A liturgia propõe para a leitura e meditação
neste quinto domingo da páscoa, o
capítulo quinze do Evangelho segundo João. O contexto próximo, no qual
se situa o capítulo é o do Livro da Glória, a segunda parte do Quarto Evangelho,
na qual o catequista bíblico apresentará definitivamente a Hora da Glória de
Deus que será revelada em Jesus. O contexto imediato em que estes oito
versículos se encontram é o do bloco narrativo que compreende o Testamento de
Jesus (Jo 14 – 16), que se conclui com a prece “sacerdotal”, em Jo 17.
O testamento – discurso de despedida – de Jesus é bloco literário de João, através do qual o evangelista concatena e faz memória do ensinamento do Senhor destinado aos discípulos que com ele se põem à mesa. Trata-se de um conjunto importante de ensinamentos que Jesus deixa aos seus sob forma de testamento. O testamento representa aquele conjunto de bens importantes que se deixa para alguém muito amado. Por isso, esta seção literária reúne dois discursos (ensinamentos / catequeses) de Jesus acerca do amor cristão. É importantíssimo recordar o seguinte, este ensinamento, ao interno da catequese joanina, se dá ao redor da mesa, a qual é lugar de partilha, comunhão de vida e de intimidade entre as pessoas e da sociedade daquele tempo. O ponto de partida é a alegoria da videira (vv. 1-8), o texto proposto para a liturgia dominical.
No v.1, Jesus retoma o ensinamento aos discípulos com uma solene declaração: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor”. O evangelista recolhe uma vez mais a formula de revelação do nome divino “Eu sou” (gr. Ἐγώ εἰμι). Com essa proclamação, ele pretende fazer memória para a comunidade que Deus está plena e substancialmente presente em Jesus, em suas obras e palavras. Ele se declara como a videira verdadeira. O Jesus joanino retoma uma imagem-símbolo presente na tradição de Israel, a videira. A vinha e a videira são símbolos para o povo, no AT. Todavia, ele se declara como a verdadeira. Por si mesma, a imagem evoca vida, seiva, fruto.
O termo “verdadeira” sugere contraposição a outra, que não é verdadeira. Já no profeta Isaías, o povo de Israel é comparado a uma videira que não produz o esperado fruto de amor e justiça (Is 5,1-7). Em Marcos, Jesus critica os líderes do povo por quererem guardar para si o fruto e a vinha (Mc 12,1-9). Agora ele apresenta a si mesmo, juntamente com os fiéis como a verdadeira videira que produz fruto quando estão unidos a ela.
Por se tratar de uma alegoria, Jesus mesmo explica os símbolos. Ele é o tronco, os ramos são os fiéis, o Pai é o agricultor que espera frutos da vinha. O fruto é, na lógica do Jesus eclesial, o amor fraterno (Jo 15,1-12). E o modelo deste amor é ele mesmo, dando sua vida por aqueles aos quais ele dá seu amor (15,13). A videira verdadeira é a comunidade unida em Cristo e fecunda, nele, no amor e na comunhão fraterna.
Nos versículos de 2-3, Jesus expõe a realidade dos que, ligados a Ele, produzem fruto e dos que não os produzem. O galho que não produz e cortado. Já o ramo produtivo é purificado pelo agricultor, imagem do Pai, através da palavra de Jesus. A limpeza é feita pela palavra que Jesus pronuncia (>com. 13,10). Quem adere a ela fica mais unido a Jesus e mais produtivo em termos daquilo que Deus espera. A palavra de Jesus é a palavra da escritura mesma relida a reinterpretada por Ele através do seu modo de viver. Aquele que assimila sua palavra – seu modo de viver e ser – encontra-se intimamente unido à Ele. Logo, produz o mesmo fruto de amor que Ele produz. Mas para isso é necessário um dinamismo importante. Permanecer!
“Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim” (v.4). O verbo “permanecer” no evangelho joanino é muito importante. Por isso, ele será recorrente até o final do discurso (cf. v.5.6.7). Jesus fala da consequência de quem permanece Nele e na de quem não permanece. João usa 7 vezes o verbo “permanecer” (gr. μένein,/ménein) para exprimir a união entre o tronco e os ramos, ou seja, entre Jesus e os fiéis, mas também em relação ao Pai. O sentido é o da imanência, a mútua inabitação de Deus (ou Jesus, ou o Paráclito) nos seus e deles em Deus.
Da parte de Deus, através de Jesus, trata-se de presença salvífica, como a Morada (hbr. shekiná) de Deus no meio do povo (a Tenda no deserto, o Templo em Jerusalém); e, na medida em que o discípulo abre espaço para a Sua presença em meio, também ele “permanece” no âmbito de Deus. Da parte dos fiéis, esse permanecer significava concretamente o continuar na profissão de fé em Jesus e na comunhão do amor fraterno. Por isso esse convite também deve ser lido no horizonte da comunidade joanina – e das gerações futuras. No fim do primeiro século, sob a pressão da concorrência e das perseguições, a comunidade corre o perigo de cair na apostasia e desistir da fé. Há gente na comunidade que gostaria de abandonar a profissão de fé em Jesus (cf. 1Jo 2,19-24; 4,1-3; 2Jo 7). Esses não têm mais ligação com o tronco; devem ser cortados fora.
O versículo oitavo encerra de modo sugestivo a alegoria da videira. “Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos”. Deus é glorificado quando o agir do discípulo corresponde ao agir do Filho. O agir de Jesus consiste na comunicação da vida mesma do Pai para o mundo. O agir do discípulo deverá ser a mesma comunicação de vida e de amor do Senhor através da própria existência.
Se desejamos saber se Cristo está em nós, cabe verificar se suas palavras – vida e obra – desempenham um papel efetivo e afetivo em nossa vida e na vida do próximo. Deus deseja ver-nos produzir muito fruto – o amor fraterno – através do qual visibilizamos e testemunhamos ser verdadeiros discípulos do filho.
Quem somos a partir deste texto? Temos permanecido
em Jesus? Que frutos temos produzido e apresentado à Deus?
Pe. João Paulo Sillio.
Pároco do Santuário São Judas Tadeu, Avaré
/ Arquidiocese de Botucatu-SP.
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