sábado, 8 de abril de 2023

SOLENE VIGÍLIA PASCAL DO SÁBADO SANTO – Mt 28,1-10:

 


A liturgia desta noite santa, Mãe de todas as vigílias, nos convida a tomar o texto mateano que narra a experiência da ressurreição, Mt 28,1-10, o último capítulo da catequese do evangelista, o qual amarra de modo magnifico todo este evangelho eclesial. Mas qual a finalidade deste relato? Mostrar uma forma de se fazer experiência com Jesus ressuscitado. Lembrar as Palavras de Jesus e refazer o sentido de sua vida, acolhendo o convite de retornar à Galileia.

 

Nenhum evangelho descreveu a ressurreição de Jesus. A imagem clássica e tradicional do Cristo triunfante, de fato, não pertence ao evangelho, mas a um escrito apócrifo do Século II, chamado “evangelho de Pedro”. Contudo, os quatro evangelistas dão indicações, através de seus escritos e das experiências comunitárias com o ressuscitado, de como puderam encontrar com o Senhor vivente. Ela não foi um privilégio concedido a um pequeno grupo dois mil anos atrás, mas se torna uma possibilidade aos crentes de todos os tempos. Apropriemo-nos também nós desta experiência, meditando o texto.

 

“Depois do sábado, ao amanhecer do primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro” (v.1). O evangelista inicia o relato com uma observação temporal, “Depois do sábado”. O sábado era dia a ser observado rigorosamente pelo judeu do tempo de Jesus. Violá-lo significava falta gravíssima. Mateus coloca esta referência cronológica para transmitir uma mensagem teológica: a observância deste preceito faz com que a comunidade dos discípulos retarde a sua experiência com o Ressuscitado. Enquanto existirem esquemas antigos, ainda não rompidos, não se conseguirá fazer experiência de vida. O evangelista utiliza o verbo “ver” para descrever a atitude das mulheres. Este verbo não traduz apenas o sentido da visão física, mas também a atitude de se fazer experiência com algo ou alguém. Elas se dirigiram ao sepulcro para vê-lo, ou seja, para fazer a experiência com a realidade da morte, apenas.

 

“Ao amanhecer do primeiro dia da semana”, o evangelista faz memória do primeiro dia da criação. Mas, conforme a mentalidade judaica, representava o oitavo dia, dado que o sábado é o sétimo dia. O número oito, na Igreja primitiva foi associado ao Cristo ressuscitado. E, se recordarmos bem o discurso inaugural de Jesus em Mt 5 – 7, é o número das bem-aventuranças. Este primeiro ensinamento dado por Jesus atinge sua plenitude através do relato pascal contido em Mt 28. O evangelista pretende ensinar à sua comunidade que aquele oitavo/primeiro dia é, agora, o novo e definitivo dia da Nova Criação. Que o projeto de vida proclamado e anunciado por Jesus, no sermão da montanha transmite a vida definitiva e plena.

 

“Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro”, mas falta uma mulher. Recorde-se que, próximo à cruz de Jesus estavam Maria, mãe de Jesus, Maria de Magdala, e a mãe dos filhos de Zebedeu. Ela não está no grupo que vai ao sepulcro. Por quê? Era ela uma mulher ambiciosa, lembremos que ela havia pedido os lugares de honra para seus filhos, mas quando se deu conta de que aquele Jesus fracassou no seu projeto de messias, perdeu toda a sua esperança e não se tornou testemunha da ressurreição. Mateus pretende dar um sinal claro para seus discípulos e para nós: se quisermos fazer a experiência com Jesus, o vivente, é importante que todo o caminho do Senhor seja passado a limpo em nossas vidas, a fim de se crescer na consciência de que a vida do mestre é perpassada pela via da cruz. Sabendo que esta não teve a última palavra; que a vida e morte vergonhosa a se submeteu o Senhor não foram fracassadas e frustradas. É o que a narrativa nos mostrará a seguir. 

 

“De repente, houve um grande tremor de terra: o anjo do Senhor desceu do céu e, aproximando-se, retirou a pedra e sentou-se nela” (v.2). O terremoto, na teologia bíblica é um sinal simbólico da manifestação divina. Acontece, ali, portanto, uma teofania reveladora. Ela já ocorreu uma vez, no calvário, quando Jesus entregou o seu espírito nas mãos do Pai. O terremoto é um indicativo da presença divina. Ora, se na morte de Cruz de seu Filho, Deus se revelou presente, tanto mais agora, na ressurreição, a fim de revelar que toda a vida deste Jesus recebe do Pai a aprovação. Se no Crucificado Deus revelou-se presente, ainda mais no Ressuscitado.

 

“o anjo do Senhor desceu do céu”, a personagem angelical aqui presente não pode ser tomada ao pé da letra; não é uma criatura intermediária ou etérea. O anjo, na bíblia, simboliza a atuação de Deus, ao entrar em contato com o ser humano. No evangelho de Mateus, esta figura simbólica aparece por três vezes: para anunciar o nascimento de Jesus; para protege-lo do olhar homicida de Heródes; e, por fim, para anunciar àquelas primeiras testemunhas a novidade da vida indestrutível de Jesus de Nazaré.

 

Interessante é fato de que não é o terremoto que faz rolar a pedra, desobstruindo o sepulcro, mas o anjo de Deus, que é o próprio Deus. O Pai mesmo confirma a vida do Filho Jesus. Ele é soberano na vida de seu Cristo. O anjo senta-se sobre a pedra retirada do sepulcro: sentar-se sobre algo, na antiguidade era símbolo da conquista. Ali, naquele sepulcro, Deus realiza sua soberania sobre a morte e a vida. A diferença das mulheres que, no capítulo precedente, ficaram sentadas diante do sepulcro fechado, o mensageiro celeste – que é o próprio Deus, senta-se sobre a pedra, sinal da vitória. Sua aparência e vestimentas são descritas por Mateus, com os mesmos tons e cores da cena da transfiguração, em 17,1-13: “Sua aparência era como um relâmpago, e suas vestes eram brancas como a neve” (v.3). São as cores da glória de Deus, por assim dizer.

 

“Os guardas ficaram com tanto medo do anjo, que tremeram, e ficaram como mortos” (v.4), nos informa Mateus. Diante de uma experiência que pertence ao âmbito da vida, qualquer um que pertença aos sistemas e realidades de morte, como os soldados do império, fazem apenas uma experiência de morte. O evangelista é irônico. Aqueles que pensavam estar morto, está vivo; e aqueles que pensavam-se vivos, ficam, agora, como mortos.

 

“Então o anjo disse às mulheres: 'Não tenhais medo!” (v.5). O medo, na bíblia, é o contrário da fé. E continua, “Sei que procurais Jesus, que foi crucificado” (v.5b), isto é, o maldito perante a Lei (Dt 21,22), e lhes faz uma revelação; lhes dá uma boa notícia: Ele não está aqui! Ressuscitou, como havia dito! Vinde ver o lugar em que ele estava” (v.6). Atenção! anjo não diz “ele não está mais aqui”, mas, “Ele não está aqui”, pois o sepulcro nunca foi lugar para Jesus, por isso ele não pode conter o vivente! Ele lhes apresenta uma prova, as palavras de Jesus: “como havia dito”. Elas são o critério para que os discípulos e a comunidade consigam realizar a memória de Sua vida e experimentar a ressurreição.

As mulheres são chamadas a fazerem primeiro esta memória, e, com isso, a experimentar o triunfo da vida. Às mulheres são destinadas as palavras de Jesus como chave de compreensão para o acontecido com o mestre. Esta é a uma profunda inversão dos esquemas e das lógicas humanas daquele tempo, pois elas não eram consideradas. A força de vida que contém a vida vitoriosa de Jesus é doada a todos, sem exclusão. Por isso, esta experiência não deve ficar “sepultada”, guardada unicamente para elas; antes, devem “ir de pressa contar aos discípulos que Jesus ressuscitou dos mortos”.

 

Mas o mensageiro estabelece mais um critério pedagógico para as mulheres, além das palavras de Jesus (da experiência da memória): retornar para a Galileia. Porque o mestre “vai à vossa frente para a Galiléia. Lá vós o vereis” (v.7). A localidade da Galileia parece ser importante para o evangelista, porque ela aparece três vezes. Lá a comunidade dos discípulos poderá ver o ressuscitado. É importante o verbo “ver” de que Mateus faz uso. Ele aparece também nas Bem-aventuranças (Mt 5,8, “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”). Este verbo não indica apenas uma capacidade física atrelada aos sentidos do ser humano, mas uma profunda experiência interior com Deus; ver, significa, na bíblia, fazer experiência com Deus. Ligada a esta ordem divina, é o mesmo que afirmar, “na Galileia da realidade da vida é que vocês poderão fazer experiência com o ressuscitado”. Note-se, que Mateus diz que Jesus ressuscitado não se manifestará em Jerusalém, sede do poder e da dominação (cidade assassina dos enviados de Deus), mas na Galileia, lugar das primeiras experiências que os discípulos fizeram com Jesus; lugar de sua pregação e primeiro anúncio do Reino.

 

“As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos” (v.8). A medida que as mulheres vão se afastando do sepulcro, que remete à impossibilidade de vida, vão recuperando a alegria, e se preparando para transmitirem o anúncio.

 

No meio do caminho acontece algo: “Jesus foi ao encontro delas, e disse: 'Alegrai-vos!” (v.9). Enquanto estão indo pelo caminho para anunciar a vida, aparece o Senhor e lhes vem ao encontro, para com Sua presença reforçar o anúncio. Alegrai-vos, dito por Jesus, liga-se ao convite feito por ele na última bem-aventurança, “Alegrai-vos e exultai, pois será grande a vossa recompensa nos céus (Mt 5,9). Eis a recompensa: uma vida indestrutível, capaz de superar a morte. Então as mulheres se aproximaram, prostraram-se e beijaram os pés de Jesus. A menção dos pés indica e confirma que as mulheres tiveram um encontro real com Jesus; indica a realidade física de alguém. Não com um espírito ou fantasma. O gesto da prostração recorda o reconhecimento e a reverência do ser humano diante da glória divina. Na medida em que elas estão indo levar a alegria e a força da vida para os discípulos, elas fazem a experiência com o vivente Jesus, no caminho.

 

De fato, trata-se do encontro com alguém que está vivo. Jesus fala com elas, e lhes recomenda, mais uma vez, a não terem medo. E confirma as palavras do mensageiro celeste: “Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galiléia. Lá eles me verão” (v.10). Agora, elas são encorajadas a cumprirem a função do anjo: elas devem se tornar as anunciadoras da vitória do Mestre; devem ser as mensageiras da grande notícia do triunfo da vida sobre a morte. Devem fazê-lo, primeiramente aos discípulos, os quais são chamados de “irmãos”, por Jesus. Repete, novamente, a ordem de se dirigirem para a Galileia. Por quê esta insistência de Jesus, que Mateus recupera?

 

Porque somente refazendo os passos de Jesus, de sua vida, de seu ensinamento se pode fazer experiência com o ressuscitado. Esta indicação cumpre o propósito catequético-teológico do evangelista, que narrará mais adiante que os discípulos seguirão para a Galileia, sobre o monte que Jesus havia indicado. Mas até este momento, Jesus não tinha indicado nenhum monte. O monte do qual se refere Mateus é a montanha das Bem-aventuranças, onde o mestre iniciou o seu programa de vida e seu ensinamento. Com isso, é possível captar a mensagem central deste relato pascal: acolhendo e vivendo as bem-aventuranças, manifestando em plenitude a Boa Nova de Jesus, se tem a possibilidade de encontrar na própria vida Aquele que é o vivente!

 

Feliz e santa Páscoa.

 

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu – SP.

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