sábado, 27 de julho de 2019

Homilia para o XVII Domingo do Tempo Comum – Lc 11,1-13:



A liturgia deste domingo propõe a leitura do capítulo onze do evangelho segundo Lucas. Jesus e seus discípulos dão continuidade a viagem de subida para a cidade santa. É importante relembrar que esta viagem não é um deslocamento físico-geográfico tão somente. Mas um deslocamento interior, que visa uma atitude exterior por parte do discípulo que caminha com Jesus. É uma metáfora para a vida cristã, permeada do caminhar, mas também do parar. Que não é uma parada qualquer, senão para a Oração.

O capítulo onze apresenta uma catequese-ensino sobre a Oração. Ao seu interno, Lucas apresenta a Oração que Jesus ensina aos seus. A fórmula da Oração do Senhor apresentada pelo terceiro evangelista é considerada pelos biblistas como sendo a mais curta, e, por isso, a mais antiga. É verdade, que outra versão se encontra no evangelho de Mateus, bem mais elaborada, segundo as necessidades daquela comunidade e de seu autor.

O evangelista situa-nos no horizonte do texto. Jesus encontra-se em oração (v.1). Por sete vezes, durante seu ministério público, o evangelista mostra Jesus em oração, do batismo à paixão, o que corresponde exatamente à totalidade do seu ministério (cf. 3,21; 5,16; 6,12; 9,18; 9,28-29; 11,1; 22,41). Tudo o que ele deve realizar, primeiro deve ser discernido segundo a vontade de Deus. Por isso, a oração para Jesus constitui-se o momento através do qual pode entrar em comunhão com Deus. Ela revela que, tudo o que Jesus faz é da vontade e do querer de Deus.

“Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos” (v. 1b). Era comum, nos círculos rabínicos, os mestres ensinarem ao seus discípulos uma oração, a qual caracterizava a espiritualidade daquele grupo e do mestre, bem como os distinguiam dos demais. Naturalmente, por terem primeiro sido discípulos do Batista, conservavam na memória o modo de rezarem, segundo João.

Parece que Jesus tinha deixado seu grupo muito à vontade, nesse sentido, o que poderia deixar seus discípulos até inseguros, pois não tinham regras estabelecidas a cumprir. A regra de Jesus era apenas o seu jeito de viver (CORNELIO, F, Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

Jesus dá-lhes uma nova forma de se relacionar com Deus. A novidade da oração de Jesus é, realmente, explosiva. Ela subverte a lógica e os esquemas através do qual o judeu piedoso se relacionava com Deus. Jesus chama o Deus de Israel de Pai. Nunca ninguém jamais havia tido essa ousadia. A nível de conhecimento, o judeu sempre se dirigia a Deus como santíssimo, altíssimo, Senhor-Adonai (YHWH), o Bendito, o Eterno. Somente Jesus se dirige à Deus como Pai. É uma relação nova e inédita, superior à forma como se relacionava Abraão, o amigo de Deus. Os discípulos não são chamados a serem somente amigos de Deus, mas seus filhos. Outra novidade consiste no fato de que ao chamarem Deus de Pai, e descobrirem-se filhos em relação a ele, descobrem-se também irmãos.

A oração de Jesus encontra-se estruturada sobre cinco elementos. Eles traduzem, para nós, o que é rezar. Os dois primeiros (v. 2) provocam à abertura para o Pai; os três últimos (vv.  3-4) conduzem à transformação das relações entre as pessoas.

A “santificação do nome de Deus” (v. 2) e o “advento de seu Reino” (v. 2) estão intrinsecamente relacionados, a ponto de confundirem-se. Ora, o nome de Deus já é santificado, porque Ele é, essencialmente, santo. O pedido diz respeito ao reconhecimento dessa santidade. Reconhecer a santidade de Deus é saber que Ele é Pai, aceitar a condição de filhos e filhas e, portanto, viver como irmãos e irmãs. Isso é permitir que o seu Reino seja instaurado entre nós (CORNELIO, F, Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

Em seguida, Jesus ensina a pedir o “pão necessário para cada dia” (v. 3). Esta petição revela, na verdade, a atitude da confiança incondicional do discípulo em Deus. O ser humano, e, de modo especial, o discípulo do Reino, não podem ser autossuficientes por um dia sequer, mas em tudo dependerem de Deus, até mesmo no que é mais básico, como o alimento de cada dia. Um elemento indispensável para que uma comunidade viva efetivamente segundo as características do Reino, é a confiança e a solidariedade. Mas pedir a cada dia o pão significa assumir a partilha como forma de realizar o Reino, traduzido na fraternidade: pão, terra, moradia, saúde, educação, vida para todos, até que a humanidade inteira reproduza o “paraíso” saído das mãos do Pai.

Não poderia faltar este pedido na oração do Reino. “Perdoa-nos os nossos pecados, pois nós perdoamos também a todos os nossos devedores” (v. 4). De fato, somente Deus é quem perdoa os pecados. Mas Jesus introduz também aqui uma novidade: pois nós perdoamos também a todos os nossos devedores. Assim como o pão cotidiano, os cristãos partilham do Dom do Perdão. Não traduzir nas relações humanas o perdão de Deus é tornar inútil e mentirosa a oração que Jesus nos ensinou.

Com isso, Ele ensina que o perdão de Deus deve ser mediado pelo perdão fraterno; não porque a misericórdia de Deus esteja condicionada ao agir humano, mas porque a relação com Deus exige uma coerência de vida. A abertura total a Deus deve traduzir-se em uma relação nova com o próximo, tema tão caro a Lucas. Isso implica que, mais que ser perdoado, é necessário viver reconciliado. Por isso, o perdão deve ser mútuo (CORNELIO, F, Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

A última petição que o Jesus ensina está relacionada a Tentação de abandonar a Deus, e fazer oposição ao seu projeto. A palavra peirasmós (tentação), quando aplicada aos discípulos revela, na verdade, o perigo da desistência e do abandono à Deus. Não são tentações de ordem carnais ou moralistas. Mas optar pelo caminho contrário ao de Deus.

Jesus, por sua vez, nos ensina a pedirmos ao Pai que não nos deixe cair nessas tentações que pervertem o projeto de uma sociedade fraterna e igualitária. Às tentações do poder, do ter e do prestígio os cristãos respondem com a partilha, serviço, igualdade, solidariedade, serviço e disponibilidade como instâncias para construir nova sociedade e história (BORTOLINI, J, 2009, p.646).

Dos vv.5-11, Jesus ilustra a oração que acaba de ensinar, contando-lhes duas parábolas. a do amigo inoportuno (vv. 5-8) e a do pai (v. 11). Ambas têm a função didática de explicitar a proximidade do Deus-Pai e a necessidade da perseverança da comunidade na oração. Esse Deus é muito mais disponível que um amigo, e muito melhor que um pai terreno. Desse modo, Ele ressalta que a qualquer momento se pode invocar esse Deus-Pai e, pedindo o que é justo, jamais Ele deixará de atender (CORNELIO, F, Homilia Dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

A oração do Senhor não é apenas uma oração comum, permeada de petições que o fiel orante faz à Deus. É uma escola de vida cristã. Se o rezarmos com mais atenção, veremos que o Pai-Nosso não é uma serie de pedidos, mas o modo através do qual o Cristo nos ensina a viver. Através desta oração rezamos a própria vida. Portanto, o Pai-Nosso é o modo pelo qual pedimos alguma coisa, e, que, ao mesmo tempo nos interpela. Por isso, esta oração deve ser feita no Espírito de Jesus. A comunidade que se deixa guiar pelo Espírito Santo, saberá discernir para pedir ao Pai o que é, de fato, essencial.

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu-SP.

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