O evangelho deste vigésimo sexto domingo do tempo comum, continua a leitura do capítulo nono do evangelho segundo Marcos. O contexto é o mesmo do domingo anterior: Jesus ensinando os discípulos no caminho para Jerusalém. Nesta altura da catequese do evangelista, Jesus já havia feito dos anúncios a respeito de sua paixão. Mas, mesmo assim, os discípulos ainda tinham dificuldades em aceitar o caminho do mestre. Nutriam em si as ideias de grandeza, poder e exclusividades. É a essas coisas que Jesus, na narrativa de hoje procura corrigir em seus discípulos – e Marcos, à sua comunidade.
A atividade de “expulsar demônios” nos evangelhos, e principalmente em Marcos, significa a promoção da liberdade e da dignidade das pessoas. É abrir as portas do Reino de Deus, tornando-o acessível a todas as pessoas. É a difusão da boa nova que transforma vidas, rompendo com as estruturas de morte e opressão vigentes em qualquer sistema. Uma atividade assim, de promoção plena do bem das pessoas não pode ser estranha ao programa e à mensagem de Jesus, independente do grupo ou movimento a qual se pertença. Quem faz o bem ao próximo, está em sintonia com Deus.
Ora, se expulsar demônios no Nome de Jesus, ou seja, fazer e promover o bem, a libertação e a adesão ao Reino de Deus na vida das pessoas é obra de quem está em comunhão com Jesus, e que aceitou seu projeto de amor e de serviço aos irmãos, até às últimas consequências, dar um copo de água adquire a mesma força e tem a mesma importância. É o que pretende ensinar Jesus através do dito contido no v.41. Este gesto era, para a mentalidade semita, uma das maiores demonstrações de hospitalidade e acolhida. A recompensa, aqui, significa a pertença a Jesus e sua comunidade. O ensinamento que ressoa através deste versículo é o seguinte: eles não devem esperar muita coisa, nem grandes adesões; basta um simples gesto de reconhecimento da pertença a Cristo, para que os destinatários sejam recompensados, ou seja, entrem em comunhão com sua vida.
No entanto, quem pretende seguir o caminho oposto, o do exclusivismo, do fechamento e do fanatismo; bem como da grandeza e do poder acaba se tornando ocasião de escândalo. A palavra escândalo vem do grego σκανδαλίζω / eskhandalos, que significa pedra (lit. pedra de tropeço). No ensinamento de Jesus quem age desta forma se torna oposição para o projeto de Deus, e põe obstáculos aos pequeninos impedindo que eles se acheguem à Deus. Os pequeninos são símbolos para os excluídos, os marginalizados, os pobres, os pecadores que estão aderindo à mensagem de Jesus. Escandalizar, aqui, é criar obstáculo ou impedimento à fé e à vida digna. O maior exemplo de escândalo numa comunidade são o espírito de fechamento, exclusivismo, fanatismo, a grandeza e busca pelo poder.
Qual a sentença de Jesus: “ser lançado ao mar com uma pedra de moinho”. Primeiramente, uma pedra de moinho pesava uma tonelada. Em segundo lugar, o mar representava toda a impossibilidade de salvação, pois simbolizava a força antagônica à Deus; significava ainda a impossibilidade de salvação do corpo da pessoa, devido a dificuldade de ser encontrada, não podendo receber uma sepultura digna e, consequentemente, não tendo direito à ressurreição dos mortos do último dia, conforme acreditavam os judeus. Por isso, a nível de curiosidade, a morte por afogamento era muito temida no tempo de Jesus pelos judeus. Com esse dito do v.42, Jesus quer chamar a atenção dos discípulos para o perigo da autocondenação, quando este se torna ocasião de escândalo (obstáculo).
Em seguida, Jesus orienta que se as mãos, os pés e os olhos são ocasiões – favorecem – ao pecado, devem ser cortados e jogados na ghena, no fogo que não se apaga. Muito cuidado com a interpretação deste dito, pois ele não pode ser entendido literalmente Jesus, através destes conselhos orienta que seja cortado o mal pela raiz: aquilo que leva mãos, pés e olhos a serem ocasião de escândalos deve ser “cortado” (tirado fora) da vida do discípulo. A mão, o pé e o olho (cf. vv. 43-47) eram, de fato, os membros do corpo responsáveis pelo bom ou mau comportamento das pessoas, segundo a mentalidade semita.
As mãos, representam todo o agir da pessoa, e a geração e transmissão de vida e de bênçãos. Os pés representam a conduta (símbolo do caminhar), podendo levar a pessoa por caminhos justos e injustos; é melhor não ter pé do que andar por caminhos errados. O olho, como “lâmpada do corpo” (cf. Mt 6,22) é a porta de entrada dos sentimentos e desejos alimentados no coração da pessoa; tudo o que é pensado e discernido no coração, sentimentos bons e maus, passa pelo olho.
Que o evangelho de hoje ilumine nosso discipulado e nos ajude a podar tudo o que leva-nos a ser sinal de escândalo no seguimento a Jesus.
Pe. João Paulo Sillio.
Santuário
São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.
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