domingo, 29 de outubro de 2023

XXX DOMINGO DO TEMPO COMUM – Mt 22,34-40:

 


O evangelho deste trigésimo domingo do tempo comum continua a leitura do capítulo 22 do evangelho de Mateus, o qual apresenta o último conflito entre Jesus e as lideranças do povo. Devemos sempre situar a cena em seu contexto. Ela é ambientada em Jerusalém. Lugar importante, porque ali acirra-se a resistência, a recusa e a rivalidade por parte dos chefes do povo. No templo, Jesus tratou desmascarar as ações dos sacerdotes e anciãos, acusando-os de ladrões e assassinos. Ladrões, porque roubavam o lugar de Deus, e assassinos, porque o faziam pela força, oprimindo o povo simples. Diante destas denúncias que Jesus faz, as autoridades tratam de deslegitima-lo diante dos seus seguidores.

O texto continua, informando que “Os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus” (v.34). O que, de fato, aconteceu? Se faz importante recuperar os versículos anteriores. Jesus, depois de censurar a hipocrisia religiosa dos fariseus e dos partidário de Herodes no tocante do imposto, foi enredado pelos saduceus (sacerdotes) numa questão “doutrinal”, a ressurreição dos mortos, que estes mesmos líderes não acreditavam. Diante da resposta que o Senhor dá, que na eternidade de Deus, não há preocupações, mas apenas a vida plena, os saduceus se calam. Os fariseus, tendo conhecimento do fato, “reuniram-se em grupo” para novamente testarem a Jesus. Aqui, como no texto do evangelho do domingo passado, o autor do evangelho utiliza o mesmo verbo para expressar a maldade do coração dos chefes: “tentar” o mestre.

Mateus utiliza o verbo “tentar” (gr. πειράζων / peiráson), que já apareceu no capítulo 4, na narrativa das tentações no deserto, empregado na ação de Satanás. Este verbo segue sendo utilizado pelo evangelista para ilustrar as ações dos fariseus, escribas, saduceus frente a Jesus. Ora, o que evangelista está querendo insinuar para a sua comunidade é que as lideranças religiosas do povo, ao invés de serem instrumentos de Deus, estavam a serviço do opositor, o Diabo, aquele que gera a divisão. Enquanto o Deus de Jesus é amor que se coloca à serviço, o deus deles é o poder que deseja dominar. Aquele que está filhado ao poder age conforme Satanás. 

Eis a tentação: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” (v.36). Novamente o título de mestre aparece na boca daqueles que se posicionam hostis a Jesus. Atenção: a pergunta não está colocada com a intenção de aprender através da resposta um ensinamento importante, mas é feita na intenção de condenar o Senhor pela resposta que der. Ora, eles sabem qual é o maior mandamento da lei de Moisés: é o mandamento do repouso sabático; a prescrição para guardar o Sábado. A observância deste único mandamento correspondia ao cumprimento de toda a lei. Sua transgressão equivalia à transgressão de todos os outros mandamentos. Para isso estava prevista a pena de morte. Mas por que interrogam a Jesus sobre isso? Evidentemente porque Ele já havia atuado em dia de Sábado, em favor da gente simples e sofredora.

Jesus responde à pergunta-armadilha sem citar os mandamentos. “Jesus respondeu: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” (v.37). Ele responde com a profissão de fé religiosa do povo de Israel, contida em Dt 6,4, o Shemá (Escuta, ó, Israel), ainda que venha a omitir o verbo “escutar”, ao contrário de Marcos, que o explicita. Interessante é a mudança (ou releitura) que o próprio Jesus faz do Shemá. No texto contido em Dt, não aparece a palavra entendimento/mente, mas a palavra “força”. Ora, na compreensão e na experiência de Deus que Jesus faz e transmite através de sua vida, o Deus de Israel não é aquele que se alimenta e consome-se da força vital do ser humano, do homem de fé; mas é aquele que dá a vida, que promove o nutrimento do homem. O Deus de Jesus não é um deus que pede, mas que dá, oferece-se e propõe-se em gratuidade.

Jesus acrescenta que este é o maior de todos os mandamentos. Mas este não é um mandamento. Ele, então, o eleva à condição de mandamento. Na perspectiva de Mateus, Jesus atua na ruptura, continuidade e superação da história de seu povo. Imediatamente, acrescenta: “O segundo é semelhante a esse: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (v.38). Ele toma a prescrição de Levítico relacionado ao amor ao próximo. Para Ele, não há relação de amor com Deus que não passe pela relação humana e fraterna com o próximo, com o outro. Interessante: à Deus, com o todo de “ti mesmo” e ao próximo como ti mesmo.

Na lista formal e oficial das seiscentas e treze prescrições, elaboradas por Maimonedes, o mandamento “amarás o teu próximo como a si mesmo”, ocupava o ducentésimo sexto (206º) lugar. Antes deste, portanto, vinham duzentos e cinco mandamentos. Jesus o desloca de lugar, colocando-o em segundo, e igual ao primeiro. Ora, recordemos que toda a cena deste confronto acontece ao interno do Templo de Jerusalém, quando todos estão ali para cumprir o Primeiro mandamento; quando todos estão lá para olhar para Deus e amá-lo. Daquele lugar, Jesus se lembra do próximo. Não há como amar à Deus sem que se ame o próximo. Toda a Lei e os Profetas se sustentam nestes dois mandamentos.

Não são dois mandamentos a mais, de uma lista maior. Não. Eles são os sustentáculos de toda a Escritura viva que norteia a vida do homem. Jesus já havia dito isso no Sermão da Montanha, quando disse “faça aos outros aquilo que os outros façam a você”, e acrescentou que toda a Lei e os Profetas, dependem disso. Nenhum poderoso tem um poder tamanho que possa dizer “você tem que me amar”. Não se obriga ninguém a amar. Todavia, no momento que Deus diz que o primeiro e o segundo mandamento enquadram-se no amor, Ele está renunciando a ser amado. Consequentemente, a única atitude que ele tomará será a de nos amar por primeiro. O evangelista, com esta reinterpretação feita por Jesus, que recupera para a sua comunidade quer dizer: “com o todo de ti, tu amas a Deus; como a ti mesmo, tu amas o teu irmão”. Este é o templo e o culto que agradam a Deus.

Jesus conclui sua resposta, dizendo: “Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos” (v.40). Lei e Profetas são a síntese das escrituras sagradas de Israel. Jesus, ao elevar à condição de mandamento o amor à Deus e ao irmão, está dizendo que toda a Sagrada Escritura (Lei e Profecia) se alicerça nesta ordem relacional, neste modo de ser e de existir a partir do horizonte de Deus, encarnado na história, através do amor para com o próximo.

Jesus sai vencedor da armadilha, ao proclamar uma nova realidade nas relações entre Deus e o ser humano, não mais embasada sobre a prática e observância dos preceitos da lei, mas sobre a acolhida e a prática de Seu amor. Deseja chamar a atenção do seu discípulo, para que não caiam na armadilha de transformar a religião em algo que é “para mim mesmo”, para o culto de mim mesmo; uma religiosidade estéril, individualista, alheia à história e à realidade. Isso será o estrago maior para a religião e um dano para o discípulo.

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário