sábado, 1 de julho de 2023

SOLENIDADE DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO - Mt16,13-19:

 


A Igreja no Brasil, todo ano, transfere a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo para o domingo após a celebração do dia litúrgico, 29 de junho, de modo a favorecer a maior participação do povo fiel nas celebrações dos mistérios do Senhor. Ambos os apóstolos estão, a seu modo, associados ao mistério da vida, paixão e morte de Cristo, e, enquanto colunas da Igreja de sustento da vida eclesial, alicerçadas sobre a rocha firme da fé no Senhor que professaram, merecem nossa admiração. Mais ainda, merecem ser assimilados no exemplo e na a vivência da fé em Jesus por todos os discípulos e discípulas de todos os tempos. Somos convidados a dar um salto na leitura do evangelho de Mateus, excepcionalmente neste domingo, precisamente para o capítulo dezesseis da catequese do evangelista, Mt 16,13-19.

O texto de hoje começa no v.13. Mas ele iniciara com duas situações que servem de estopim para a narrativa que se segue. O primeiro acontecimento foi uma controvérsia entre Jesus e os fariseus, os quais pediram a ele um sinal que comprovasse que ele seria messias (Mt 16,1-4). A segunda situação foi motivada pela advertência contra o fermento dos fariseus e saduceus (Mt 16,5-12). O fermento dos fariseus, ao qual Jesus se refere é a ideia errada que nutriam em relação a Deus e ao messias, bem como a própria maneira hipócrita de viver. Diante deste contexto, Jesus leva os discípulos para a cidade de Cesareia de Filipe. Indicação importante para os leitores da catequese de Mateus.

Cidade situada ao norte de Israel, dedicada à Cesar, imperador romano, era sede do poder romano na província da Palestina e, portanto, lugar de culto ao imperador e de cultivo da ideologia imperial. Um território pagão. Por outro lado, a cidade fica distante de Jerusalém, sede do poder religioso. Jesus e seus discípulos encontram-se longe das influências do poder religioso. Lugar propício para fazer uma experiência nova e pura com Deus. É o que Jesus deseja propor. “ali perguntou aos seus discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” (v. 13b). Não há concordância entre os biblistas a respeito da intencionalidade de Jesus na pergunta. Mais do que preocupado com a imagem que a multidão fazia dele, estava preocupado com a ideia que faziam de sua missão.

Segundo os discípulos, a opinião pública dizia: “alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas” (v. 14). A atuação de Jesus tinha dado margem para variadas interpretações, e as figuras do passado serviam aos espectadores de Jesus fazerem alguma imagem Dele. É bem verdade que o modo através do qual Jesus decidiu-se por viver sua missão foi a via profética. A comunidade cristã não pode ver Jesus como uma personagem do passado que deixou um grande legado a ser lembrado. Após a resposta dos discípulos, Jesus dirige a pergunta para eles: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v.15). Trata-se de uma pergunta importante, porque a resposta revelará a percepção dos discípulos a respeito dele. Mais ainda, a reposta revelaria também as expectativas que traziam consigo, e qual mentalidade nutriam acerca dele.

“Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v.16), responde acertadamente Simão, em nome dos doze. É uma reposta que ele dá em nome do grupo, e, portanto, eclesial. Uma profissão de fé comunitária. Os demais discípulos componentes do grupo dos doze também responderam com Pedro. Deus está a agir em seu ungido. Toda ação de Cristo revela o querer do Pai.

“Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu” (v. 17). Jesus admira-se com a resposta tão acertada. E reconhece em Simão um bem-aventurado. Seu entendimento não provém do esforço humano; só pode ser revelação do Pai dos céus. O apóstolo é chamado pelo seu nome “Simão”. Todas as vezes que Jesus se dirigir ao discípulo desta maneira, significa que o seu agir e seu pensamento estão corretos e condizem com o querer de Deus e do Senhor. Quando o narrador apresentar o discípulo com seu nome composto “Simão Pedro”, é porque ele apresenta dificuldades na caminhada que necessitam ser superadas. Agora, quando o autor apresentar a personagem apenas com nome de “Pedro” será porque o discípulo está na contramão do querer de Jesus e do Pai e precisa deixar de ser duro, como pedra, para ser formado e lapidado como uma pedra de construção.

A bem-aventurança dirigida ao discípulo (e à toda a comunidade) é devida a sua abertura à vontade do Pai e deixar-se conduzir por ela. As coisas começam a funcionar na vida do fiel e da comunidade quando a voz do Pai é ouvida. Nesse sentido, quando a voz de Deus é acolhida e seu querer encontra lugar no coração do discípulo é que este consegue reconhecer a Jesus como enviado do Pai. O fiel discípulo precisa deixar emergir Simão de dentro de si. Deve procurar exercitar sua dimensão de ouvinte da Palavra para reconhecer o agir de Deus e se autoavaliar para ver se está no caminho certo.

“Por isso eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (v. 18a). Jesus declara Simão Pedro como rocha firme devido à Fé que professara. O acento aqui não recai sobre o discípulo, mas sobre a Fé que ele, juntamente com a comunidade dos discípulos, a Igreja, professa. A pedra firme por sobre o qual se edifica a comunidade dos crentes é o conteúdo e o núcleo da Fé professada pelo discípulo: Cristo, o filho do Deus vivente. Simão Pedro, na verdade, é o garantidor da unidade em torno desta Fé. Esta não se baseia num conjunto de ideias ou de proclamações dogmáticas, mas se embasa numa pessoa e na relação experiencial com ela: Jesus de Nazaré.

Mateus se serve de duas palavras gregas muito parecidas para designar Pedro e pedra: Πέτρος– Petros e πέτρα - petra. Embora muito próximas, é possível distingui-las. “Petros” corresponde à pedra, pedregulho ou tijolo, uma pedra pequena e removível, uma pedra de construção; “petra”, por sua vez, alude à superfície rochosa, base ideal para os fundamentos de uma construção segura. São estas as bases necessárias para a edificação da Igreja enquanto comunidade do Reino. Portanto, Jesus diz que Simão é Pedro (Πέτρος /petros), uma pedra-tijolo da construção. Ele deve estar assentado a pedra-rocha (πέτρα /petra), Jesus e a fé que professou acerca de Sua pessoa: “Tu és o Messias e Filho do Deus vivente”.  Só aqui, e em Mt 18,17, o evangelista chama de “Igreja” a comunidade dos discípulos do Reino, evocando o antigo povo de Deus (hbr. qahal). A missão da igreja consiste em ser, na história humana, um sinal da presença do Reino, vivendo os seus valores e o seu projeto. Alicerçada sobre a rocha.

A comunidade recebe “as chaves do Reino dos céus” porque é nela que se faz a experiência da fé e da comunhão profunda com Deus, através da prática das bem-aventuranças (cf. 5,1-12), e é isso que torna alguém apto para entrar nos céus. Qualquer um que professa convictamente a fé em Jesus e vive seu programa de vida expressado nas bem-aventuranças (Mt 5 – 7), tem a chave de acesso ao Reino. “Ligar e desligar” são, acima de tudo, responsabilidades, e não um poder. A chave simboliza a autoridade conferida a Pedro, da qual a comunidade também participa. Mais que delegando poderes, Jesus está responsabilizando a comunidade para fazer o Reino acontecer já aqui na terra.

A pergunta que Jesus faz aos discípulos se direciona também à nós. 1) Quem é Jesus de Nazaré para mim? 2) Tenho permitido que Simão emerja em mim, exercitando a capacidade da escuta da Palavra e do querer do Pai?

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.

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