sábado, 28 de agosto de 2021

REFLEXÃO PARA O XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mc 7,1-23:


 

A liturgia dominical propõe para a nossa meditação o texto do capítulo sétimo do evangelho de Marcos, retomando, assim, a leitura da sua catequese evangélica proposta para este ciclo litúrgico. A pedagogia litúrgica é sugestiva, ainda que pareça provocar a quebra na sequência das leituras bíblicas. Através de quatro domingos ela nos colocou em contato com a catequese do Quarto Evangelho, com a leitura do capítulo sexto, o discurso acerca do pão da vida. Nele, Jesus se apresenta como pão vivo que tem a missão de alimentar a vida das pessoas. Na medida em que Ele e seu projeto se apresentam como proposta de vida, as lideranças religiosas de seu tempo, bem como a própria religiosidade, com suas tradições humanas, emergem como símbolo e força de morte, colocando-se contrárias ao querer de Deus que se manifesta através de Jesus. Feita esta consideração inicial, podemos adentrar no horizonte do texto de hoje.

O capítulo sétimo começa com uma informação importante oferecida pelo evangelista Marcos: “Os fariseus e alguns mestres da Lei vieram de Jerusalém e se reuniram em torno de Jesus” (v.1). Compreendendo as personagens: os fariseus são aquele grupo conhecedor das tradições antigas, dos preceitos e das leis do povo de Israel. Por observarem-nas acham-se superiores dos demais, e, por isso, vivem separados do restante da população. O mesmo vale para os mestres da lei, são versados nas Escrituras. Agora, atenção para o verbo que o evangelista Marcos utiliza para ilustrar a atitude desses dois grupos: é o verbo synago (gr. συνάγω), do qual deriva a palavra Sinagoga, que significa reunião. O evangelista quer ilustrar com esse verbo que a atitude e a intenção destes grupos em relação à Jesus têm suas raízes nas tradições e nos costumes cultivados no ambiente sinagogal. Mas qual a gravidade do fato que faz com que estes dois grupos se dirijam até Jesus?

O v.2 responde: “Eles viam que alguns dos seus discípulos comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado”. Não se trata de uma questão higiene, mas de pureza ritual. E o evangelista continua explicando para seu leitor, que não é judeu, mas que se encontra em Roma pelos idos dos anos 65-70 d.C, os hábitos e os costumes judaicos relativos à pureza ritual (v.3-5). E acusação é a de que os discípulos de Jesus não se comportam segundo a tradição dos antigos. Para os hebreus, Moisés no monte Sinai havia recebido a Lei de Deus na sua forma escrita (os cinco primeiros livros da Bíblia, o Pentateuco) e oral (comentada), e esta seria mais tarde culminaria no famoso Talmud, o conjunto das tradições antigas do povo de Israel. Detalhe: no livro do Levítico, encontramos o capítulo onze, o qual trata, do começo ao fim, do que é puro e do que é impuro.

De 6-8, Jesus responde aos fariseus e aos mestres da Lei, os teólogos oficiais da sociedade de seu tempo: “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam, pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos. Vós abandonais o mandamento de Deus para seguir a tradição dos homens”. Os líderes do povo são chamados por Jesus de hipócritas. O termo remete às máscaras que os atores gregos usavam nas peças de teatro. Ele está denunciando que a religiosidade e a forma em que viviam eram pura encenação. A religiosidade estava descomprometida da vida do povo, se tornou um gesto exterior e não mais uma atitude que brota da interioridade, é o que Jesus quer dizer ao tomar o profeta Isaias emprestado no tocante ao coração. O coração é a sede das escolhas e das opções, bem como dos pensamentos do homem, conforme a antropologia bíblica. Ele desempenha a mesma função da consciência para nós ocidentais. Ou seja, a prática religiosa está distante do coração, lugar de onde Deus pode falar e ser escutado. Logo, está distante do querer de Deus. E o pior: acabam elevando tradições humanas ao alto grau de vontade divina. Esta é a hipocrisia denunciada por Jesus. Os chefes do povo acabaram por subverter o querer e a vontade de Deus. Pretendendo-se legisladores sobre o que é puro e o que não é.

A partir do v.14, Jesus ressignifica a questão para seus ouvintes. Com dois verbos no imperativo, “escutai” e “compreendei”, ele pretende chamar a atenção dos discípulos para um ensinamento importante: “o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior”. Novamente Jesus insiste na temática da interioridade, que acena para o coração como sede do pensamento e da ação; dali brotam as ações que tornam a pessoa impura. São elencadas doze atitudes, e todas elas fora do campo religioso, cultual, ou seja, daquele âmbito permeado pelas questões de pureza e impureza. 

São doze atitudes ligadas ao campo das relações humanas, isto é, relacionadas à possibilidade de ruptura com o mandamento do amor ao próximo. O número doze na tradição bíblica simboliza totalidade. O que Jesus quer ressignificar para seus discípulos e que o evangelista Marcos transmite para sua comunidade e para nós é que todas as atitudes que desarmonizam a relação com o outro se tornam oportunidade para afastamento do querer e do projeto de Deus. Isto é o que torna o ser humano impuro.

 

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.


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