A
liturgia desta noite santa, Mãe de todas as vigílias, nos convida a tomar o
texto mateano que narra a experiência da ressurreição, Mt 28,1-10, o último
capítulo da catequese do evangelista, o qual amarra de modo magnifico todo este
evangelho eclesial. Mas qual a finalidade deste relato? Mostrar uma forma de se
fazer experiência com Jesus ressuscitado. Lembrar as Palavras de Jesus e refazer
o sentido de sua vida, acolhendo o convite de retornar à Galileia.
Nenhum
evangelho descreveu a ressurreição de Jesus. A imagem clássica e tradicional do
Cristo triunfante, de fato, não pertence ao evangelho, mas a um escrito
apócrifo do Século II, chamado “evangelho de Pedro”. Contudo, os quatro
evangelistas dão indicações, através de seus escritos e das experiências
comunitárias com o ressuscitado, de como puderam encontrar com o Senhor
vivente. Ela não foi um privilégio concedido a um pequeno grupo dois mil anos
atrás, mas se torna uma possibilidade aos crentes de todos os tempos.
Apropriemo-nos também nós desta experiência, meditando o texto.
“Depois
do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra
Maria foram ver o sepulcro” (v.1). O evangelista inicia o relato com uma
observação temporal, “Depois do sábado”. O sábado era dia a ser observado rigorosamente
pelo judeu do tempo de Jesus. Violá-lo significava falta gravíssima. Mateus
coloca esta referência cronológica para transmitir uma mensagem teológica: a
observância deste preceito faz com que a comunidade dos discípulos retarde a
sua experiência com o Ressuscitado. Enquanto existirem esquemas antigos, ainda
não rompidos, não se conseguirá fazer experiência de vida. O evangelista utiliza
o verbo “ver” para descrever a atitude das mulheres. Este verbo não traduz
apenas o sentido da visão física, mas também a atitude de se fazer experiência
com algo ou alguém. Elas se dirigiram ao sepulcro para vê-lo, ou seja, para fazer
a experiência com a realidade da morte, apenas.
“Ao
amanhecer do primeiro dia da semana”, o evangelista faz memória do primeiro dia
da criação. Mas, conforme a mentalidade judaica, representava o oitavo dia,
dado que o sábado é o sétimo dia. O número oito, na Igreja primitiva foi
associado ao Cristo ressuscitado. E, se recordarmos bem o discurso inaugural de
Jesus em Mt 5 – 7, é o número das bem-aventuranças. Este primeiro ensinamento
dado por Jesus atinge sua plenitude através do relato pascal contido em Mt 28. O
evangelista pretende ensinar à sua comunidade que aquele oitavo/primeiro dia é,
agora, o novo e definitivo dia da Nova Criação. Que o projeto de vida proclamado
e anunciado por Jesus, no sermão da montanha transmite a vida definitiva e
plena.
“Maria
Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”, mas falta uma mulher. Recorde-se
que, próximo à cruz de Jesus estavam Maria, mãe de Jesus, Maria de Magdala, e a
mãe dos filhos de Zebedeu. Ela não está no grupo que vai ao sepulcro. Por quê?
Era ela uma mulher ambiciosa, lembremos que ela havia pedido os lugares de
honra para seus filhos, mas quando se deu conta de que aquele Jesus fracassou
no seu projeto de messias, perdeu toda a sua esperança e não se tornou testemunha
da ressurreição. Mateus pretende dar um sinal claro para seus discípulos e para
nós: se quisermos fazer a experiência com Jesus, o vivente, é importante que
todo o caminho do Senhor seja passado a limpo em nossas vidas, a fim de se crescer
na consciência de que a vida do mestre é perpassada pela via da cruz. Sabendo
que esta não teve a última palavra; que a vida e morte vergonhosa a se submeteu
o Senhor não foram fracassadas e frustradas. É o que a narrativa nos mostrará a
seguir.
“De
repente, houve um grande tremor de terra: o anjo do Senhor desceu do céu e,
aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela” (v.2). O terremoto, na
teologia bíblica é um sinal simbólico da manifestação divina. Acontece, ali,
portanto, uma teofania reveladora. Ela já ocorreu uma vez, no calvário, quando
Jesus entregou o seu espírito nas mãos do Pai. O terremoto é um indicativo da
presença divina. Ora, se na morte de Cruz de seu Filho, Deus se revelou
presente, tanto mais agora, na ressurreição, a fim de revelar que toda a vida
deste Jesus recebe do Pai a aprovação. Se no Crucificado Deus revelou-se
presente, ainda mais no Ressuscitado.
“o
anjo do Senhor desceu do céu”, a personagem angelical aqui presente não pode
ser tomada ao pé da letra; não é uma criatura intermediária ou etérea. O anjo,
na bíblia, simboliza a atuação de Deus, ao entrar em contato com o ser humano.
No evangelho de Mateus, esta figura simbólica aparece por três vezes: para
anunciar o nascimento de Jesus; para protege-lo do olhar homicida de Heródes;
e, por fim, para anunciar àquelas primeiras testemunhas a novidade da vida
indestrutível de Jesus de Nazaré.
Interessante
é fato de que não é o terremoto que faz rolar a pedra, desobstruindo o sepulcro,
mas o anjo de Deus, que é o próprio Deus. O Pai mesmo confirma a vida do Filho
Jesus. Ele é soberano na vida de seu Cristo. O anjo senta-se sobre a pedra retirada
do sepulcro: sentar-se sobre algo, na antiguidade era símbolo da conquista.
Ali, naquele sepulcro, Deus realiza sua soberania sobre a morte e a vida. A
diferença das mulheres que, no capítulo precedente, ficaram sentadas diante do
sepulcro fechado, o mensageiro celeste – que é o próprio Deus, senta-se sobre a
pedra, sinal da vitória. Sua aparência e vestimentas são descritas por Mateus,
com os mesmos tons e cores da cena da transfiguração, em 17,1-13: “Sua
aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve” (v.3).
São as cores da glória de Deus, por assim dizer.
“Os
guardas ficaram com tanto medo do anjo, que tremeram, e ficaram como mortos”
(v.4), nos informa Mateus. Diante de uma experiência que pertence ao âmbito da
vida, qualquer um que pertença aos sistemas e realidades de morte, como os
soldados do império, fazem apenas uma experiência de morte. O evangelista é
irônico. Aqueles que pensavam estar morto, está vivo; e aqueles que pensavam-se
vivos, ficam, agora, como mortos.
“Então
o anjo disse às mulheres: 'Não tenhais medo!” (v.5). O medo, na bíblia, é o
contrário da fé. E continua, “Sei que procurais Jesus, que foi crucificado”
(v.5b), isto é, o maldito perante a Lei (Dt 21,22), e lhes faz uma revelação;
lhes dá uma boa notícia: Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde
ver o lugar em que ele estava” (v.6). Atenção! anjo não diz “ele não está mais
aqui”, mas, “Ele não está aqui”, pois o sepulcro nunca foi lugar para Jesus,
por isso ele não pode conter o vivente! Ele lhes apresenta uma prova, as
palavras de Jesus: “como havia dito”. Elas são o critério para que os discípulos
e a comunidade consigam realizar a memória de Sua vida e experimentar a
ressurreição.
As
mulheres são chamadas a fazerem primeiro esta memória, e, com isso, a
experimentar o triunfo da vida. Às mulheres são destinadas as palavras de Jesus
como chave de compreensão para o acontecido com o mestre. Esta é a uma profunda
inversão dos esquemas e das lógicas humanas daquele tempo, pois elas não eram
consideradas. A força de vida que contém a vida vitoriosa de Jesus é doada a
todos, sem exclusão. Por isso, esta experiência não deve ficar “sepultada”, guardada
unicamente para elas; antes, devem “ir de pressa contar aos discípulos que
Jesus ressuscitou dos mortos”.
Mas
o mensageiro estabelece mais um critério pedagógico para as mulheres, além das
palavras de Jesus (da experiência da memória): retornar para a Galileia. Porque
o mestre “vai à vossa frente para a Galiléia. Lá vós o vereis” (v.7). A
localidade da Galileia parece ser importante para o evangelista, porque ela
aparece três vezes. Lá a comunidade dos discípulos poderá ver o ressuscitado. É
importante o verbo “ver” de que Mateus faz uso. Ele aparece também nas
Bem-aventuranças (Mt 5,8, “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a
Deus”). Este verbo não indica apenas uma capacidade física atrelada aos
sentidos do ser humano, mas uma profunda experiência interior com Deus; ver,
significa, na bíblia, fazer experiência com Deus. Ligada a esta ordem divina, é
o mesmo que afirmar, “na Galileia da realidade da vida é que vocês poderão
fazer experiência com o ressuscitado”. Note-se, que Mateus diz que Jesus
ressuscitado não se manifestará em Jerusalém, sede do poder e da dominação
(cidade assassina dos enviados de Deus), mas na Galileia, lugar das primeiras
experiências que os discípulos fizeram com Jesus; lugar de sua pregação e primeiro
anúncio do Reino.
“As
mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com
grande alegria, para dar a notícia aos discípulos” (v.8). A medida que as
mulheres vão se afastando do sepulcro, que remete à impossibilidade de vida,
vão recuperando a alegria, e se preparando para transmitirem o anúncio.
No
meio do caminho acontece algo: “Jesus foi ao encontro delas, e disse:
'Alegrai-vos!” (v.9). Enquanto estão indo pelo caminho para anunciar a vida,
aparece o Senhor e lhes vem ao encontro, para com Sua presença reforçar o
anúncio. Alegrai-vos, dito por Jesus, liga-se ao convite feito por ele na
última bem-aventurança, “Alegrai-vos e exultai, pois será grande a vossa
recompensa nos céus (Mt 5,9). Eis a recompensa: uma vida indestrutível, capaz
de superar a morte. Então as mulheres se aproximaram, prostraram-se e beijaram
os pés de Jesus. A menção dos pés indica e confirma que as mulheres tiveram um
encontro real com Jesus; indica a realidade física de alguém. Não com um
espírito ou fantasma. O gesto da prostração recorda o reconhecimento e a
reverência do ser humano diante da glória divina. Na medida em que elas estão
indo levar a alegria e a força da vida para os discípulos, elas fazem a
experiência com o vivente Jesus, no caminho.
De
fato, trata-se do encontro com alguém que está vivo. Jesus fala com elas, e
lhes recomenda, mais uma vez, a não terem medo. E confirma as palavras do
mensageiro celeste: “Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a
Galiléia. Lá eles me verão” (v.10). Agora, elas são encorajadas a cumprirem a
função do anjo: elas devem se tornar as anunciadoras da vitória do Mestre;
devem ser as mensageiras da grande notícia do triunfo da vida sobre a morte.
Devem fazê-lo, primeiramente aos discípulos, os quais são chamados de “irmãos”,
por Jesus. Repete, novamente, a ordem de se dirigirem para a Galileia. Por quê
esta insistência de Jesus, que Mateus recupera?
Porque
somente refazendo os passos de Jesus, de sua vida, de seu ensinamento se pode
fazer experiência com o ressuscitado. Esta indicação cumpre o propósito
catequético-teológico do evangelista, que narrará mais adiante que os
discípulos seguirão para a Galileia, sobre o monte que Jesus havia indicado.
Mas até este momento, Jesus não tinha indicado nenhum monte. O monte do qual se
refere Mateus é a montanha das Bem-aventuranças, onde o mestre iniciou o seu
programa de vida e seu ensinamento. Com isso, é possível captar a mensagem
central deste relato pascal: acolhendo e vivendo as bem-aventuranças,
manifestando em plenitude a Boa Nova de Jesus, se tem a possibilidade de
encontrar na própria vida Aquele que é o vivente!
Feliz
e santa Páscoa.
Pe.
João Paulo Sillio.
Santuário
São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu – SP.
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