O evangelho para este vigésimo sétimo
domingo do tempo comum prossegue com a leitura e meditação do capítulo 21 do
evangelho de Mateus. Jesus está já em Jerusalém. Seguem-se confrontos e
controvérsias entre ele as autoridades do povo. Na cena anterior, contou uma
parábola de dois filhos que apresentavam condutas distintas no falar e no agir
(Mt 21,28-32), aplicando-a aos anciãos e aos sumos sacerdotes. Os versículos
propostos hoje, Mt 21,33-43, seguem direcionando a fala do Senhor às mesmas
personagens.
Jesus conta aos anciãos e aos sacerdotes mais uma parábola: a dos vinhateiros homicidas. Qual a intenção desta parábola? Pode-se elencar 3: a) denunciar a atitude de recusa dos chefes religiosos em relação a Jesus e ao seu ensinamento, no âmbito do tempo da narrativa; b) chamar a atenção dos discípulos para não caírem na atitude dos chefes religiosos do tempo de Jesus; c) provocar o leitor-discípulo do evangelho em relação aos frutos que ele e a comunidade devem apresentar.
Mateus se serve de um texto do AT, situado em Is,5,1-7, o cântico da vinha, onde o profeta Isaias relata a história de uma vinha plantada por seu amigo, que não produziu uvas boas, senão frutos amargos. A imagem da vinha é apresentada novamente. Ela simboliza, como já sabemos, o próprio povo de Israel e sua história de altos e baixos, perpassada história da salvação. O evangelista realiza um midrash, reinterpretando os textos antigos da fé do povo de Israel, aplicando-o para a realidade e para a vida de sua comunidade, a fim de confirmar a identidade de Jesus de Nazaré como Messias. A própria parábola deixa isso muito evidente. Jesus faz, através dela, um resumo e recapitulação de toda a história salvífica de Israel.
Há duas perspectivas de leitura e interpretação. Ler a parábola a partir de Jesus, isto é, cristológico: ler, reinterpretar e aplicar a parábola à Sua própria vida e missão, através de sua práxis reconhece-lo como enviado de Deus; e a perspectiva eclesial (comunitária, eclesiológica), que aplica o texto para a situação da vida da comunidade, a Igreja, o Novo Israel: produzir frutos de Justiça. Isto posto, pode-se meditar o texto.
Dos vv. 33-39, Jesus descreve a ação de um proprietário de terra que planta uma vinha, prepara-lhe tudo para a sua subsistência, e, partindo para o estrangeiro, decide-se arrenda-la à terceiros. Chegada a época da colheita, enviou seus empregados para recolher os frutos e os lucros. Estes foram desrespeitados pelos vinhateiros, os quais agiram com violência, espancando um, matando outro e apedrejando o terceiro. Mais uma vez o dono envia outros empregados, que são tratados da mesma forma. O terceiro enviado foi o filho do dono. Nada de novo! Ao filho agarraram, levaram para fora da vinha e o mataram. Jesus conclui com uma pergunta aos ouvintes destinatários da parábola: “Pois bem, quando o dono da vinha voltar, o que fará com esses vinhateiros?” (v.40). Com essa pergunta, Jesus utiliza-se da técnica antiga de envolver os leitores, a fim de se identificarem com as personagens de forma a se comprometerem com a resposta que derem.
A quem simbolizam estas personagens? O dono da vinha é o próprio Deus, os vinhateiros homicidas simbolizam os líderes religiosos, os anciãos (fariseus e escribas) e sacerdotes. Os empregados enviados são imagens dos profetas de Israel, enviados muitas vezes ao povo. O filho do dono da vinha é Jesus.
A interpretação da parábola em chave
cristológica se dá assim: o terceiro enviado, o filho do dono é Jesus, que denúncia
a atitude das lideranças do povo que se fecharam em relação à sua pessoa,
rejeitando-o. A recusa chegará ao radicalismo da eliminação da vida Mestre. O
levarão para morrer porque não suportam a forma que ele vive; não toleram a sua
Justiça, ou seja, sua vida colocada em relação ao projeto e ao querer do Deus
que chama de Pai; não aguentam a fidelidade radical de Jesus à Palavra de Deus,
que desmantela e revela a infidelidade deles. O evangelista descreve a história
da fidelidade e da infidelidade do povo e das lideranças ao longo da história. E
ao interno desta história está a de Jesus.
Na parábola (// com Is 5,1) são diversos os servos que são mandados. A referência aos profetas do AT não podia ser mais clara. Nesse sentido, Jesus tem seu lugar na longa série daqueles que Deus enviou a seu povo. Até a recusa feita pelos judeus tem atrás de si uma longa história de infelicidade como a dos profetas. Assim como eles, Jesus também será perseguido e morto. Mas Jesus não é um dos profetas, e sim o Filho de Deus enviado ao mundo. E a sua missão consiste em revelar o gesto salvífico extremo do Pai. Tê-lo rejeitado e levado à morte será o gravíssimo pecado dos chefes de Israel. Neste sentido, a parábola é lida em chave de compreensão para a vida e missão de Jesus.
Agora, emerge a perspectiva eclesial da parábola, a partir do v.43, “Por isso eu vos digo: o Reino de Deus vos será tirado e será entregue a um povo que produzirá frutos”. Devido à recusa, rejeição e a trama homicida em relação à Jesus, na perspectiva das primeiras comunidades cristãs, especialmente a de Mateus, o antigo Israel dá lugar à comunidade cristã. Um novo povo nasce a partir do antigo. Este é um tema muito apreciado pelo o evangelista: o verdadeiro Israel. O primeiro, com a sua obstinada incredulidade e rejeição a Jesus, negou os frutos de fidelidade que Deus esperava deles. É precisamente esta passagem o ponto crucial da interpretação de Mateus.
As duas perspectivas, cristológica e eclesiológica, complementam e iluminam-se. A primeira ajuda o discípulo-leitor do evangelho a reconhecer no mistério da vida, missão, e morte trágica (e tramada) de Jesus, o sentido de uma vida e existência segundo o querer e o projeto de Deus, e, logo, salvífica. E, que, por outra parte, ilumina a compreensão da comunidade em relação à sua vocação e missão: produzir os frutos que o antigo povo não produziu. E a não reproduzir a história antiga, tampouco as condutas e atitudes dos antigos líderes do povo frente ao projeto de Deus em Jesus.
O exemplo das lideranças judaicas infiéis é colocado diante dos olhos do discípulo e da comunidade do Reino como advertência. A graça salvífica que se revelou na comunidade é exigente: ser o novo povo de Deus, produzindo frutos de fidelidade, de justiça, de amor, de bondade, de misericórdia e de vida. O texto incide na vida. Com quais personagens nos identificamos? Que frutos temos produzidos? Não sejamos como os vinhateiros homicidas.
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese
de Botucatu-SP.
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