sábado, 19 de junho de 2021

REFLEXÃO PARA O XII DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mc 4,35-41:

 


A liturgia do décimo segundo domingo do tempo comum propõe a continuidade da leitura e meditação do capítulo quarto do evangelho de Marcos. Terminado o ensino em parábolas, as quais ilustravam o dinamismo do acontecimento do Reino de Deus na história, Jesus toma a decisão de ir para a outra margem do mar da Galileia. De antemão se faz necessário esclarecer que esta passagem, conhecida como a “tempestade acalmada”, na verdade, reflete o ambiente das primeiras comunidades cristãs, bem como a do próprio Marcos. A crise da comunidade dos discípulos ao se dirigirem aos pagãos, aos de fora. O escrito marcano é, por assim dizer, uma catequese destinada a todos. É um evangelho universal. O evangelista tem a preocupação de fazer com que a experiência com Jesus de Nazaré chegue a todos. Isso posto, podemos mergulhar no horizonte do texto bíblico.

“Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: Vamos para a outra margem!” Jesus dá uma ordem aos discípulos para se dirigem para o outro lado do mar. A sua missão se desenvolve na Galileia durante toda a narrativa, até a subida para Jerusalém, no capítulo onze. A Galileia era, no tempo de Jesus, território pagão, e, portanto, desconsiderada pelos judeus do sul. Ir, pois, para o outro lado da margem do lago significaria para os discípulos adentrar ainda mais em território pagão.

Os discípulos despedem a multidão e, com Jesus, direcionam a barca para a outra margem (v.36). O evangelista faz questão de informar, ainda, que existem outras embarcações ao redor deles. A barca, portanto, não era a única. Para Marcos, elas funcionam como símbolo para a comunidade cristã que deve ir sempre mais aos que se encontram fora do projeto amoroso de Deus em Jesus.

Os vv.37-39 narram a tempestade que assalta a barca e que põe medo nos discípulos. Ao mesmo tempo que mostra um contraste entre eles e Jesus. Marcos faz questão de anotar que o “mestre” está dormindo sobre um travesseiro, na popa da embarcação. Até que é acordado pelos discípulos. Eles o chamam de “mestre”. O evangelista tem uma fina ironia ao relatar isso. Ele pretende informar aos seus leitores-discípulos que mesmo convivendo com Jesus, na condição de mestre, os doze ainda apresentam dificuldades em compreender o que Jesus faz, vive e ensina. Por isso, a bronca dos discípulos “Não te importas que pereçamos?”. Os discípulos apresentam a atitude e a qualidade contrárias ao ensinamento e ao projeto de Jesus, o medo. O medo é, na tradição bíblica, o contrário da fé.

O sentido de fé, na Bíblia, é a constância e firmeza com que se confia em quem o merece (em hebraico emet = fidelidade, firmeza). Em primeiro lugar, em Deus. No evangelho de Marcos, significa essencialmente a firme confiança em Deus e em Jesus, seu enviado. Assim, na catequese marcana, o primeiro sentido de fé é o crer no evangelho (1,15); a confiança no anúncio da chegada do Reino e naquele que o anuncia. Um segundo sentido corriqueiro em Mc é a confiança nas obras de poder que respaldam o anúncio da boa-nova e inauguram a realidade do Reino. Esta é a fé em milagres, como atitude de abertura para o Reino. Para se deixar invadir por esta fé é preciso converter-se, mudar de mentalidade.

Por isso, o que o evangelista descreve a seguir é fascinante. Notemos que ele põe um certo ritmo na cena: a tempestade está “de pé”, os discípulos estão amedrontados, e Jesus, deitado; Jesus se levanta, e ordena que o mar e o vento se calem e silenciem, e, imediatamente, a tempestade é “deitada” por Jesus, que está em pé. Marcos utiliza aqui as mesmas ordens que Jesus já dera aos espíritos maus anteriormente: “cala-te; silêncio” (gr. σιωπάω / siopáo; φιμόω / fimóo).

Os discípulos passam do medo ao temor. Porque na tradição de Israel, quem tem poder sobre as forças da natureza, os ventos, e, domina sobre o mar é Deus. Marcos descreve, portanto, uma teofania para revelar aos seus discípulos a identidade de Jesus. Deus está nele. Ele é o Seu plenipotenciário e encarregado de inaugurar o Seu agir nesta história. Mas os discípulos ainda apresentam resistência e incompreensão. Questionam-se acerca da identidade de Jesus, “Quem é este que até o vento e o mar obedecem?”. Esta pergunta – Quem é Jesus? – percorrerá todo o evangelho e só será respondida no capítulo quinze, através do testemunho do centurião romano (Mc 15,19). Um pagão.

Aqui se encontra o significado desta tempestade que assola a barca dos discípulos. Ela é, na verdade, um símbolo e uma metáfora para o temperamento e o estado de ânimo deles. Eles não querem ir aos pagãos. Eles se encontram resistentes em ir ao encontro dos que estão fora. Os discípulos não querem saber disso. Pensam que somente Israel é o fiel depositário da benção e da salvação de Deus.

A tempestade é uma metáfora para os sentimentos dos discípulos, a arrogância e superioridade que nutriam frente aos pagãos; os de fora. Para eles, estes devem ser dominados e não acolhidos e servidos. Por isso, essa tempestade não incomoda a Jesus, porque é desejo e programa de vida dele ir além, e fazer com que o Reino chegue a todos. Ele não participa da tempestade dos discípulos, e por isso a exorciza, a expulsa do meio deles.

Permitamos que o Senhor, sempre presente na barca de nossa vida, acalme e exorcize nossas tempestades. Toda e qualquer resistência ao seu projeto de vida e amor. E que nos coloquemos com ele na direção daqueles que se encontram fora; dos excluídos e marginalizados.

 

Pe. João Paulo Sillio.

Pároco do Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.


Nenhum comentário:

Postar um comentário