sábado, 23 de janeiro de 2021

HOMILIA PARA O III DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mc 1,14-20:

 


O evangelho proposto para este terceiro domingo do tempo comum situa-se em Mc 1,14-20. O evangelista informa o leitor-ouvinte acerca do começo da missão de Jesus. Ela delimita-se a partir de um marco, a prisão do Batista. O evangelista situa o leitor no espaço geográfico: a atividade de Jesus inicia-se na Galiléia. Terra de ninguém. Mal vista pelos judeus do sul. Marcos coloca ali o início da missão de Jesus.

O conteúdo desta missão é bem explicitado pelo próprio Jesus: “Jesus foi para a Galiléia, pregando o Evangelho de Deus e dizendo: O tempo já se completou e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho!” (v.14-15). É uma boa-notícia que se inaugura através da vida de Jesus, que, do mesmo modo, trata-se da Deus mesmo atuando na história através da vida e das ações de Jesus. Este é um tempo novo e, ao mesmo tempo, pleno. Ela consiste no fato de que Deus é totalmente diverso daquilo fora ensinado e pregado pelos antigos. O Deus de Jesus é um Deus completamente novo – conforme se desvelará ao longo do evangelho – porque apresenta um amor incondicional e que não leva em conta os méritos do homem, mas tão somente as suas necessidades. Por isso, Marcos define o tempo em quem esta boa-noticia chega não como tempo cronológico que se acabada, mas como tempo definitivo e plano, Kairós (gr. καιρὸς). O conteúdo desta boa notícia (Evangelho), neste tempo oportuno (Kairós) consiste no seguinte: “o Reino de Deus está próximo”. Literalmente, “se aproximou”, “chegou”.

Na teologia e exegese bíblica atuais, o conceito bíblico de Reino de Deus não pode ser resumido tão somente a um espaço. O conceito de Reino de Deus – ou Reinado – consiste na atuação de Deus; o seu Senhorio agindo na história através de seu enviado. Por isso, o Reino de Deus é uma pessoa que revela o agir e o querer de Deus mesmo na realidade, Jesus. Este é o conteúdo do anúncio feito por ele através do dom de sua vida e missão. Mas é sempre importante ter em mente o seguinte: por mais que o Reino seja o Reinado – o senhorio – de Deus, sua ação através de Jesus, existe uma ética, um agir e ser que são frutos da adesão que cada homem e mulher fazem em relação ao projeto de Deus revelado por Jesus. Este agir e ser – ethos – que brota da opção por Jesus torna-se a visibilização concreta e histórica do mesmo agir de Deus, e, portanto, seu Reino. Sempre vivo, atuante e, constantemente, edificado nesta história, ainda que não encontre aqui o seu fim e sua plenitude.

O Reino anunciado por Jesus, que é projeto do Pai, é a Sua própria atuação na história e que encontra sua concretude na vida de todo aquele que adere a Jesus e o tem como modelo para sua vida. A este agir e ser, o evangelista define como Conversão, explicitado pelo convite a todo aquele que decidiu-se por Jesus: conversão; “convertei-vos”. O autor usa aqui o verbo metânoeho (gr. μετανοέω). Que não é uma mudança de rumo ou de direção. Tampouco é a conversão da qual falava o Batista, aquela religiosa e institucional. Trata-se de uma mudança de mentalidade. É uma atitude que brota da interioridade humana, que passa a delimitar o agir da pessoa. É o convite a viver a vida segundo a mentalidade, as opções e as escolhas inerentes ao projeto de Deus que vai se desvelando segundo a vida e a missão de Jesus. Este anúncio proclamado pelo pregador galileu evoca uma radical transformação. Para crer nesta boa-nova é preciso uma conversão, uma transformação de atitude e mente. Deus exerce seu senhorio (Reinado), não através de leis exteriores aos homens, mas comunicando a estes Sua mesma capacidade de amar, de colocar-se ao lado dos pequenos, dos excluídos; se abaixar para servir o outro. É um Reino onde compartilha para se viver plenamente!

O evangelista Marcos situa Jesus às margens do Mar da Galileia. Na teologia de Marcos, o Mar da Galileia remonta a outro mar: aquele, através do qual o povo, no Êxodo, atravessou para se ver livre da vida da escravidão. Para o autor, Jesus é aquele que inaugurará o novo Êxodo para a humanidade que aderiu ao projeto de Deus manifestado em seu Cristo. O mar é símbolo das forças opostas ao querer e ao projeto de Deus. Ao colocar Jesus nas margens do mar da Galileia, o catequista bíblico pretende ensinar para a sua comunidade que com Jesus, o discípulo deverá refazer sempre sua caminhada, optando pelo projeto de vida plena, atravessando o mar como o povo fez nas aventuras exodais. Mas será sempre nas margens que, aquele que aderiu ao projeto de Jesus e do Pai, deverá andar e se permitir encontrar, a fim de encontrar os que foram marginalizados. A opção do discípulo deverá ser semelhante à do mestre.  

Nas margens, Jesus encontra os pescadores. Símbolos de uma realidade e sociedade que promove marginalização. Também eles se encontram nesta situação. Mas é com estes que Jesus quer contar como colaboradores. Primeiro, Simão e seu irmão André. Estavam lançando as redes. A estes, Jesus diz: “Segui-me e eu farei de vós pescadores de homens”. Qual o significado do convite de Jesus? Dissemos que o Reino anunciado por Jesus é um reino de vida plena, que se coloca sempre a serviço e ao lado dos que estão sem vida e encontram-se marginalizados, onde não há espaço para pensar em si mesmo e nos próximos benefícios. O que fazem os pescadores? Ao pescarem, primeiramente pensam em suas próprias necessidades. “Pescar homens” significa retirar o ser humano das condições e das situações que representam a não-vida, pois o mar, como dissemos acima, é símbolo para as forças hostis e de morte. É a capacidade de desenvolver a missão de gerar vida aos outros, não mais pensando em seus próprios interesses, mas visando a salvação do irmão. É a reorientação da própria vida: “vir após mim” significa renunciar aos próprios interesses e abrir-se a capacidade de retirar para fora as pessoas que estão presas em sistemas de morte, a fim de recobrar a própria plenitude de vida.

Os versículos finais introduzem mais duas personagens: os filhos de Zebedeu, Tiago e João. O narrador nos informa que eles estão consertando as redes em companhia de seu pai. Jesus passa por eles, faz-lhes o convite e, imediatamente, deixando tudo, colocam-se no seguimento a Jesus. É interessante que este convite fica oculto. O evangelista não dá a conhecer ao leitor o que teria dito o Cristo para os dois irmãos. O que leva o leitor à seguinte mensagem: a uns o Senhor chama para pescar; a outros, para consertar (tecer) as redes, ou seja, há uma multiplicidade de dons a serem realizados, mas um só é o chamado. Ao seguimento, ao discipulado a Jesus, a capacidade de descentrar-se de si para colocar-se em relação aos outros, cooperando na promoção do dinamismo libertador e de vida que Reinado de Deus propõe.

O anúncio do Reino é uma proclamação de vida para todos. Como venho cooperando com chamado que o Senhor dirige a mim? Como tenho respondido ao convite para o Discipulado ao Senhor do Reino? Como nossas comunidades vêm se comportando diante do chamado do a serem pescadores de homens e consertadoras de rede? Deus, em Jesus, chamou-nos a todos. Basta-nos a coragem para descobrirmos em quê podemos ser pescadores de homens; como podemos gerar vida para aqueles que se encontram sem vida, nas margens da história e da realidade, na beira do caminho.

Pe. João Paulo Sillio

Paróquia Sagrada Família / Arquidiocese de Botucatu-SP.

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