A Igreja no Brasil, todo ano, transfere
a solenidade dos apóstolos Pedro e Paulo para o domingo após a celebração do
dia litúrgico, 29 de junho, de modo a favorecer a maior participação do povo
fiel nas celebrações dos mistérios do Senhor. Ambos os apóstolos estão, a seu
modo, associados ao mistério da vida, paixão e morte de Cristo, e, enquanto
colunas da Igreja de sustento da vida eclesial, alicerçadas sobre a rocha firme
da fé no Senhor que professaram, merecem nossa admiração. Mais ainda, merecem
ser assimilados no exemplo e na a vivência da fé em Jesus por todos os discípulos
e discípulas de todos os tempos. Somos convidados a dar um salto na leitura do
evangelho de Mateus, excepcionalmente neste domingo, precisamente para o
capítulo dezesseis da catequese do evangelista, Mt 16,13-19.
O texto de hoje começa no v.13. Mas ele
iniciara com duas situações que servem de estopim para a narrativa que se
segue. O primeiro acontecimento foi uma controvérsia entre Jesus e os fariseus,
os quais pediram a ele um sinal que comprovasse que ele seria messias (Mt
16,1-4). A segunda situação foi motivada pela advertência contra o fermento dos
fariseus e saduceus (Mt 16,5-12). O fermento dos fariseus, ao
qual Jesus se refere é a ideia errada que nutriam em relação a Deus e ao messias,
bem como a própria maneira hipócrita de viver. Diante deste contexto, Jesus
leva os discípulos para a cidade de Cesareia de Filipe. Indicação importante
para os leitores da catequese de Mateus.
Cidade situada ao norte de Israel, dedicada
à Cesar, imperador romano, era sede do poder romano na província da Palestina
e, portanto, lugar de culto ao imperador e de cultivo da ideologia imperial. Um
território pagão. Por outro lado, a cidade fica distante de Jerusalém, sede do
poder religioso. Jesus e seus discípulos encontram-se longe das influências do
poder religioso. Lugar propício para fazer uma experiência nova e pura com Deus.
É o que Jesus deseja propor. “ali perguntou aos seus discípulos: ‘Quem
dizem os homens ser o Filho do homem?” (v. 13b). Não há concordância
entre os biblistas a respeito da intencionalidade de Jesus na pergunta. Mais do
que preocupado com a imagem que a multidão fazia dele, estava preocupado com a
ideia que faziam de sua missão.
Segundo os discípulos, a opinião
pública dizia: “alguns dizem que é João Batista; outros, que é Elias,
outros, ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas” (v. 14). A
atuação de Jesus tinha dado margem para variadas interpretações, e as figuras
do passado serviam aos espectadores de Jesus fazerem alguma imagem Dele. É bem
verdade que o modo através do qual Jesus decidiu-se por viver sua missão foi a
via profética. A comunidade cristã não pode ver Jesus como uma personagem do
passado que deixou um grande legado a ser lembrado. Após a resposta dos
discípulos, Jesus dirige a pergunta para eles: “E vós, quem dizeis que
eu sou?” (v.15). Trata-se de uma pergunta importante, porque a
resposta revelará a percepção dos discípulos a respeito dele. Mais ainda, a
reposta revelaria também as expectativas que traziam consigo, e qual
mentalidade nutriam acerca dele.
“Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo” (v.16), responde acertadamente Simão, em nome dos doze. É uma
reposta que ele dá em nome do grupo, e, portanto, eclesial. Uma profissão de fé
comunitária. Os demais discípulos componentes do grupo dos doze também
responderam com Pedro. Deus está a agir em seu ungido. Toda ação de Cristo
revela o querer do Pai.
“Feliz és tu, Simão,
filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai
que está no céu” (v. 17). Jesus admira-se com a resposta tão acertada. E reconhece em
Simão um bem-aventurado. Seu entendimento não provém do esforço
humano; só pode ser revelação do Pai dos céus. O apóstolo é chamado pelo seu nome
“Simão”. Todas as vezes que Jesus se dirigir ao discípulo desta maneira,
significa que o seu agir e seu pensamento estão corretos e condizem com o querer
de Deus e do Senhor. Quando o narrador apresentar o discípulo com seu nome
composto “Simão Pedro”, é porque ele apresenta dificuldades na caminhada que
necessitam ser superadas. Agora, quando o autor apresentar a personagem apenas
com nome de “Pedro” será porque o discípulo está na contramão do querer de
Jesus e do Pai e precisa deixar de ser duro, como pedra, para ser formado e
lapidado como uma pedra de construção.
A bem-aventurança dirigida ao discípulo
(e à toda a comunidade) é devida a sua abertura à vontade do Pai e deixar-se
conduzir por ela. As coisas começam a funcionar na vida do fiel e da comunidade
quando a voz do Pai é ouvida. Nesse sentido, quando a voz de Deus é acolhida e
seu querer encontra lugar no coração do discípulo é que este consegue reconhecer
a Jesus como enviado do Pai. O fiel discípulo precisa deixar emergir Simão de
dentro de si. Deve procurar exercitar sua dimensão de ouvinte da Palavra para
reconhecer o agir de Deus e se autoavaliar para ver se está no caminho certo.
“Por isso eu te digo
que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (v. 18a). Jesus
declara Simão Pedro como rocha firme devido à Fé que professara. O acento aqui
não recai sobre o discípulo, mas sobre a Fé que ele, juntamente com a
comunidade dos discípulos, a Igreja, professa. A pedra firme por sobre o qual
se edifica a comunidade dos crentes é o conteúdo e o núcleo da Fé professada
pelo discípulo: Cristo, o filho do Deus vivente. Simão Pedro, na verdade, é o
garantidor da unidade em torno desta Fé. Esta não se baseia num conjunto de
ideias ou de proclamações dogmáticas, mas se embasa numa pessoa e na relação
experiencial com ela: Jesus de Nazaré.
Mateus se serve de duas palavras gregas
muito parecidas para designar Pedro e pedra: Πέτρος– Petros e πέτρα -
petra. Embora muito próximas, é possível distingui-las. “Petros”
corresponde à pedra, pedregulho ou tijolo, uma pedra pequena e removível, uma
pedra de construção; “petra”, por sua vez, alude à superfície rochosa, base
ideal para os fundamentos de uma construção segura. São estas as bases necessárias
para a edificação da Igreja enquanto comunidade do Reino. Portanto, Jesus diz
que Simão é Pedro (Πέτρος /petros), uma pedra-tijolo da
construção. Ele deve estar assentado a pedra-rocha (πέτρα /petra), Jesus e a fé que professou acerca de Sua pessoa:
“Tu és o Messias e Filho do Deus vivente”. Só aqui, e em Mt 18,17, o evangelista chama de
“Igreja” a comunidade dos discípulos do Reino, evocando o antigo povo de Deus
(hbr. qahal). A missão da igreja consiste em ser, na história humana, um sinal
da presença do Reino, vivendo os seus valores e o seu projeto. Alicerçada sobre
a rocha.
A comunidade recebe “as chaves
do Reino dos céus” porque é nela que se faz a experiência da fé e da
comunhão profunda com Deus, através da prática das bem-aventuranças (cf.
5,1-12), e é isso que torna alguém apto para entrar nos céus. Qualquer um que
professa convictamente a fé em Jesus e vive seu programa de vida expressado nas
bem-aventuranças (Mt 5 – 7), tem a chave de acesso ao Reino. “Ligar e desligar”
são, acima de tudo, responsabilidades, e não um poder. A chave simboliza a
autoridade conferida a Pedro, da qual a comunidade também participa. Mais que
delegando poderes, Jesus está responsabilizando a comunidade para fazer o Reino
acontecer já aqui na terra.
A pergunta que Jesus faz aos discípulos
se direciona também à nós. 1) Quem é Jesus de Nazaré para mim? 2) Tenho
permitido que Simão emerja em mim, exercitando a capacidade da escuta da Palavra
e do querer do Pai?
Pe. João Paulo Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré /
Arquidiocese de Botucatu-SP.
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