sábado, 14 de outubro de 2023

XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mt 22,1-14:


 

O capítulo 22 do evangelho de Mateus insere-se no bloco narrativo que compreende os capítulos 20 – 22. A seção se abre com a entrada de Jesus em Jerusalém (21,1-11). As lideranças – sumo sacerdotes, fariseus (escribas) e anciãos do povo – permanecem indiferentes à sua pessoa e à mensagem que traz consigo, tornando-se, até mesmo, hostis e refratários a Ele. Recusa, hostilidade e dureza de coração perpassam as lideranças do povo em relação à Jesus.

Mt 22 encontra-se dentro de uma série de cinco controvérsias entre Jesus e as autoridades judaicas, tanto em âmbito político como religioso: a discussão acerca da autoridade reivindicada por Jesus, diante da expulsão dos vendedores no Templo (21,23-27); a legalidade do imposto ao imperador romano (22,15-22); a ressurreição dos mortos (22,23-33); o mandamento importante (22,34-40), e finalmente, a problemática acerca da filiação davídica (ser filho de Davi, em 22,41-46) do Messias. Jesus, no entanto, sai vitorioso de todas estas situações.

O evangelista Mateus pretende mostrar à sua comunidade, e às gerações posteriores dos discípulos que, à incredulidade e à recusa por parte das autoridades judaicas corresponde o Juízo de Deus, que se revela como condenação e destruição para a cidade e seus responsáveis. É o que pretende demonstrar a narrativa parabólica de Mt 22,1-14: os convidados de honra (que foram chamados primeiro, ou seja, as autoridades religiosas-políticas de Israel), que recusaram o convite da festa, são excluídos definitivamente do banquete nupcial. Tal é o contexto da narrativa. Agora, vamos ao texto!

Jesus dirige mais uma vez aos líderes do povo (sacerdotes e anciãos), uma parábola. Ele começa comparando o Reino dos Céus a uma festa de casamento, dada por um rei a seu filho (v.1-3). Objetivamente, o Rei da parábola é Deus mesmo, e os primeiros convidados são o povo de Israel e seus líderes. Na Sagrada Escritura, o banquete – e principalmente o banquete nupcial – tornou-se símbolo da iminente vinda do Messias. Tal concepção teve sua origem no pós-exílio. No entanto, as expectativas messiânicas já florescem nos primeiros momentos da pregação de Isaias, quando a monarquia de Judá começava dar sinais de corrupção.

O gênero das parábolas chama a atenção do leitor justamente por suas particularidades, que numa primeira leitura, podem parecer incomuns. Chama a atenção o fato de que, diante de um convite importante (a festa de casamento de um príncipe), os convidados não dão a mínima. Ora, no tempo e na realidade de Jesus, onde os recursos para subsistência eram escassos, e constantemente o povo passava muita necessidade, as festas de casamento tornavam-se oportunidade para o povo se alimentar melhor, e renovar as esperanças futuras. Todavia, ao interno da parábola paira a recusa dos convidados. O rei insistiu (v.4-7). Essa insistência do monarca revela, na verdade, a do próprio Deus, que acena para a necessidade de se decidir pelo Reino dos Céus com urgência. Não é possível adiar a decisão de acolher os apelos de Deus.

Tudo em vão: uma parte dos convidados foi para os campos; outra foi cuidar de seus negócios; e outra, mais hostil, responde com violência frente aos funcionários do rei. A preocupação e insistência do rei chocam-se com a indiferença dos convidados: eles não estão nem ai! O rei irrompe, então, em fúria, e envia seu exército para derriçar com os convidados negligentes.

O rei ordenou, então, aos seus funcionários, que fossem pelos caminhos e pelas encruzilhadas, e que chamassem aqueles que encontrassem: bons e maus (v.8-10). A festa não deixou de acontecer em face a recusa dos primeiros convidados. Os que não esperavam, tiveram a honra de tomar parte de um banquete de alto nível.

O ensino subjacente destes versículos reside, de acordo com a lógica da parábola, na mudança de atitude de Deus, ao redirecionar o convite a todos, e não exclusivamente aos judeus. Emerge, nesse sentido, a temática da salvação universal acenada pelo relato parabólico. O anúncio do Reino não é mais exclusivo à Israel, mas inclusivo, agora, aos que não fazem parte do povo. Isso é o que significa convidar Bons e Maus. A categoria dos maus simboliza, na verdade, os que não pertencem ao povo. Não se trata aqui de uma conotação moral, necessariamente.

Chamo a atenção, aqui, para um termo que foi mal traduzido. “Encruzilhada” enfraquece o termo “Diéxodos (Diexódous; gr. διεξόδους)”, que seria melhor traduzido por “saída”, “fronteira” e “periferia”. “Ide, pelas saídas (fronteiras – periferias) dos caminhos” traduz melhor a intenção de Jesus e do evangelista Mateus em dar enfoque, a partir da rejeição e auto exclusão de Israel do convite recebido, à universalidade da salvação.

Mas não basta ser convidado para festa. É necessário mostrar-se predisposto e com atitudes de justiça. Todavia, houve quem ousou participar da festa sem o traje festivo. O rei notou, e, imediatamente mandou expulsar o penetra (v.11-14). O traje, em toda a Sagrada Escritura (e principalmente no Apocalipse), é símbolo para as boas ações, as obras de Justiça, Amor e Misericórdia. Simboliza a fé traduzida e encarnada em obras de misericórdia e justiça aos irmãos, principalmente aos que estão nas margens, nas fronteiras e periferias. 

A comunidade de Éfeso, recordando os ensinamentos de Paulo e a pregação do Evangelho, foi a que melhor percebeu que a veste do cristão são a caridade e a Justiça, que brotam da vivência da Palavra de Deus, encarnada na vida do fiel discípulo de Jesus, em Ef 6,10-17 (famoso texto da "armadura ou veste do cristão", que infelizmente foi tão deturpado em sua interpretação). Jesus não está falando de uma veste física, de grife (até mesmo das “grifes religiosas”), tampouco estaria ele imbuído de moralismos acerca do quê e como se vestir. O texto não permite tal abordagem.

Nem todos os que são chamados são escolhidos. O chamado de Jesus vai, então, noutra direção. O fato de se pertencer à comunidade do Reino, não significa ter assimilado o modo de ser peculiar ao Reino. Participar da Eucaristia, ou manter uma vida espiritual (ainda que a seu modo) não implica ou garante salvação. Os que estiverem nesta situação (assim como os primeiros convidados) serão excluídos do banquete messiânico: não serão escolhidos! Ora, o chamado inicial se distingue na perseverança final e consequente salvação. Infelizmente, haverá discípulos que não experimentarão a alegria final do Reino, pela incapacidade de perseverar, até o fim, no caminho iniciado (Mt 24,13), pela indiferença ao convite ao modo de ser e de existir exigidos por Jesus, ou por não estarem vestidos com o traje das obras de justiça.

Quem somos diante do texto de Mt 22,1-14: os primeiros, os segundos ou os últimos convidados? Qual a nossa atitude diante do convite para a festa do Reino? Estamos nas periferias (às saídas ou nas fronteiras e limites humanos, sociais, religiosas), ou indo até elas? Temos vestido a veste das obras? Que possamos ver nossa vida no espelho deste texto bíblico.

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.

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