O décimo quarto domingo do tempo comum apresenta o capítulo onze do Evangelho segundo Mateus, para a nossa reflexão. Sempre se faz importante contextualizar o texto. No capítulo décimo, Jesus inaugurou e transmitiu o ensinamento aos discípulos do discurso missionário: a catequese que toca no tema da missão do mestre e, consequentemente a do discípulo. Todavia, o envio missionário não acontece imediatamente ao ensinamento. Ele será postergado e só se dará ao final do Evangelho, quando estiver pronto para se tornar missionário-apóstolo do Reino, tendo compreendido o sentido da vida de Jesus.
Os capítulos 11 – 12 apresentam as várias reações diante do ensinamento e da ação de Jesus, eivados de controvérsias por parte dos adversários, escribas e fariseus, e dos incapazes de compreender sua pregação. A partir de então, o evangelho apresentará o tema da rejeição sofrida pelo Senhor. Culminando na decisão de matá-lo (Mt 12,14). Em contraste a estes grupos rivais, encontra-se o grupo dos pequeninos. E é a partir deles que se inicia a narrativa proposta pela Igreja para a meditação dominical.
“Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (v.25). O evangelista mostra um louvor em forma de bênção de Jesus dirigido ao Pai, Senhor do céu e da terra (isto é, senhor de tudo). O louvor tem um motivo: foi do agrado de Deus revelar os mistérios do Reino aos pequeninos. Não se pode perder de vista e da memória os gestos que foram realizados pelo mestre na seção narrativa de Mt 8 – 9, as ações reveladoras da misericórdia de Deus (curas e purificações; conferir os sete gestos de poder realizados pelo mestre naquela seção), o chamado e o acolhimento aos pecadores, o modo exemplar de viver a missão (Mt 10). Ou seja, todas estas ações e ensinamentos correspondiam a iniciativa do próprio Deus, à sua vontade de, em Jesus, agir desse modo. Foi dessas coisas que o Senhor se referiu em seu louvor ao Pai. Este agir vai na contramão do pensamento, dos esquemas e da lógica humana.
Quem são os pequeninos? Um mesmo vocábulo grego, dependendo do contexto em que é usado, assume conotações diferentes, dando origem a traduções diferentes. Isso acontece com a palavra pequenino. Ao interno deste evangelho, o autor se serve de duas palavras para designar este grupo: mikrós e népios.
Mikrós (gr. μικρός) foi utilizado no capítulo décimo e se referia ao grupo dos discípulos. A mesma palavra ocorre novamente em 11,11 (“o menor no Reino dos Céus”); 13,32 (“a menor de todas as sementes”); 18,6.10.14 (“escandalizar a um destes pequeninos ... não desprezar a um destes pequeninos ... não se perca nem um só destes pequeninos”). Mikrós (pequeno) é antônimo de grande (gr. μέγας/mégas). No caso dos discípulos, ser pequeno é contrapor-se à ambição do poder e do domínio dentro da comunidade, coisa dos grandes do mundo.
Népios (gr. νήπιος), utilizado no texto de hoje, tem o significado de criança, menor de idade. É aquele que se deixa instruir, que possui um coração e uma mentalidade abertos para o querer e a vontade de Deus, que deixa-se ensinar pelo Senhor. Este terá precedência na revelação porque está aberto à novidade do Reino. Que não se julga proprietário, dono, detentor da verdade, perfeito, pronto, acabado, como se nada tivesse a aprender. Qualquer pessoa que assumir essa convicção de vida pode ser chamada de népios. Em português, pode-se chamá-los de simples.
No v.27, Jesus declara: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”. O Pai, Senhor do céu e da terra, ou seja, de tudo, decidiu colocar tudo nas mãos de Jesus, por isso ele é o Seu revelador autorizado. Ele possui a autoridade de colocar (explicar, revelar, mostrar) tudo a respeito de Deus a quem ele quiser, e não somente aos que “podem” e “tem direito” (fariseus, escribas, elite religiosa, o judeu piedoso).
Dito de outra maneira, o conhecimento do Pai se dá através de Jesus! E todos podem ter acesso a Ele. Isso soa como advertência para os seus opositores, dado a dureza de seus corações a rejeitar a Jesus, uma vez que eram os detentores do poder religioso da época. Nesse sentido, rejeitá-lo e fechar-se a Ele significa, em última análise, rejeitar a Deus e fechar o coração para Sua palavra.
No v.28, Jesus reorienta a vida e a direção dos pequeninos e dos discípulos através de um convite: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso”. Este dito foi sempre mal compreendido, dando margem para compreensões romantizadas, adocicadas ao texto. O fardo não são os pecados ou o peso da vida, frutos das atitudes humanas permeadas pela liberdade.
Fardo, na intenção de Jesus e de Mateus, é a Lei mosaica, com suas 613 prescrições, as quais eram derivações forçadas das interpretações que os escribas e fariseus faziam sobre os mandamentos da Torá. Estas seiscentas e treze leis oprimiam as pessoas, dada sua complexidade (Mt 23.4) porque o povo simples não conseguia cumpri-las; não geravam mais vida, senão a manutenção de sistemas e mecanismos injustos, promotores de alienação e de morte. Portanto, não se trata do jugo do pecado ou das dificuldades da vida, mas, sim, o da Lei, expressão da religiosidade e da fé transformadas em mentalidade equivocada acerca de Deus que passava a ser um peso para as pessoas (cf. Sr 6,22-32; 51,26-27).
Jesus, Sabedoria encarnada na história (Pr
8), em contrapartida, propõe um jugo,
diferente do fardo/peso. Fazendo-se
discípulo dele, manso e humilde de coração, que não busca dominar é possível
encontrar descanso, pois seu jugo não machuca ninguém e seu peso é leve
(v.29-30). Ele exige dos discípulos somente o essencial, a justiça do Reino (Mt
7,33), ou seja, o agir segundo a mentalidade do Reino desenhado desde o Sermão
da Montanha. Por isso, o essencial proclamado por Jesus é quantitativamente
mais simples, mas qualitativamente mais exigente que a justiça dos escribas e
fariseus (Mt 5,20), apegados aos rigorismos, moralismos, exclusivismos e às
prescrições que legitimavam seus estilos de vida. Jesus reordena a vida do
discípulo às exigências do coração, do amor e da misericórdia que promovem a
Justiça do Reino. E, não para uma lei que não gera mais vida.
O texto evangélico de hoje nos questiona: quem somos e onde estamos? O que temos carregado em nossas vidas, o fardo/peso ou o jugo? O que apresentamos aos irmãos, o fardo ou jugo de Jesus? Nossas comunidades, são comunidades dos pequeninos ou dos sábios?
Pe. João Paulo Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese
de Botucatu – SP
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