sábado, 25 de maio de 2019

HOMILIA PARA O VI DOMINGO DA PÁSCOA - Jo 14,23-29:


Adentramos no sexto domingo do tempo pascal, seguindo com a leitura do testamento de Jesus no Evangelho segundo João, o qual constitui o seu grande ensinamento sobre o mandamento (dinamismo) do amor, e sobre a entrega da própria vida.

A liturgia propõe para a nossa meditação o texto de Jo 14,23-29. Sabe-se que esta pericope insere-se no livro da glória, a segunda parte do Quarto Evangelho, onde Jesus revela aos discípulos que chegou a hora da glorificação do Filho do Homem. Esta hora decisiva revela-se na Cruz. Ali, Jesus leva a termo a sua Obra, a obra que recebeu do Pai, que através do gesto livre da doação da vida do Filho revela, pois, todo o seu Poder, seu ser e seu agir.

Qual a finalidade de Jo 14, 23-29 para a comunidade dos discípulos, para a geração posterior e para nós, hoje? Fundindo os dos horizontes, o da comunidade dos discípulos e o da comunidade de joanina (a geração posterior dos fieis, na qual inclui-se todo o fiel-discípulo e leitor do Evangelho), a pragmática do texto atinge seu ápice quando a comunidade cristã lê (assimila e adere) o testamento/ensinamento de Jesus como sendo seu plano e projeto de vida, pautando o seu agir e sua identidade no modo de vida de Jesus, em seu ensino e em sua missão. Nesta perspectiva, a comunidade tem as ferramentas (os meios) para viver constantemente o convite e a realidade de uma vida ressuscitada garantida pelo dom do amor do Senhor e por seu Espírito.

Antes de tomarmos o texto de hoje, se faz necessário que nos versículos anteriores, Jesus prometeu o Espírito Santo aos discípulos. O Espírito Santo é o espírito de Jesus (Espírito do Ressuscitado) e do Pai. É o dinamismo de vida do Pai e do Filho, que doado por ambos dá vida, filiação e amor. É aquele que garante a continuidade da vida e a presença de Jesus para a comunidade. Mas esta presença se dá em virtude da vivência do mandamento do Amor. Jesus prometeu manifestar-se à quem ama como (e porque) ele ama. Assim, poderemos entrar no horizonte do texto.

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou” (vv.23-24). Jesus afirma a importância do amor e de guardá-lo como mandamento/Palavra. O Pai e Jesus se manifestam na vida daqueles que amam do mesmo modo de Jesus. Todavia, Ele, a esta altura do testamento estabelece uma condição para receber e participar do amor: amar a Jesus para receber o amor do Pai.

Mas amar a Jesus (viver a mesma vida que a dele) também o critério para saber se a sua Palavra é, de fato, guardada, ou seja, vivida. O verbo bíblico guardar (hbr. Shama) não significa reter para si, mas observar, no sentido de cumprir/viver o mandamento ou a Palavra de Deus. Só o amor pode motivar a adesão à Palavra/mandamento do amor de Jesus. Só aquele que decide-se por amar é que escuta e vive do amor.

Jesus assegura novamente: “o defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (v.25). Na teologia do Quarto Evangelho, o Espírito é defensor; tem a função de ensinar e recordar. O Espírito Santo é aquele que inscreve (escreve a partir, e, desde dentro de nós) a vida mesma de Jesus em nossa vida. O Espírito é a letra de Cristo que escreve no livro da vida humana a vida de Jesus. Ele tem a função de ser o defensor. O termo que João emprega é paraklétos (gr. Pará = junto de, ao lado de / kalein (kaleo) =  chamar), que significa “estar junto de”. Assim, o Espírito de Jesus está ao lado do fiel para que ele possa assumir o modo de vida de Cristo. Outras duas funções apresentadas, a de ensinar e renovar. Há que se ter presente que ambas as funções querem dizer a mesma coisa: atualizar. Ora, o verbo “recordar” na fé e tradição do Antigo Testamento é a memória bíblica. Fazer memória significa atualizar: tornar presente no hoje o ensinamento, a missão e a vida mesma de Jesus. O ensinar/recordar são duas atitudes imprescindíveis para a vida da comunidade, que necessitam da disciplina e da fidelidade dela. São as atitudes daqueles e daquelas que vivem a novidade do convite à vida ressuscitada e dela dar testemunho.

“Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe o vosso coração” (v. 27). Jesus fala da paz. É preciso entender de quê paz ele fala. É daquela que, no Antigo Testamento está associada à posse da terra prometida. Como consequência da posse da terra da promessa, o povo conquista a paz. Mas ela é dom e garantia do tempo do Messias. Significa que a espera acabou e que a promessa foi cumprida. Mas no Novo Testamento, a posse da terra da promessa começa se dá num modo de relacionar-se com Jesus. Nesse sentido, Jesus é a terra prometida. O Novo Testamento apresenta Jesus como a terra segura para o discípulo. Cristo é a terra da promessa cumprida. Então, para os discípulos de Jesus, a Paz é um modo de ser e de existir. É o modo de estar/ser em Cristo.

A paz que Jesus dá e comunica é Ele mesmo. Um modo de ser e de existir que é superior à “pax romana” (se queres paz prepara-te para a guerra), é aquela que visa oprimir, dominar, subjugar para manter a ordem, principalmente contra as minorias. A paz judaica é aquele típico bem estar.  A Paz que Jesus dá supera estes pensamentos romanos e judaicos.

Na certeza de que Jesus e o Pai fazem morada em quem vive o mandamento do amor, e ainda confere o Espírito Santo para ficar junto, ensinar e recordar tudo o que Ele mesmo ensinou, cabe aos discípulos e discípulas de todos os tempos, o esforço para que tudo isso seja manifestado também ao mundo. A condição para que isso aconteça é a vivência do mandamento do amor (CORNELO, F, Homilia dominical, in, porcausadeumcertoreino.blogspot.com).

Pe. Joao Paulo Sillio.

Arquidiocese de Botucatu-SP

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