sábado, 23 de setembro de 2023

XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mt 20,1-16:

 


O evangelho significa Boa Notícia. Jesus anuncia com a própria vida a boa notícia de que o Deus que ele chama de Pai não se relaciona com o ser humano nos moldes da religiosidade antiga, retribuindo a cada um segundo os próprios méritos; premiando os bons e castigando os maus. Ao contrário, fala de um pai bondoso que faz brilhar sobre maus e bons o mesmo sol; faz chover sobre justos e injustos. Precisamente esta nova face de Deus apresentada pelo Senhor parece não ter sido aceita pelos discípulos que o seguiam; tampouco aos fariseus e escribas. Nesse sentido, a parábola contada no evangelho dominical (Mt 20, 1-16) é dirigida para estes dois grupos. Antes de tudo, se faz necessário contextualizar o texto. 

O contexto próximo da parábola de hoje situa-se na seção narrativa imediatamente após o Discurso Eclesial. Neste bloco, 19 – 23, o evangelista narra o começo da viagem de subida de Jesus para Jerusalém. Encerra-se a missão na Galileia. Na cidade santa, a sua pregação passará pelo filtro dos homens religiosos e a fé dos discípulos será posta em xeque. Uma opção deverá ser feita: aceitação ou recusa do Messias Jesus e do Deus que ele chama de Pai. Nesta viagem, os discípulos serão instruídos na sabedoria e pedagogia do Reino, contemplando as ações e as palavras do Mestre e pondo-se a refletir sobre elas. O contexto imediato, corresponde ao capítulo vinte da catequese de Mateus. O qual inicia-se com uma parábola.

A parábola serve-se de imagens conhecidas das pessoas do tempo de Jesus, bem como absorve elementos da tradição religiosa do povo. A vinha, por exemplo, servia de imagem comparativa e simbólica para o povo de Israel (Is 5,1-7; Jr 2,21; Ez 15,1-8; Os 10,1; SI 80[79]). Mais a diante esta imagem retornará noutra parábola (mais forte ainda, a dos vinhateiros maus, em Mt 21,33-46). Assimilando mais ainda a imagem simbólica, a vinha, por assim dizer, trata-se do campo da atuação histórica de Deus. 

A parábola dos trabalhadores se liga à cena anterior, o diálogo-ensinamento de Jesus aos discípulos. Ao final da narrativa do jovem rico (Mt 19,16-30), Pedro, em nome dos doze, questiona Jesus acerca da recompensa que o discípulo, que deixou tudo pelo Reino, ganharia: “Eis que deixamos tudo e te seguimos. O que receberemos?” (Mt 19,27). Eis o problema que Jesus precisa solucionar: a mentalidade equivocada do discípulo acerca de uma desejável recompensa por fazer parte de Seu grupo. Com a parábola a seguir, Mateus retoma o tema da recompensa dos discípulos, e ensina que ela em nada se identifica com os frutos das ações realizadas por alguém. Antes, porém, com a misericórdia do Pai dos céus. Como que esta misericórdia desconcertante se visibiliza neste texto evangélico? 

Dos vv.1-7, Jesus ilustra aos discípulos as ações de um certo dono de vinha. Por ser uma parábola, os contadores de histórias (seja o evangelista ou o próprio Jesus) transmitem imagens exageradas para chamar a atenção do leitor-ouvinte. O dono sai contratar trabalhadores para sua vinha, de manhã, bem cedo; de novo, às nove da manhã. Uma vez mais, ao meio-dia. Depois, às três, e, por fim, às cinco da tarde. A atitude do dono é questionadora: é ele quem sai em busca dos trabalhadores, quando, na verdade, os feitores eram encarregados da tarefa. A atitude mostra a urgência que ele tem. Em que consiste tal urgência? Satisfazer vontades próprias? Enriquecer? Não. Ele pensa nas necessidades dos outros. Se ele estivesse pensando nas necessidades próprias, bastariam os que foram chamados na primeira hora. Parece espantoso um proprietário que pense primeiro nos outros, que em suas necessidades.

O patrão sai, última vez, às cinco. O leitor, aqui, já deve estar surpreso. Ele conhece o ambiente e o costume; sabe que é o último horário antes do sol se pôr, para iniciar a vigília do dia seguinte. Mas também a estes, na última hora, o patrão os chama. É mais uma forma de Jesus e de Mateus enfatizarem que a atitude do patrão não é pautada por suas próprias necessidades ou ganancias, mas está toda ela orientada para o bem-estar do outro.

Na realidade do tempo de Jesus, quem não tivesse trabalho, não teria chance de comer, de se sustentar e à sua família. Os que estavam nas praças desocupados não estavam ali porque queriam, mas porque não encontravam trabalho. A falta de emprego não significa preguiça! É sinal de uma realidade e contexto históricos injustos. Com os primeiros, combinou uma moeda de prata, o equivalente a uma jornada inteira de trabalho, a qual começava às seis da manhã, terminando seis da tarde. Com os demais, ele combina “aquilo que for justo” pagar.

Dos vv. 8-10, Jesus narra o acerto de contas, ao final da diária. O patrão (lit. O Senhor / gr. κύριος/Kyrios, o que dá a entender que Jesus e Mateus identificam o dono à Deus), manda o encarregado do pessoal chamar primeiro os últimos, em consonância com a prescrição de Dt 24,15, onde se ordena pagar ao operário, no final do dia, antes do pôr-do-sol o equivalente a uma jornada de trabalho, para que não passem necessidade. A postura dos trabalhadores da primeira hora chama a atenção: murmuram contra o fato do patrão pagar a mesma quantia combinada com estes, no início da jornada, aos que chegaram por último. É logico – dentro dos esquemas humanos – pensar que os que trabalharam desde o primeiro momento, devessem ser mais favorecidos. A generosidade e a solidariedade do patrão os deixavam desconcertados e estupefatos. Não esperavam tal coisa. Começam a protestar contra a injustiça do patrão. Murmurar é agir contra o projeto de Deus. Mas aqui no horizonte do texto ela representa o protesto dos privilegiados, contra a gratuidade / Graça outorgada aos que não tem nada.

A resposta do patrão é uma correção e visa abrir lhes os olhos: “Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?” (vv.13-15). Por três vezes no evangelho de Mateus Jesus usa o vocativo “amigo” (gr. ἑταῖρος/ehtaîros). Em todas elas, o termo é usado para mostrar que a pessoa está errada e precisa ser corrigida.

Na resposta do dono da vinha, “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti” (v.14), Jesus enfoca o sentido da parábola: ilustrar o agir de Deus em relação ao ser humano que ainda não foi alcançado pelo projeto de Deus, pela dinâmica do Reino. Este projeto não é para poucos, alguns ou privilegiados, mas para todos, indistintamente. Os que estão dando o passo na fé e na salvação até mesmo na última hora da história humana tem lugar e espaço. Todos têm lugar. Sempre o agora da vida é hora da salvação. Diante deste ensinamento, o discípulo veterano deve tirar “o olho mal” (olhar maldoso) de si. Inveja é a tradução para expressão contida no original grego “olho mal”. “Estás com inveja (olho mal), porque estou sendo bom?”.

Eis a novidade que Jesus transmite através desta parábola: Deus não trata o ser humano segundo seus méritos, sua religiosidade, a assiduidade ou conduta do cristão de bem; mas o trata conforme a Sua gratuidade e generosidade, levando em conta a necessidade das pessoas. Não é o mérito que motiva Deus a agir, mas a necessidade que o ser humano apresenta. Necessidade de ter junto de si todos aqueles que ainda não foram alcançados pelo projeto do Reino aberto até na última hora da história de cada pessoa.

Ao terminar a parábola, Jesus faz uma consideração importante acerca do modo de agir de Deus: “Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (v.16). O modo de pensar e de agir de Deus diametralmente diferente do pensar e agir dos homens. Ele inverte (ou subverte) os esquemas humanos. Estamos diante do tema da inversão escatológica realizada por Deus através de Jesus. Que é a reviravolta radical que Deus opera na história reinserindo os últimos – pecadores, excluídos, marginalizados – no seu horizonte salvífico.

O discípulo do Reino é desafiado a se inspirar em Deus (Mt 5,48). Esta parábola pode ter sido dirigida tanto aos fariseus, interlocutores e opositores de Jesus, incapazes de imaginar que os recém-convertidos seriam recompensados, isto é, salvos por Deus na mesma medida que eles. Como pode ser aplicada a parábola também aos líderes da comunidade cristã, que, no contexto da vida comunitária poderiam  cair na tentação de se sentirem superiores e mais dignos de recompensa (aplausos, elogios, lugares de honras, adulações, senso de importância, méritos) do que os  que começaram a pouco na caminhada de fé, no seguimento a Jesus e à vida da comunidade. Não há nenhum privilégio à quem quer que seja. Isso vale para o discípulo e para a comunidade que se identifica como cristã.

Quem somos no horizonte deste evangelho? Em qual horário da nossa vida fomos chamados por Deus? Em que horário do discipulado estamos? Quais atitudes existem em nós, que não corresponde ao proceder de Deus diante dos últimos? Peçamos a Graça de um olhar sadio em relação ao irmão. Que nossas comunidades sejam espaço de vida e de acolhimento especialmente para os trabalhadores da última hora, porque jamais podemos nos esquecer que, talvez, estejamos entre eles também.

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.


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