sábado, 15 de julho de 2023

XV DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mt 13,1-23 (1-9):

 


A liturgia do décimo quinto domingo do tempo comum, apresenta para a nossa meditação o capítulo treze do Evangelho segundo Mateus, a terceira catequese de Jesus para o discípulo: o discurso em parábolas. Antes, se faz necessário compreender o que são elas, porque nesta seção, o leitor-ouvinte do evangelho se depara com o coração do ensinamento do Senhor.

Contextualizar é importante para compreender o texto. As parábolas pertencem ao gênero literário sapiencial, denominado mashal. Uma forma de se servir dos acontecimentos do cotidiano, das coisas simples, dos acontecimentos que rodeavam a vida para transmitir o ensinamento da Lei. Este método era muito utilizado pelos rabinos. Jesus, homem simples e sábio, igualmente se serviu desta técnica, pois seus ensinamentos eram marcados pela cotidianidade da vida, pelas circunstâncias da realidade, e, por isso conseguia atingir os discípulos e as multidões com suas palavras, pois elas eram confirmadas pelo estilo de vida Dele. A título de informação – não podemos desprezar ferramentas que ajudam na interpretação do texto para bem meditá-lo – as parábolas possuem três funções: 1) chamar a atenção dos ouvintes, através dos elementos simples da vida cotidiana e da realidade que ela assume para si; 2) provocar os mesmos ouvintes; 3) gerar uma mudança de comportamento na audiência, no público alvo, os leitores-ouvintes.

Ainda a nível de contextualização, Mateus trabalha nesta catequese o segundo polo orientador de sentido da vida e da missão do Senhor: o Reinado de Deus ou “dos Céus”. A vida de Jesus se pauta a partir de dois absolutos, a saber: a relação com o Deus que ele chama de Pai, e o anúncio do Reino. Este, torna-se o conteúdo de sua missão. O Reino ou Reinado – como a exegese atual prefere assim nomear – é a ação soberana de Deus na história humana através de Jesus de Nazaré. Por isso, o Reino é uma pessoa, Jesus. A adesão a Ele, confessado como Senhor e Cristo, promove um modo de ser e de viver no discípulo e na história humana: uma ética.

As parábolas de Jesus sobre o Reinado de Deus (dos Céus) são sete. Mateus reúne neste capítulo sete parábolas destinadas a ilustrar o modo como o Reino acontece e atua na história. O número 7, como já se sabe, é o número da perfeição/plenitude. Há uma intenção de ordem comunitária para o evangelista. Elas serão as (sete) chaves de interpretação que discípulo terá para compreender a ação de Jesus e o destino do Reino, após sua morte e ressurreição, de forma a eliminar neles as ideias equivocadas a respeito do Mestre. A primeira parábola a ser meditada é a da semeadura.

Dos  vv.1-3, Mateus situa-nos na cena. Jesus está nas margens do mar da Galileia. Ali uma multidão se reúne para ouvi-lo. Importante informação, pois é a partir deste lugar que o Reino é por Ele é inaugurado. Toma a iniciativa de subir numa embarcação e começa a ensinar. Estar entre a multidão é outro dado que merece a atenção do leitor-ouvinte do evangelho. Mateus não quer que Jesus seja comparado aos rabinos de seu tempo. Eles ensinavam em pequenos grupinhos e de modo privado. Para Ele, está fora de cogitação discorrer sobre como interpretar a Lei de Moisés nos moldes destes, em suas zonas de conforto e de prestígio. A preocupação do Mestre centra-se, antes, no desafio de ensinar e ser discípulo em contextos diversos, e, até mesmo, de crise.

Dos v.v 4-9, Jesus começa a expor a dinâmica do acontecimento do Reino servindo-se da imagem do semeador, que sai para semear. A semente que carrega consigo vai, ao longo do caminho caindo e comidas pelos pássaros. Em seguida em terreno pedregoso, depois entre os espinhos; e, por fim, em terra boa e fértil. O elemento-surpresa da parábola que deve chamar a atenção do ouvinte-leitor, que é, por si só paradoxal encontra-se no próprio semeador: “mas que tipo de semeador é esse, que não percebe que as sementes vão caindo pelo caminho? desatento!” Pode pensar o leitor-ouvinte. Esta provocação, como dissemos no início, é intencional. Ela serve para despertar o discípulo.

O semeador, numa leitura cristológica é o próprio Jesus. A semente, numa perspectiva teológica, é o próprio anúncio da Palavra do Reino de Deus na história. O sentido desta parábola, portanto, é o de ilustrar o acontecimento/evento do Reinado de Deus em meio as muitas realidades, sejam elas positivas ou negativas. É uma maneira bem simples de Jesus dizer aos seus que o mistério do Reino acontece (é eficaz, real e atuante) na realidade e na história humana em meio a muitas perdas.

A semente caída em terra boa simboliza quem acolhe a palavra e anúncio do Reino e se deixa transformar, produzindo os frutos do amor, do perdão e da reconciliação, desejados por Jesus. “Cem, sessenta e trinta” acenam para a capacidade de cada pessoa acolher a mensagem do Reino e fazê-la frutificar em boas obras. Essa imagem exagerada dos frutos é importante: o máximo que se esperava de uma espiga de trigo eram trinta grãos. O que parecia ser muito (trinta frutos) passa a ser mínimo diante da beleza que é a vida de quem se deixou conduzir pelos frutos do Reino. A colheita surpreendente (cem frutos por semente) só é possível para quem confia na Palavra e se abre completamente aos valores do Reino. Aqui está uma demonstração da vida em plenitude que receberão aqueles que aderirem ao projeto do Reino.

Até aqui o texto adquiriu seu sentido, mesmo que fossem omitidos os versículos de 10-23. Mas nestes treze versículos, Mateus mostra Jesus explicando aos discípulos a parábola. Por que o evangelista relata a explicação de Jesus da parábola? Muito provavelmente, ele tenha recolhido esta explicação para querer corrigir ressignificar a vida da sua comunidade, de modo a alerta-la a não cair na atitude da multidão: a resistência diante do anúncio do Reino feito por Ele. “Porque a vós foi dado o conhecimento dos mistérios do Reino dos Céus, mas a eles não é dado” (v.10). Ou seja, somente o discípulo poderá ser capaz de compreender as parábolas do Senhor acerca dos mistérios do Reino, porque encontra-se disponível e de coração aberto. Quem não está disponível, e, portanto, manifesta resistência não conseguirá entender o Reino que acontece em Jesus, nem seu ensinamento. E para reforçar esta ideia, o autor bíblico recorre ao dito do profeta Isaias: “É por isso que eu lhes falo em parábolas: porque olhando, eles não veem, e ouvindo, eles não escutam, nem compreendem. Desse modo se cumpre neles a profecia de Isaías: Havereis de ouvir, sem nada entender. Havereis de olhar, sem nada ver. Porque o coração deste povo se tornou insensível. Eles ouviram com má vontade e fecharam seus olhos, para não ver com os olhos, nem ouvir com os ouvidos, nem compreender com o coração, de modo que se convertam e eu os cure” (v.14-15). Só poderá compreender as parábolas de Jesus quem se deixar ser discípulo, quem tiver um coração como o terreno bom e fértil, isto é, capaza de acolher o ensinamento de Jesus, a Palavra-semente do Reino. Quem não quiser, não irá compreender porque já tomou a decisão de ser insensível e duro de coração.

O texto ainda pode ser compreendido a partir de mais duas perspectivas: a comunitária, e escatológica. Na perspectiva comunitária, o alerta vai na seguinte direção: A missão de semear é comunitária, portanto, de todos. Mas o texto alerta para a tentação da eficiência. “Tudo o que se faz deve ser bom!” Por isso, Jesus quer ensinar que o mistério do Reino vai acontecendo, sim, porém por força própria, mesmo em meio a muitas perdas. Contudo, o investimento deve ser total, ainda que seja nas pequenas coisas. A força do crescimento desta semente depende de Deus. A missão do Semeador, e, consequentemente, dos discípulos, consiste apenas no lançar a semente. Vale também repensar o agir da comunidade, que, muitas vezes cai naquela tentação do êxito, e, em decorrência disso, na pastoral do milagre e do sucesso.

O texto alerta para o seguinte: a comunidade dos discípulos (a Igreja) não deve ter a pretensão do sucesso garantido. Não deverá julgar a sua identidade e qualidade mediante a isso. Mas poderá medir sua autenticidade diante das muitas perdas. Quando se começa a perceber muito sucesso, é porque a mentalidade do Anti-Reino entrou em suas estruturas.

A dimensão escatológica se mostra na qualidade dos frutos. Somente no final da missão, simbolizada pela imagem da colheita é que se verá, de fato, que tipo de semente se produziu. Os que se acham os maiorais, santos, irrepreensíveis, doutores da moral e dos bons costumes, cidadãos de bem, poderão se reconhecer também como sementes que não produziram ou solos inférteis. Em contrapartida, os que achavam que nada produziriam poderão ser as sementes autênticas, que deram frutos em abundância. A ninguém é dada a autoridade de julgar fora de hora, isto é, durante o processo, se o fruto é bom ou não; se a semeadura rendeu ou não. A última palavra pertence à Deus.

Estrada, pedra, espinhos e terra boa é metáfora para o coração de cada um. Que a Igreja seja estimulada sair constantemente de si mesma para lançar as sementes do Reino, a Palavra, em todas as circunstâncias. O importante é ter coragem de assumir a semeadura. Sem medo. É necessário, inclusive, ter a coragem de fracassar. Este discurso nos interpelará e provocará ainda mais nos próximos domingos. Por hora, são suficientes estas chaves de leitura.

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas  Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP

Nenhum comentário:

Postar um comentário