A liturgia deste domingo nos apresenta a
conclusão do Discurso em parábolas, com o qual Jesus visa transmitir o
acontecimento do Reino dos Céus. Este ensinamento foi reunido pelo evangelista
Mateus no capítulo treze de sua catequese. Já meditamos nos domingos anteriores
as quatro primeiras comparações que o discurso se serve para transmitir a
catequese de Jesus acerca do Reino, e, nestes versículos conclusivos, temos a
oportunidade de meditar as outras três, totalizando sete imagens ilustrativas
utilizadas pelo mestre. Por isso, já se pode tomar o texto e meditá-lo.
“O Reino dos céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (v. 44). Jesus compara o Reino a um tesouro que alguém escondeu num campo. Recordemos que a parábola tem por método assimilar e tomar a realidade simples e existencial do cotidiano, para transmitir uma mensagem/ensinamento. O Senhor se serve de uma prática muito comum de seu tempo: os tesouros encontrados nos campos. Fato comum na antiguidade, por ocasião de guerras ou rivalidades. Quem possuía algum objeto de valor (um vaso de argila cheio de moedas valiosas e joias) ou bens, cavava o chão e os ocultava, na esperança de recuperá-los quando passasse o momento difícil. Os tesouros eram encontrados muito tempo depois, por pessoas que não sabiam da sua existência ao utilizarem o terreno para outras atividades de subsistência.
O fato que nos chama a atenção é o seguinte: a personagem não estava procurando tesouros. Estava, sim, trabalhando a terra. Atenção para esta imagem transmitida: o trabalho. Este é um tema muito próprio da literatura sapiencial. O homem sábio, que busca e cultiva a Sabedoria é simbolizado pelo operário, ou seja, pelo home que trabalha. O trabalho manual (o artesão ou homem que trabalha a terra, o agricultor) é uma imagem para a Sabedoria. Voltando para a parábola, a personagem está trabalhando a terra. Numa linguagem sapiencial, ele está em busca da Sabedoria. Esta, não se trata de um saber teórico, como a filosofia grega. A sabedoria bíblica é a Palavra de Deus, a palavra do Reino. Portanto, esta personagem é uma pessoa sábia. Por isso consegue identificar o tesouro, ao encontra-lo. Na verdade, a personagem é que foi encontrada pelo tesouro. Somente quem se coloca na disponibilidade de trabalhar a terra (meditar e alicerçar-se sobre a Palavra de Deus) conseguirá identificar o tesouro que o Reino é.
O aspecto da alegria é uma característica essencial de quem encontrou o Reino e a ele aderiu plenamente. Ela é o impulso para a atitude da personagem: ao encontrar o tesouro, ele viu um motivo e uma oportunidade para mudar a sua vida. O fato de vender todos os seus bens para adquirir o campo e ficar com o tesouro acena para a atitude que o discípulo deve ter diante do Reino: empenhar toda a sua energia por ele. Quando o discípulo se depara com o projeto de Deus e de Jesus, e a ele adere, deve coloca-lo em primeiro lugar e empenhar tudo o que tem e o que se é, em vista deste Reino. O Reino deve ser a primeira opção de quem o encontra, de modo que todas as outras coisas possam encontrar nele sua orientação e propósito, princípio e fundamento.
Na segunda parábola, do comprador de pedras preciosas, Jesus provoca novamente seus ouvintes: “O Reino dos céus é como um comprador de pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola” (vv. 45-46). Todavia, a atitude deste mercador é que chama a atenção: ele sabe o que procura. Ele está, na verdade, à procura! Trata-se de um homem experiente, e, também, inquieto; capaz de distinguir o valioso do vulgar. Como na parábola anterior, também ele encontra algo que lhe faz tomar uma decisão radical. Também o discípulo, ao entrar em contato com o Reino e sua mensagem, coloca-o como o centro de sua vida, relativizando tudo mais. O Reino torna-se o absoluto de sua vida; tudo mais tem valor secundário.
O objetivo das duas primeiras parábolas é o de motivar o discípulo e a comunidade a fazerem opção pelo Reino, preferindo-o a qualquer outra realidade ou bem. Lidas em conjunto, as duas parábolas mostram que não há contradição entre dom e esforço, que resultam na alegria de se ter encontrado o sentido pleno da vida, tal e qual a descoberta de um grande tesouro ou de uma perola preciosa. A adesão ao Reino e a vivência de seu programa de vida exigem esses três elementos.
Na terceira e última parábola, a experiência dos pescadores no lago da Galileia serve de termo para a última comparação de Jesus. O Reino dos Céus é como uma rede jogada no mar e recolhe peixes de toda espécie (vv. 47-49). Depois que está cheia, os pescadores a puxam para a praia e recolhem os peixes bons, enquanto os imprestáveis são jogados fora (Lv 11,10-12). Existe, aqui, uma certa semelhança com a parábola do joio e do trigo. Mas, diferentemente daquela, onde a cizânia fora semeada por algum inimigo, aqui, os peixes ruins têm a mesma origem dos peixes bons. Esta parábola alerta mais uma vez a comunidade para as contradições e a diversidade que estão em contato com o Reino, e a previne de qualquer puritanismo e segregação. Os discípulos são enviados a pregarem a Boa Nova do Reino a todos, e não somente aos peixes bons, os santos, os irrepreensíveis; Jesus os chama para pescar gente, isto é, ir ao encontro da humanidade inteira, sem distinção ou rotulação. Porque a última palavra caberá somente ao Pai que está nos céus. É o que a alegorização da parábola deseja ensinar. “Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos. E lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes” (v. 50).
O fim dos tempos será como um final de um dia de pesca. Os anjos de Deus executarão o trabalho de separar os justos dos malvados. Estes serão lançados num lugar de castigo e haverão de sofrer muito (Mt 13,41-42). Novamente aparece a figura dos anjos (mensageiros celestes). Uma vez mais se faz necessário compreender estas personagens. Por anjos, os autores bíblicos entendem a ação divina. Por reverência ao Nome e à Pessoa divina, acabam servindo-se deste elemento simbólico. Em suma, por anjos entenda-se a ação do próprio Deus. Portanto, será Deus mesmo a agir ao separar os peixes bons e os ruins. Isso serve de advertência aos discípulos, e, posteriormente, às lideranças da comunidade. Os líderes da comunidade não podem se constituir em juízes dos irmãos, condenando a quem não lhes parece entrar nos esquemas do Reino, que, na verdade, são esquemas criados por eles mesmos (Mt 7,1-2). A palavra de salvação e de condenação é exclusividade de Deus, no dia do juízo, não antes nem durante o tempo da pesca.
As parábolas exigem discernimento para serem compreendidas. Jesus questiona as multidões se elas de fato compreenderam tudo. Elas, afirmativamente respondem que sim. É evidente que nada entenderam, pois o próprio evangelho nos mostrará a incompreensão dos que seguiam a Jesus, no tocante à sua mensagem.
A compreensão significa a aceitação da sua mensagem, com as consequências implicadas nela; não se trata da abstração teórica de um conteúdo, mas de assimilar um jeito novo de viver. Por isso, se faz necessária uma atitude importante destacada por Jesus no final: “Assim, pois, todo o mestre da Lei, que se torna discípulo do Reino dos Céus, é como um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas (v.52). A sabedoria do Reino oferece ao discípulo uma nova chave de leitura para tudo, possibilitando-lhe ver a realidade com os olhos de Deus e perceber nela a ação divina. Nessa perspectiva, as coisas antigas são a Lei e os profetas, enquanto as coisas novas são os ensinamentos de Jesus, que ele mesmo considerou como o pleno cumprimento das Escrituras (Mt 5,17).
O texto nos confronta: Tenho conseguido reconhecer o Reino na cotidianidade da existência? O Reino tem sido o tesouro ou a pérola de grande valor pelos quais tenho empenhado a totalidade da vida? Qual a minha reação diante do encontro com ele: alegria ou indiferença? Sabemos compreender e discernir como o mestre pede: reler, reinterpretar e ressignificar tudo segundo a perspectiva da Sua vida e existência?
Pe. João Paulo Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu – SP.
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