sábado, 8 de outubro de 2022

REFLEXÃO PARA O XXVII DOMINGO DO TEMPO COMUM - Lc 17,5-10

 

A boa leitura do texto bíblico sempre levará em conta a absorção do seu contexto amplo, isto é, o lugar onde a narrativa se encontra. Isso serve para iluminar a sua leitura, quando o texto parece trazer temáticas diversas. Como parece ser o caso do evangelho deste vigésimo sétimo domingo do tempo comum, retirado do capítulo dezessete do Evangelho segundo Lucas. O texto proposto para a liturgia deste domingo encontra-se em Lc 17,5-10. Todavia, é preciso retomar a leitura dos cinco versículos anteriores.

 

Nos v.v1-2, o evangelista começa o capítulo falando da eventualidade e inevitabilidade  dos escândalos no meio da comunidade. Mas escândalos aqui são todas as situações que impedem que o discípulo, que está iniciando na fé, cresça e progrida na vivência desta mesma fé, que é relação com Jesus e com o Pai. O evangelista usa o termo σκάνδαλον (gr. schândalon), que alude à impedimento, ou literalmente, obstáculo. Na comunidade dos discípulos não deve haver espaço para obstáculos que se interponham ao processo pessoal do individuo de se tornar discípulo do Reino e reconhecer-se filho de Deus. Jesus dirá que aquele que produz o escândalo, o obstáculo, que enfiasse uma pedra de moinho no pescoço e fosse atirado ao mar.

 

A pedra de moinho pesava mil e quinhentos quilos. O mar é símbolo, nas Escrituras, de tudo o que é contrário ao projeto de vida sonhado por Deus. “Ser lançado ao mar”, na verdade, é forma simbólica de se denunciar que a pessoa causadora do obstáculo e impedimento está na contramão do querer de Deus. Entendamos que o fato de Jesus dar essa ordem não significa que ele esteja fazendo apologia à exclusão. É preciso recordar que o mar é, também, o primeiro ambiente missionário de Jesus e dos primeiros discípulos. Ele convida Simão à vocação de pescar homens dos mares do mundo, fazendo-os começar a dinâmica do discipulado. Nesse sentido, “lançar ao mar” significa proporcionar à pessoa a tomada de consciência de que ela precisa recomeçar a caminhada. É, portanto, uma orientação e inciativa pedagógica que Jesus oferece à comunidade para que a pessoa recupere a sua condição de discípulo, e, mais ainda, reconheça-se filho de Deus.

 

Jesus toca no tema do perdão, nos vv.3-4, ensinado que o perdão deve ser constante e o distintivo da comunidade dos discípulos. A ordem de perdoar sete vezes não está ligada à quantidade, mas à qualidade. Sete na teologia bíblica indica plenitude/perfeição. O discípulo e a comunidade distinguem-se pelo perdão. Esta é a condição para ser reconhecido enquanto filho de Deus. Estes versículos, então, preparam o texto de hoje. Feitas estas considerações e contextualização inicial, agora podemos mergulhar na compreensão da narrativa de hoje e extrair dela o ensinamento que Jesus quer transmitir aos discípulos e à nós.

 

No v.5, após os ensinamentos anteriores de Jesus acerca do escândalo e da qualidade do perdão pedem algo: “aumenta a nossa fé”. Algo estranho. Pois a fé não é algo que Deus dá. Ela é uma resposta/atitude que parte do ser humano, e não de Deus. A fé não é algo que precisa ser aumentado, acrescentado, mas uma relação a ser vivida e trabalhada pelo ser humano. Por isso Jesus responde no v.6: “Se vós tivésseis fé, mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira: Arranca-te daqui e planta-te no mar, e ela vos obedeceria”. A amoreira/sicômoro eram arvores que possuíam raízes tão profundas, que se tornavam difíceis de serem extraídas. O que o mestre pretende dizer? Que não importa a quantidade da fé, mas a qualidade dela. Ele a compara a um grão de mostarda, tão pequena semente. Jesus pretende ensinar seus discípulos que não importa uma fé gigante em termos de quantidade, mas da fé enquanto disponibilidade de relação. Se esta disponibilidade relacional, esta resposta existir da parte do homem e da mulher, eles podem se relacionar com Deus na condição de filhos.

 

Neste sentido, a fé, relação entre o homem e Deus, é o que habilita o ser humano para o horizonte da relação com Deus, a partir da condição de filho. E é interessante notar que a comparação da qual Jesus se serve, o grão de mostarda, que é aquela pequena semente, mostra para os discípulos que esta fé não uma fé ideal (grande, qualitativa, ou, mesmo perfeita), mas a fé real, perpassada pelos desafios, pelos obstáculos e dificuldades da vida. A fala de Jesus é uma denúncia: os discípulos não possuem a fé; não estão respondendo ao dom do amor de Deus; não estão se relacionando com Ele na forma e no modo de filhos, que abraçam ao amor e a misericórdia e frutificam este amor e esta misericórdia na relação com os outros.

 

Jesus propõe, pois, uma alternativa, através da parábola do patrão e do servo. Se os discípulos não acolhem a Sua oferta de se tornarem filhos à semelhança da vida e do amor do Pai, podem assumir a condição de servos. É o que as parábolas do servo e do patrão querem acenar (v.v. 7-10).

 

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.

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