sábado, 10 de julho de 2021

REFLEXÃO PARA O XV DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mc 6,7-13:

 


O trecho do evangelho de Marcos que a liturgia do décimo quinto domingo do tempo comum propõe para a meditação, situa-se na continuidade do texto da semana passada. Jesus, ao constatar a grave enfermidade de Israel, em face ao projeto de Deus, simbolizadas pelas duas personagens femininas do capítulo quinto – a mulher hemorrágica e a menina Thalita – e, seguida da rejeição à Boa Notícia, ele toma a iniciativa de enviar os discípulos. É o texto que meditaremos a seguir, Mc 6,7-13.

Antes de tudo, se faz necessário compreender uma dinâmica pessoa e pedagógica de Jesus, que Marcos realça: Ele constitui, chama e elege um grupo de seguidores próximos para “permanecer com Ele” (Jo 1,35; Mc 3,13-19), ou “elegeu-os para que ficassem com Ele”.  Muito importante! Jesus não constitui um grupo para transmitir lhes preceitos, doutrinas ou ideias. Mas para que estabelecessem uma relação pessoal com Ele. A fé não consiste numa doutrina, mas numa relação de caráter existencial com um Outro, que é o próprio Deus. O discípulo deverá ser aquele que toma parte, primeiramente, do modo de vida de seu mestre. Depois, de seus ensinamentos, podendo, por fim, viver a mesma dinâmica existencial assinalada pelo mestre. Discipulado, é, antes, uma experiência de vida e de seguimento! Aprendizado e assimilação, que acontecem na cotidianidade da experiência existencial e relacional com aquele a quem se chama de mestre.

Jesus percebe que a enfermidade de seu povo se tornara aguda e crônica. Vendo que não daria conta sozinho, decide-se por enviar os discípulos em missão pelas vilas e povoados da Galileia, de modo a cooperarem com Ele na tarefa de reconduzir a Israel no caminho e no projeto de Deus. Acontece, que Ele sabia que os seus discípulos ainda não estavam completamente preparados. Haja vista as futuras correções e censuras que fará a eles. Por isso, o texto de hoje funciona como um manual e programa de vida para os discípulos. A partir destas constatações podemos mergulhar no oceano do texto.

“chamou os Doze, e começou a enviá-los dois a dois” (v. 7a). Jesus não se fecha diante da rejeição sofrida em sua própria terra, e, prova disso é o envio dos seus, de modo que a missão e a Boa Notícia trazidas por Ele pudessem chegar a todos. Envia “dois a dois”. Em primeiro lugar, para mostrar a dinâmica comunitária da Fé. De acordo com a mentalidade judaica, para que uma notícia fosse aceita, ela precisava ter o testemunho de mais de uma pessoa. Esta Fé não é excludente, exclusiva e individualista. É, essencialmente, comunitária. Não se trata de uma propaganda ou marketing, mas um anúncio de salvação e libertação. Não deve haver espaço para individualismo no seio da comunidade de Jesus. A Fé deve ser experimentada e vivida no espírito da partilha, comunitariamente! Em segundo lugar, envia-os “dois a dois” para que os missionários possam encorajar-se mutuamente; lembrarem-se de que os dons do Reino e a Fé que anunciam  não são propriedades deles. Pertencem a Deus!

“dando-lhes poder sobre os espíritos impuros” (v. 7b). Na verdade, o texto grego seria melhor traduzido por “dando-lhes autoridade (gr. exousia)”. Primeiramente, “espíritos impuros” são todas as forças, mecanismos e esquemas maléficos que impedem com que o homem possa responder livremente à Graça de Deus e, portanto, ao seu agir: o Reino. São simbólicos para indicar a realidade do Mal no mundo. Esquemas e mecanismos de morte, de corrupção, de mundanidade, que alimentam as estruturas de morte, que não permitem que o ser humano se relacione com Deus, consigo próprio e com o irmão. Importante notar que muitas vezes, esses elementos eram criados pela própria religião, como a segregação e condenação por doenças físicas e psíquicas. Mas o que vem a ser este poder-autoridade?

O Poder, na verdade, é a autoridade (gr. ἐξουσία / exousia) do próprio Jesus! Não se trata de uma força mágica. Se trata da conduta, do modo, do éthos existencial do próprio Jesus, que o discípulo assimilou em seu processo de discipulado. Compreendamos e estejamos atentos para um fato importante da vida e missão de Jesus: “ele ensinava como quem tem autoridade (Mc 1,40)”, diferente dos escribas, fariseus, saduceus, ou seja, o ensino de Jesus (seu modo de ser e ensinar) superava as aparências religiosas daquelas lideranças. Ele vivia o que ensinava (vivia o que dizia!), e nisso consiste a Autoridade que ele recebeu do Pai: fazer e dizer tudo o que o Pai lhe manda.

Jesus confere aos discípulos os mesmos dons que recebeu do Pai, e os capacita a tornarem real a sua própria presença durante a missão. O poder (gr. exousia) conferido sobre tudo isso é o mesmo que Ele próprio já exercia. Não é um poder de domínio sobre as pessoas, mas o contrário: é o poder-autoridade de combater tudo o que escraviza e priva o ser humano de sua liberdade e dignidade.

Ao serem enviados, Jesus lhes orientara que não levassem nada para o caminho, a não ser um cajado; nem pão, nem sacola, nem dinheiro na cintura. Mandou que andassem de sandálias e que não levassem duas túnicas” (vv. 8-9). O que significa isso? Estas orientações visam incutir no coração dos discípulos a coerência, simplicidade e austeridade em face a essencialidade do anúncio do Reino, e para que aprendam, constantemente, a confiar e viver da Providência Divina.

Andar de sandálias alude ao caráter itinerante da sua missão: um constante caminhar. Ora, o lugar do discípulo não é o lar com seu conforto, mas a estrada com seus perigos e adversidades. Evidentemente, nada daquilo que possa anular a vida do discípulo. Esta é importante para a missão! O Discípulo não poderá estar imbuído da mentalidade do super-herói ou do famoso complexo de messias, querer resolver tudo, e mais um pouco. Ele deverá ter a coerência e a convicção de que não fará nada além do que o mestre tenha feito. Se as adversidades lhes sobrevierem, que assim seja unicamente enquanto consequência livre da vida que levam em nome de Jesus e da Missão. Mas que não as procurem. Isso é heroísmo e não discipulado!

O evangelista se recorda, ainda da hospitalidade. “Quando entrardes numa casa, ficai ali até vossa partida” (v. 10). Aqui, além de chamar a atenção dos missionários para aceitarem o que lhes for oferecido como hospedagem, também se chama a atenção da comunidade para acolher os peregrinos e missionários em casa. Ora, a hospitalidade – a capacidade de receber e acolher alguém é sempre, ao interno da tradição bíblica, oportunidade de se fazer experiência de Deus. Permanecer quer dizer criar relações e laços duradouros. Da mesma forma, é necessário que as casas dos membros da comunidade estejam sempre disponíveis para a acolhida dos peregrinos e necessitados.

Dissemos acima que o discípulo é convidado a tomar parte da vida do mestre, em todos os seus aspectos e dinâmicas. Por isso, é caro a Marcos (e a Mateus também), apresentar que o que acontece com o Mestre Jesus, acontece (ou acontecerá), igualmente, na vida do discípulo. Por isso, o discípulo só estará devidamente (e não completamente) pronto para missão quando tiver assimilado a vida de Jesus. Quando tomar consciência de que aquela vida também é perpassada pelo sofrimento, rejeição e recusa. A vida do discípulo nunca será sucesso constante, nem será cômoda, tampouco uma vida “sob holofotes e fama”. E se isso assim se apresentar, tenham a certeza de que não se trata do cristianismo proposto por Jesus. Poderá ser, sim, algum tipo de catolicismo ou evangelismo híbrido que camufla o marketing, a propaganda, a prosperidade. Mas não será projeto de Jesus, tampouco indicativo de um genuíno discipulado cristão.  Isso se verifica no v.11, que nos mostra Jesus dizendo “Se em algum lugar não vos receberem, nem quiserem vos escutar, quando sairdes, sacudi a poeira dos pés, como testemunho contra eles”. A rejeição é sinal de que a Missão e a Palavra anunciada são de Deus, e não maquinação ou ilustração humana; serve, igualmente para indicar que a vida do discípulo-missionário é uma vida coerente com o a Palavra de Deus.

Se existe recusa, o discípulo-missionário não deverá fazer birra, nem qualquer tipo de chantagem barata, tampouco drama, muito menos assédio psicológico ou moral. Não deve sequer deixar-se abater. O discípulo deve respeitar a liberdade daqueles que recusam pois a Boa Nova do Reino e a Fé não devem ser impostas. Antes, propostas. O Evangelho é, e sempre será convite, proposta. O Reino é anunciado e ofertado, jamais imposto!

No entanto, Jesus prevê um gesto um tanto curioso para os discípulos, em face a rejeição: “sacudir a poeira dos pés, como testemunho contra eles”. Esse gesto deve ser muito bem compreendido para não gerar equívocos, muito menos assombrar o imaginário das pessoas. O gesto de sacudir a poeira dos pés não é uma condenação! É, antes, uma confirmação de que o Evangelho proposto foi rejeitado. Sinal de rejeição – recusa – fechamento diante da Boa Nova do Reino.

Dadas as instruções de envio, “os doze partiram e pregaram que todos se convertessem” (v. 12). Quanto ao conteúdo específico da pregação, o evangelista não entra em detalhes. Apenas diz que consistia num anúncio de conversão. Ora, conversão  significa mudança de mentalidade e pensamento. A adesão aos valores do Evangelho exige rupturas com a maneira tradicional de pensar e compreender as coisas, inclusive a relação com Deus.

“Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos doentes, ungindo-os com óleo” (v. 13). Marcos já informa os seus acerca do resultado da missão. Uma constatação importante é a de que os doentes são, para o evangelista, a síntese do necessitado e, por isso, destinatários privilegiados da Boa Nova. O catequista bíblico mostra os êxitos. Mas a principal razão para chegar a tais resultados é a fidelidade ao que foi recomendado. Quando a proposta de conversão proposta pelo Evangelho é aceita, os sinais do Reino de Deus se evidenciam.

Ao meditar este evangelho, somos convidados a 1) Compreendermo-nos em nossa missão de discípulos-missionários do Reino, refletindo acerca de nossa fidelidade ao ensinamento e anúncio de Jesus; 2) compreender que fomos (e somos) enviados a recuperar vidas; 3) procurar retornar ao modo de vida proposto e esperado por Jesus – vivendo à maneira dele, como ele mesmo recomendou aos discípulos da primeira geração. Enquadramo-nos neste projeto? Temos percorrido este caminho? O temos assimilado? Nos dispomos a trilhar os passos de Jesus? 

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.


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