O Evangelho deste vigésimo quinto domingo do tempo comum apresenta o segundo anuncio da paixão feito por Jesus aos seus discípulos. Em continuidade temática ao evangelho da semana passada, onde Jesus, após a confissão de fé da comunidade dos Doze, fizera sua catequese aos discípulos sobre o seu modo de ser e agir como messias, Marcos nos narra mais um ensinamento do mestre sobre o seu messianismo.
O texto de que meditaremos situa-se após o episódio da transfiguração (cf. Mc 9,2-13) e a expulsão de um espírito impuro de um jovem epilético (cf. Mc 9,14-29), podendo ser dividido em duas partes, onde a primeira situa-se no caminho de Jesus e dos discípulos pela Galileia (vv.30-32). Enquanto que a segunda parte se desenvolve ao interno de uma casa (vv. 33-37). Dois ambientes importantes para a pedagogia do evangelista, pois o caminho alude à condição da própria comunidade cristã dos primeiros séculos, em especial a de Marcos, que se encontrava sem lugar físico e seguro para reunir-se em face à ruptura, perseguição e expulsão dos judeus-cristãos das sinagogas judaicas. Caminho tem a ver com instabilidade, com perigo, mas também com a dinâmica missionária da comunidade cristã: uma comunidade em caminho e em saída. E a casa, por outro lado, representa a necessidade da acolhida, das relações fraternas que devem permear a vida da comunidade cristã: um lugar de compreensão, acolhida e vivência do amor fraterno. Vamos ao texto.
Dos v.30-31, o evangelista nos informa que Jesus e seus discípulos atravessavam a Galileia, só que em segredo. Jesus pretendia ensinar seus discípulos a sós. Ele havia percebido, no episódio da confissão de fé em Cesareia, que a mentalidade dos discípulos sobre ele e seu messianismo estavam equivocadas. Por isso, decide-se por levar os doze a parte para ensiná-los. Era necessários estar a sós com eles para intensificar a catequese.
Mas o que os discípulos não compreendiam? Justamente o fato de Jesus viver sua missão (seu messianismo) na ótica da paixão e do sofrimento. Isso não entrava na cabeça dos que desejavam e esperavam um messias de acordo com as ideologias nacionalistas da época: um político ou estadista que viria restaurar o trono e o ideal davídico. Eles não aceitavam o fato de um messias servo, que devesse sofrer até às últimas consequências. O serviço é uma lógica difícil de se assimilar para quem só tem em mente o poder e a dominação.
Qual o conteúdo deste ensinamento de Jesus? Ele mesmo responde, dizendo que “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele ressuscitará” (v. 31bc). Esse é o segundo anúncio da paixão. Enquanto os discípulos, conforme a ideologia nacionalista, esperavam que o messias matasse, declarando guerra ao poder romano para recuperar o ideal davídico, Jesus afirma o contrário: é ele quem vai morrer. Mas os discípulos não compreendem, nem ao menos ousam interroga-lo. Silenciam, apenas (v.32). É o sinal de quem tem medo de confrontar-se com a realidade e prefere, ainda, refugiar-se em seus próprios esquemas, convicções ou modo de vida desconectados da realidade do seguimento ao Mestre.
O v.33 informa que Jesus e os discípulos chegam em Cafarnaum. Importante essa localização. Foi alí que tudo começara: o seguimento, a relação pessoal com Jesus, a partilha de sua vida. É necessário voltar às origens; recomeçar, ressignificar. Ora, com o caminho da paixão já anunciado por Jesus, se torna cada vez mais necessário reavivar nos discípulos as motivações para o seguimento com bastante clareza.
Jesus, então, toma a iniciativa, mesmo conhecendo-os profundamente, como o Marcos nos informa através de uma focalização interna das personagens, e os questiona acerca da conversa que vinham, ao pé do ouvido, tendo durante o caminho. Marcos ainda informa que “eles ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (v. 34). Com isso, o evangelista revela que os discípulos estavam em total oposição ao projeto do mestre. De fato, discutir quem é o maior, significa negar completamente o projeto de Reino de Deus como fraternidade e igualdade. Essa discussão revela ambição e alimenta rivalidade, elementos impensáveis para uma comunidade que deve viver o princípio da igualdade e do amor.
Jesus sentou-se, informa-nos Marcos. Com esse gesto ele retoma para si a imagem do Mestres que ensina seus discípulos. Ele é o único mestre e, por isso, o único maior naquele grupo. Outra atitude questionadora de Jesus: Ele chama para perto de si os doze. Através deste gesto, convida-os a retomar a condição de discípulos e a voltar aos primeiros ventos do chamado e da vocação originária, que haviam perdido devido à lógica da grandeza e da ambição que tinham alimentado. Ora, para aprender é necessário, acima de tudo, proximidade e identificação com o Mestre e com o que ele ensina.
Seu ensinamento é manifestado com clareza: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” (v. 35). Os discípulos pensam em poder e grandeza, mas Jesus lhes mostra e oferece outro caminho. Só há uma forma de ser o primeiro na comunidade: tornando-se servidor de todos. Significa “renunciar a si mesmo”, como ele já tinha dito anteriormente (cf. Mc 8,34). O discipulado não é um caminho para o sucesso, mas para o serviço.
O ensinamento de Jesus comporta também uma gestualidade profética e provocadora. O v. 36 mostra-o chamando uma criança e colocando-a entre eles. Devemos lembrar que a criança, tanto na mentalidade semítica do povo de Jesus, como na mentalidade grega era um ser desprezado por sua condição “inacabada”, ou seja, ela ainda não era gente no sentido de pertencer ao povo. Talvez Jesus não queira tanto propor em exemplo a simplicidade da criança (como em Mc 10,13-15 e Mt 18,3), mas antes mostrar que na aparente insignificância da pessoa humilde, porém integrada na obra do Reino em nome de Jesus, se torna presente a vontade do próprio Pai. Ora, a criança também é símbolo dos pequenos, excluídos e marginalizados.
O evangelho deste domingo pretende ensinar para os leitores-discípulos três coisas: 1) a verdade sobre o mestre Jesus e seu messianismo, que não é centrado no poder e na grandeza, mas no fazer-se último e servidor de todos, até às últimas consequências, na doação de sua própria vida, quer acolhendo os pequenos, quer dando de si mesmo na fidelidade ao projeto do Reino de seu Pai; 2) pretende iluminar a conduta do discípulo de Jesus, a de ser o último e servidor de todos; 3) quer orientar a vida e o proceder da comunidade dos discípulos, a Igreja: ela deve acolher as pessoas consideradas pequenas, humildes, pobres, mulheres crianças e todas as categorias desprezadas pela sociedade, pois elas são destinatárias e protagonistas do Reino. A comunidade e o discípulo só serão, de fato, cristãs se, ao invés de excluir, acolher e reinserir os crucificados e crucificadas de hoje e de sempre.
Pe. João Paulo Sillio.
Santuário
São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.
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