O capítulo quarto do evangelho de Marcos apresenta um ensinamento em parábolas de Jesus. A parábola é um gênero literário e, também, uma maneira pedagógica de ensinar. Deriva do Mashal, pertencente ao ensinamento sapiencial (livros sapienciais da bíblia hebraica, meshalim) do tempo de Jesus.
As parábolas recolhem exemplos do ambiente cotidiano da sociedade, através de uma linguagem simbólica e simples, que todos conhecem, e levam os leitores e ouvintes a descobrirem o que ainda não sabem. Não se trata de uma linguagem matematicamente exata, mas sugestiva. De elementos simples, as parábolas carregam consigo elementos “exagerados” que visam chamar a atenção do leitor ou ouvinte, a fim de provocá-los, deixando-os com “a pulga atrás da orelha”, de modo a fazer-lhes “cair a ficha”. O ensinamento de Jesus é sapiencial, assim como o modo de sua existência. Ele bebeu da sabedoria de seu povo. Seu modo de falar era sapiencial e seu modo de agir, profético. Ele usa do gênero das parábolas para ensinar, provocar seus ouvintes, e chamar lhes a uma decisão.
O texto litúrgico deste domingo é situado na parte final do ensino em parábola sobre o acontecimento dinâmico do Reino. Para falar desta realidade, Jesus usa, preferivelmente, as imagens agrícolas ou relacionadas a natureza, com seus processos vitais de crescimento, desenvolvimento e maturação.
Em 4,26, o evangelista recupera as palavras de Jesus: “o Reino de Deus é como um homem que lança a semente na terra”. O Reino (ou Reinado) de Deus é a atuação mesma de Deus na história, na realidade, através de Jesus de Nazaré. Aqueles que aderiram a sua pessoa e a sua mensagem deverão sempre, e, constantemente, comprometer e engajar-se na construção e manutenção de uma realidade, sociedade e história alternativas à realidade presente. Deverão assumir o modo de vida de Jesus de Nazaré.
“É como um homem que lança a
semente sobre a terra”. Jesus, no início do capítulo, falara de uma semente,
a qual torna-se termo de comparação, e, portanto, metáfora para a sua Palavra
que traz consigo o acontecimento do Reino. De acordo com a parábola, aquela
semente fora lançada em quatro terrenos, sendo que nos três primeiros elas não
deram fruto. Símbolo da falência (aparente) do projeto. Mas no quarto terreno
(ou “num único terreno”), a semente frutifica imensamente (trinta – sessenta –
cem frutos). O evangelista pretende, através deste ensino de Jesus, ilustrar o
que acontece com o homem que entrou em contato com a Palavra (mensagem e
projeto de vida) de Jesus: ele libera toda a sua potencialidade de vida.
Jesus acrescenta, em seguida, que a terra, espontânea e processualmente produz os frutos: primeiro aparecem as folhas, as espigas e, por fim, os grãos. Note-se que é o mesmo processo gradual que ocorreu com o terreno bom da parábola anterior: produziu trinta, sessenta, cem. Marcos quer acenar para a realidade que acontece com o homem: aquele que entrou em contato com a Mensagem-Palavra de Jesus libera plenamente suas potencialidades.
“Quando as espigas estão maduras, o homem mete logo a foice, porque o tempo da colheita chegou”, Jesus serve-se de um momento de extrema importância e de grande alegria para o povo, no contexto agrícola em que viviam: a colheita. Neste acontecimento, chamavam-se os vizinhos, parentes e amigos para colaborar com a colheita, que na verdade é o momento da “entrega” do fruto. O evangelista alude, com isso, a entrega em amor de Jesus. Por isso, a colheita-Entrega (do fruto) é um momento de plenitude e de vida.
Em seguida, Jesus interroga os ouvintes: “com que mais poderemos comparar o Reino de Deus? Que parábola usaremos para representá-lo?” (v.31). Por exemplo, o profeta Ezequiel estabelecia a comparação servindo-se da imagem do cedro (arvore frondosa e majestosa) sobre o monte altíssimo; algo de extraordinário, que mesmo à distância chama a atenção dos que o veem. No entanto, Jesus extrapola e não usa de algo tão grandioso. Pelo contrário, “O reino de Deus”, em seu momento de máximo desenvolvimento e pleno esplendor assume a realidade (e imagem) modesta, e, mesmo assim, eficaz, do grão de mostarda. Uma semente minúscula, que, comparada às demais, não chama a atenção. É simples!
Todavia, com profunda ironia, Jesus informa que, “apenas semeada, cresce e se torna a maior entre todas as hortaliças” (v.32). Aqui reside o elemento surpresa – ou extraordinário – do ensino parabólico: na horta da casa, no lugar simples e pequeno, e não na alta montanha, que o arbusto da hortaliça da mostarda, que simboliza o Reino de Deus pode florescer. Um arbusto insignificante, que não brilha, nem chama a atenção é símbolo do acontecimento do Reinado de Deus na História.
No v. 34, o evangelista informa que “Jesus anunciava a Palavra usando parábolas conforme compreendiam. E só lhes falava por meio de parábolas, e à sós com os discípulos, as explicava”. Ora, a vida de Jesus é parábola para o acontecimento do Reinado de Deus; sua vida é semelhante a semente que “foi entregue – colhida”, e só aquele que compreende a vida dele como entrega em amor, poderá compreender a sua mensagem-Palavra de vida. Somente o gesto da vida doada-em-amor torna possível compreender o Reino e a Palavra de Deus em Jesus. “A sós com os discípulos, as explicava”: aos discípulos, ele fala claramente porque deve instruí-los, para que eles deem testemunho e ensinem aos outros os mistérios do acontecimento do Reino de Deus. Quanto mais se doam aos outros mais se vive em sintonia com o amor e mais se compreende a Palavra. Esta Palavra, quando mais e melhor se compreende mais ela cria raízes no homem e o transforma.
O Reino não cresce em meio a espetáculos, em meio a grandiosidade e ostentação. Não cresce imbuído da mentalidade (da tentação) do sucesso, do êxito, da quantidade. Essa mentalidade não corresponde ao Reino de Deus e à Palavra de Jesus. Espetáculo, grandiosidade, quantidade, sucesso, prosperidades são as mentalidades e valores do anti-Reino, e não corresponde com a vida vivida por Jesus de Nazaré. Quem espera, concebe e apregoa um “reino” nesses moldes, não está anunciando o Evangelho de Jesus, mas se auto-anunciando. Quando colocamos a nós mesmos, os nossos projetos, nossos gostinhos à frente do Reino (Reinado) de Deus, estamos substituindo-o por nós ou pela mentalidade do mundo.
O anúncio do Reino segue a dinâmica vivida por Jesus. Por isso, 1) Que decisão tomamos diante do anúncio de Jesus? 2) Que imagem de Reino está em meu imaginário? 3) Estou em que grupo: o grupo dos que só entendem parábolas, ou no grupo com o qual Jesus fala abertamente?
Pe. João Paulo Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré /
Arquidiocese de Botucatu-SP.
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