A liturgia deste domingo propõe a leitura
do capítulo onze do evangelho segundo Lucas. Jesus e seus discípulos dão
continuidade a viagem de subida para a cidade santa. É importante relembrar que
esta viagem não é um deslocamento físico-geográfico tão somente. Mas um deslocamento
interior, que visa uma atitude exterior por parte do discípulo que caminha com
Jesus. É uma metáfora para a vida cristã, permeada do caminhar, mas também do
parar. Que não é uma parada qualquer, senão para a Oração.
O capítulo onze apresenta uma catequese-ensino
sobre a Oração. Ao seu interno, Lucas apresenta a Oração que Jesus ensina aos
seus. A fórmula da Oração do Senhor apresentada pelo terceiro evangelista é
considerada pelos biblistas como sendo a mais curta, e, por isso, a mais antiga.
É verdade, que outra versão se encontra no evangelho de Mateus, bem mais
elaborada, segundo as necessidades daquela comunidade e de seu autor.
O evangelista situa-nos no horizonte do
texto. Jesus encontra-se em oração (v.1). Por sete vezes, durante seu
ministério público, o evangelista mostra Jesus em oração, do batismo à paixão,
o que corresponde exatamente à totalidade do seu ministério (cf. 3,21; 5,16;
6,12; 9,18; 9,28-29; 11,1; 22,41). Tudo o que ele deve realizar, primeiro deve
ser discernido segundo a vontade de Deus. Por isso, a oração para Jesus
constitui-se o momento através do qual pode entrar em comunhão com Deus. Ela
revela que, tudo o que Jesus faz é da vontade e do querer de Deus.
“Quando terminou, um de seus discípulos
pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos”
(v. 1b). Era comum, nos círculos rabínicos, os mestres ensinarem ao seus discípulos
uma oração, a qual caracterizava a espiritualidade daquele grupo e do mestre,
bem como os distinguiam dos demais. Naturalmente, por terem primeiro sido
discípulos do Batista, conservavam na memória o modo de rezarem, segundo João.
Parece que Jesus tinha deixado seu grupo
muito à vontade, nesse sentido, o que poderia deixar seus discípulos até
inseguros, pois não tinham regras estabelecidas a cumprir. A regra de Jesus era
apenas o seu jeito de viver (CORNELIO, F, Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Jesus dá-lhes uma nova forma de se
relacionar com Deus. A novidade da oração de Jesus é, realmente, explosiva. Ela
subverte a lógica e os esquemas através do qual o judeu piedoso se relacionava
com Deus. Jesus chama o Deus de Israel de Pai. Nunca ninguém jamais havia tido
essa ousadia. A nível de conhecimento, o judeu sempre se dirigia a Deus como santíssimo,
altíssimo, Senhor-Adonai (YHWH), o Bendito, o Eterno. Somente Jesus se dirige à
Deus como Pai. É uma relação nova e inédita, superior à forma como se
relacionava Abraão, o amigo de Deus. Os discípulos não são chamados a serem somente
amigos de Deus, mas seus filhos. Outra novidade consiste no fato de que ao chamarem
Deus de Pai, e descobrirem-se filhos em relação a ele, descobrem-se também
irmãos.
A oração de Jesus encontra-se estruturada
sobre cinco elementos. Eles traduzem, para nós, o que é rezar. Os dois
primeiros (v. 2) provocam à abertura para o Pai; os três últimos (vv. 3-4) conduzem à transformação das relações
entre as pessoas.
A “santificação do nome de Deus” (v. 2) e
o “advento de seu Reino” (v. 2) estão intrinsecamente relacionados, a ponto de
confundirem-se. Ora, o nome de Deus já é santificado, porque Ele é,
essencialmente, santo. O pedido diz respeito ao reconhecimento dessa santidade.
Reconhecer a santidade de Deus é saber que Ele é Pai, aceitar a condição de
filhos e filhas e, portanto, viver como irmãos e irmãs. Isso é permitir que o
seu Reino seja instaurado entre nós (CORNELIO, F, Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Em seguida, Jesus ensina a pedir o “pão
necessário para cada dia” (v. 3). Esta petição revela, na verdade, a atitude da
confiança incondicional do discípulo em Deus. O ser humano, e, de modo
especial, o discípulo do Reino, não podem ser autossuficientes por um dia
sequer, mas em tudo dependerem de Deus, até mesmo no que é mais básico, como o
alimento de cada dia. Um elemento indispensável para que uma comunidade viva
efetivamente segundo as características do Reino, é a confiança e a
solidariedade. Mas pedir a cada dia o pão significa assumir a partilha como
forma de realizar o Reino, traduzido na fraternidade: pão, terra, moradia,
saúde, educação, vida para todos, até que a humanidade inteira reproduza o
“paraíso” saído das mãos do Pai.
Não poderia faltar este pedido na oração
do Reino. “Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós perdoamos também a todos os
nossos devedores” (v. 4). De fato, somente Deus é quem perdoa os pecados. Mas
Jesus introduz também aqui uma novidade: pois nós perdoamos também a todos os
nossos devedores. Assim como o pão cotidiano, os cristãos partilham do Dom do
Perdão. Não traduzir nas relações humanas o perdão de Deus é tornar inútil e
mentirosa a oração que Jesus nos ensinou.
Com isso, Ele ensina que o perdão de Deus
deve ser mediado pelo perdão fraterno; não porque a misericórdia de Deus esteja
condicionada ao agir humano, mas porque a relação com Deus exige uma coerência
de vida. A abertura total a Deus deve traduzir-se em uma relação nova com o
próximo, tema tão caro a Lucas. Isso implica que, mais que ser perdoado, é
necessário viver reconciliado. Por isso, o perdão deve ser mútuo (CORNELIO, F,
Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
A última petição que o Jesus ensina está
relacionada a Tentação de abandonar a Deus, e fazer oposição ao seu projeto. A
palavra peirasmós (tentação), quando aplicada aos discípulos revela, na
verdade, o perigo da desistência e do abandono à Deus. Não são tentações de
ordem carnais ou moralistas. Mas optar pelo caminho contrário ao de Deus.
Jesus, por sua vez, nos ensina a pedirmos
ao Pai que não nos deixe cair nessas tentações que pervertem o projeto de uma
sociedade fraterna e igualitária. Às tentações do poder, do ter e do prestígio
os cristãos respondem com a partilha, serviço, igualdade, solidariedade,
serviço e disponibilidade como instâncias para construir nova sociedade e
história (BORTOLINI, J, 2009, p.646).
Dos vv.5-11, Jesus ilustra a oração que
acaba de ensinar, contando-lhes duas parábolas. a do amigo inoportuno (vv. 5-8)
e a do pai (v. 11). Ambas têm a função didática de explicitar a proximidade do
Deus-Pai e a necessidade da perseverança da comunidade na oração. Esse Deus é
muito mais disponível que um amigo, e muito melhor que um pai terreno. Desse
modo, Ele ressalta que a qualquer momento se pode invocar esse Deus-Pai e,
pedindo o que é justo, jamais Ele deixará de atender (CORNELIO, F, Homilia
Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
A
oração do Senhor não é apenas uma oração comum, permeada de petições que o fiel
orante faz à Deus. É uma escola de vida cristã. Se o rezarmos com mais atenção,
veremos que o Pai-Nosso não é uma serie de pedidos, mas o modo através do qual
o Cristo nos ensina a viver. Através desta oração rezamos a própria vida.
Portanto, o Pai-Nosso é o modo pelo qual pedimos alguma coisa, e, que, ao mesmo
tempo nos interpela. Por isso, esta oração deve ser feita no Espírito de Jesus.
A comunidade que se deixa guiar pelo Espírito Santo, saberá discernir para
pedir ao Pai o que é, de fato, essencial.
Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de
Botucatu-SP.
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