sábado, 30 de setembro de 2023

XXVI DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mt 21,28-32:

 


O evangelho dominical nos insere na leitura do capítulo vinte e um do Evangelho segundo Mateus. O evangelista, neste capítulo recupera um ensino em parábolas de Jesus, que só aparece em seu evangelho, e, assim, o transmite para a sua comunidade: a parábola dos dois filhos (Mt 21,28-32). Para compreende-la, se faz necessário abrir o horizonte de visão para o contexto no qual ela se situa.

O capítulo vinte e um apresenta a entrada de Jesus em Jerusalém. Ali, passa a sofrer forte resistência e oposição por parte dos lideres do povo, os chefes do judaísmo. O contexto imediato é delimitado pela cena anterior, a discussão com os chefes religiosos no templo. Eles questionam a Jesus acerca de Sua autoridade. O Senhor coloca uma condição para responder ao questionamento deles: “Responderei se me responderem uma pergunta: De onde vêm o batismo de João Batista, do alto ou dos homens?”. Diante da questão, os religiosos viram-se em apuros. Se respondessem que a ação profética de João era autorizada por Deus (vem do alto), então estariam obrigados a reconhecer e responder que Ele viria de Deus, e, que, portanto, estariam errados. Se respondessem que a missão de João era terrena, cairiam na ira do povo, porque consideravam o Batista como um profeta. A pergunta é envolvente e a resposta, comprometedora. Preferem dizer que não sabem. De sua parte, Jesus responde: “Então, eu também não direi com que autoridade eu faço estas coisas”. Mas com uma provocação que lhe é própria, o Mestre não perde a oportunidade de chamar-lhes a atenção através de uma parábola em forma de pergunta: “Que vos parece?” (v.28).

A partir da contextualização do capítulo vinte e um, parece que o evangelista procura oferecer um panorama histórico para seus leitores/ouvintes através dos temas do pecado da rejeição e da recusa dos líderes que não acreditaram na missão de João (21,25 e 32), que mataram os profetas de Deus (21,34-36), e, que, concluirão a perversidade de suas ações tramando a morte do Filho de Deus (21,39).

A parábola é destinada para dois grupos: em seu tempo, Jesus a direciona para as lideranças do povo. No tempo da comunidade, Mateus se apropria do ensinamento para corrigir os rumos da comunidade leitora do Evangelho. Sempre é necessário unir (ou fundir) estes dois horizontes. Uma vez mais, a parábola se serve do tema da vinha. Já nos é sabido que ela sempre foi tida na tradição de Israel como metáfora do Povo de Deus. Isto posto, podemos mergulhar no texto bíblico.

O texto bíblico começa com esta pergunta para os chefes do povo, “Que vos parece?” (v.28), para narrar lhes a parábola de um pai de família, dono de uma vinha, que convida os filhos a trabalharem na plantação. O primeiro protesta, mas depois vai. O segundo, prontamente responde de modo afirmativo, mas não cumpre o que diz. O relato é privado de colorido e de particulares, centrando-se sobre a contraposição dos dois filhos: contraposição de respostas e de comportamento.

Com a pergunta, “Qual dos dois fez a vontade do pai?” (v.31), Jesus amarra ainda mais o grupo dos fariseus e sacerdotes. As perguntas têm a intenção de envolver e comprometer os ouvintes tornando-os participantes do ensino, e identificando-se com as personagens. Deste modo, Jesus conseguiu colocá-los contra a parede tirando deles um juízo de autocondenação.

Eles respondem e são censurados por Jesus: “O primeiro. Então Jesus lhes disse: Em verdade vos digo, que os cobradores de impostos e as prostitutas vos precedem no Reino de Deus. Porque João veio até vós, num caminho de justiça, e vós não acreditastes nele. Ao contrário, os cobradores de impostos e as prostitutas creram nele. Vós, porém, mesmo vendo isso, não vos arrependestes para crer nele” (vv.31-32). Com esta resposta, Jesus joga na cara dos líderes religiosos do povo suas incoerências e resistências. Ele declara, de forma muito lógica que o caminho aberto por João foi conforme o querer do Pai; e, que os pecadores, as prostitutas e os publicanos acolheram a pregação dele. Ao passo que aqueles entendidos sobre Deus, não. Ora, Se o Batista veio preparar e abrir o caminho, Jesus, é o realizador pleno deste projeto de Deus. Com isso, responde a pergunta que lhe fora feita acerca de Sua autoridade. Ela vem do Alto e é destinada a todos, sem exclusão.

Mas lancemos um olhar mais acurado para as personagens da parábola. O primeiro filho, que se nega a trabalhar na vinha, mas que depois vai torna-se metáfora para os publicanos e às prostitutas, símbolos dos marginalizados, excluídos; dos sem voz e nem vez do tempo de Jesus, os quais tanto a religião, como o poder imperial marginalizavam.

Jesus, assim como eles, fez uma amarga experiência de rejeição obstinada dos rígidos e legalistas mestres da lei e fariseus. Por outro lado, encontrou boa acolhida nas mulheres de rua, nos fraudulentos cobradores de impostos, excomungados pela sinagoga, que eram excluídos pela sociedade puritana. Eles acolheram o anúncio do Reino e mudaram de vida, abrindo-se na esperança ao futuro de Deus

As lideranças do povo – os anciãos e sacerdotes – são caricaturados pelo segundo filho, que contradisse com a atitude, o sim dos lábios. Não podem iludir-se e pensar que estão obedecendo à vontade de Deus apenas porque dizem ter aderido a ele, ostentando um culto estéril à lei.

Entendida as personagens da parábola, lancemos agora um olhar para a pergunta de Jesus aos líderes “Qual dos dois fez a vontade do pai?” O pai é o termo de comparação aplicado a Deus. Fazer a vontade de Deus era o eixo sobre o qual girava toda a religião do AT e do judaísmo. E a lei era sua expressão escrita e clara. Mas agora, a revelação plena e perfeita da vontade divina acontece em Jesus, que anuncia a vinda do Reino e chama à conversão (4,17). A obediência não é feita de palavras estéreis e descompromissadas, mas com atitudes concretas e precisas. Os verdadeiros obedientes são exatamente os pecadores, porque creram. A obediência, portanto, chama-se fé/adesão ao Filho.

A vontade de Deus é revelada, agora, através da pessoa do Filho. Nesse sentido, o Pai deseja e espera que os homens acolham Aquele que Ele enviou. De agora em diante, os homens colocam em jogo seu destino último, decidindo-se a favor ou contra Àquele que Deus enviou ao mundo. Mateus quer ensinar para a sua comunidade que encontrar Deus prescindindo de Jesus é ilusório. Entretanto, a obediência da lei e a rejeição a Jesus, conforme denunciado pela parábola, equivale a um sim meramente verbal, desmentido pelos fatos, descomprometido da vida.

Ora, se a parábola, no tempo de Jesus serve para denunciar a oposição e rejeição das lideranças do povo frente ao Projeto de Deus anunciado por Ele, para Mateus ela tem fins bem catequéticos e comunitários. Apresentar dois tipos de cristãos: os que vivem segundo o projeto do Reino e os que só falam, sem praticar. A comunidade do Reino não deverá reproduzir as mesmas atitudes dos líderes antigos do povo de Jesus. 

O evangelista deseja coibir, ao interno da comunidade, que o discípulo/fiel caia na tentação de levar uma vida de aparências, descompromissada e incoerente, que assume, inclusive, facetas puritanas e excludente com o intuito de se autopreservar. A coerência do discípulo de Jesus, bem como da inteira comunidade cristã está na sintonia entre o falar e o fazer. Não se torna discípulo de Jesus e membro de sua comunidade somente pelo bonito, perfeito, acertado – e, portanto, ortodoxo – discurso que se verbaliza ou assimila; não se torna discipulo ao se decorar fórmulas, ritos e preceitos. Para Jesus e Mateus, a pessoa se torna discípulo (a) quando assimila e faz a vontade de Deus, que passa pela opção pelo Cristo e pela decisão de assumir seu modo de viver, no acolhimento aos excluídos e marginalizados desta história – a ortopraxis. Corre-se o risco de se viver muita ortodoxia (discurso correto), mas totalmente descolado da realidade, e, por isso, pouca ortopraxia (o agir correto). Na comunidade e na vida do discípulo não pode haver espaço para incoerências e aparências.

Diante da parábola deste domingo cabe-nos sempre a pergunta qual tem sido nossa atitude/resposta ao querer de Deus manifestado por Jesus. Qual dos filhos pode refletir nossa imagem?

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.


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