

É missão de todos nós!

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.


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