sábado, 11 de maio de 2019

HOMILIA PARA O IV DOMINGO DA PÁSCOA - Jo 10,27-30.




O texto que a liturgia deste quarto domingo da páscoa nos propõe encontra-se em Jo 10,27-30. O capítulo décimo do evangelho de João apresenta a temática do Pastoreio (com destaque para a alegoria do Pastor Exemplar, ou “Belo Pastor”, dos vv.11-18). Este tema era muito presente na vida de Israel. A imagem do pastor/pastoreio e do rebanho nutria a fé do povo de Deus. É importante, primeiramente, saber que o rebanho/ovelha é um símbolo aplicado ao povo. Já a imagem do pastor era atribuída ao próprio Deus. Mas, no decorrer da história foi sendo atribuída às lideranças do povo, os reis e sacerdotes, a alcunha de pastores (guias). Mas, a história mostrou que esta função não foi desempenhada “segundo o coração de Deus (cf. Ez 34)” pelas mesmas lideranças.

Tendo compreendido um pouco do contexto do pastoreio/pastor, rebanho/ovelhas se faz necessário adentrar no contexto próximo (lugar literário onde o texto está situado) para entender o discurso de Jesus. Por isso, devemos voltar o olhar para o capítulo nono, o sinal realizado por Jesus na cura do cego de nascença.  O Sinal em Jo 9 consiste na revelação de Jesus como sendo o enviado (hbr. siloé) para trazer a Luz para o mundo. O cego de nascença é, ao mesmo tempo, instrumento através do qual Jesus revela a Glória de Deus, e metáfora para as lideranças do povo, as quais estavam cegas, optando conscientemente em não querer ver a Luz de Deus que se manifestava em Jesus de Nazaré, e cegadas, igualmente pelo poder, pelos privilégios e pela mentalidade mundana. Tal é corroborado pela postura destas lideranças judaicas. As lideranças do povo, que deveriam cuidar, acolher, promover-lhes a vida e a dignidade, acabavam expulsando do meio deles a gente simples do povo, aqueles que representavam-lhes alguma ameaça, ou, porque, simplesmente viviam fora de seus padrões. Sabendo disso, Jesus vai ao encontro do ex-cego (Jo 9,35-37).

Nesta alegoria do Bom Pastor, o evangelista opera um contraste entre as lideranças do povo, que agiam na contramão do projeto de Deus, e Jesus, que age segundo o coração (de pastor) de Deus, mostrando-se um pastor exemplar, que realiza aquilo que as lideranças do povo deveriam fazer, e não faziam.

O contexto imediato do texto – onde a cena encontra-se situada – é o da festa da Dedicação. É verdade que há uma mudança de cenário e de festa religiosa. O evangelista situa Jesus nos arredores do templo, num clima de inverno, por ocasião da festa da dedicação do templo. Embora não fosse tão frequentada como as três maiores festas judaicas (páscoa, pentecostes e tendas), a festa da dedicação também atraía um número considerável de peregrinos a Jerusalém. Essa festa foi estabelecida por Judas Macabeu no ano 165 a.C., para celebrar a vitória dos macabeus sobre a dominação grega e a nova dedicação do templo e do altar, já que esse tinha sido profanado pelos gregos (cf. 1 Mc 4,36-59); desde então, essa festa entrou no calendário judaico. Acontecia em Jerusalém e durava uma semana; o texto profético utilizado na liturgia dessa festa era o capítulo 34 de Ezequiel, texto em que o profeta faz uma enfática denúncia aos maus pastores de Israel. Esses apascentavam a si mesmos, ao invés de apascentar o (povo) rebanho (cf. Ez 34,1-2). Por isso, de acordo com o profeta, Deus tomou a iniciativa de destituir os maus pastores e cuidar ele mesmo do rebanho (cf. Ez 34,11) (cf. CORNÉLIO, F, Homilia dominical, in porcausadeumcertoreino.blogspot.com).

Antes de tomarmos os versículos em questão é importante recapitular, pelo menos, três ditos de Jesus. O primeiro é o contido no v.7: “Amém, amém, eu vos digo: eu sou a porta das ovelhas”. Jesus, após contar a parábola do redil das ovelhas, declara ser ele mesmo a porta pela qual devem passar as ovelhas. Jesus quer dizer que para pertencer ao rebanho (ser discípulo) e possuir a vida eterna, isto é, do dom de Deus oferecido em Jesus é necessário primeiro passar (aderir) por Jesus. Outro dito encontra-se no v.11, onde Jesus declara, “Eu sou o Bom (gr. Kalós / Belo ou ideal) pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas”. Ora, só quem passa pela porta que é Jesus pode ser do seu rebanho e viver do dom da vida que Ele dá. E poderá assimilar também o ser pastor com-Jesus. Mas só se, primeiro, passou por Jesus. Por fim, o terceiro dito é o que nos inserirá no horizonte do texto: “Vós, porém, não me acreditais, porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10, 26). Jesus diz estas palavras aos lideres do judaísmo (fariseus e sacerdotes) dada a recusa de aceitar a novidade escatológica da presença de Deus em Jesus, e ser Ele o enviado de Deus. Contextualizado o texto de hoje, então podemos toma-lo em sua inteireza.

No v. 27, Jesus declara: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Ele indica aqui a condição para ser “ovelha” (discípulo) de Jesus: ouvi-lo e segui-lo. Ao dizer as condições necessárias para ser discípulo e, portanto, participar do redil, Jesus denuncia que os lideres do povo não fazem parte de seu rebanho, porque não aceitam nem querem escutá-lo, tampouco segui-lo. Escutar e seguir são dois verbos-chaves para a compreensão da mensagem de Jesus. O verbo “escutar”, no ambiente bíblico, não significa simplesmente a capacidade ou faculdade biológico-física da percepção de um som ou ruído, mas é acima de tudo dar adesão completa àquele que fala, é deixar-se transformar e, consequentemente, conduzir-se pelas suas palavras.

Acontece que a atitude da escuta orienta para outra ação fundamental do discípulo, o seguimento. O seguimento proposto por Jesus, como consequência da escuta, significa seguir as mesmos caminhos dele, com liberdade e disposição. Os interlocutores de Jesus não viviam a dinâmica do “escutar-seguir”; apegados aos ritos e preceitos, tinham sido instruídos a obedecer e cumprir normas, apenas. Ao invés de cumpridores de ordens, fazer parte das ovelhas de Jesus é ser descobridores de estradas, buscadores de novos horizontes. O Deus pregado no templo era um soberano que, através de seus representantes ditos pastores, a casta sacerdotal, ditava normas do alto; apresentando-se como pastor, Jesus revela que Deus age de maneira completamente diferente: caminha a frente, não dá ordens, apenas aponta a direção; quem escuta a sua voz e o segue, torna-se íntimo dele (cf. CORNÉLIO, F, Homilia dominical, in porcausadeumcertoreino.blogspot.com).

No v.28, Jesus garante que as suas ovelhas recebem o supremo dom que Ele pode doar, a “vida eterna”, a garantia de que elas jamais se perderão ninguém poderá tirá-las de suas mãos. O que seria esta vida eterna da qual fala Jesus? A vida da era eterna é a vida que pertence ao âmbito de Deus. Não é continuação desta mesma vida. Mas um dom superior em qualidade e em dinamicidade que está em Deus mesmo. Todavia, ela não é um prêmio dado àquelas pessoas boas no futuro.

A opção por Jesus e ao seu Evangelho simbolizada pela escuta da sua voz e o seu seguimento, eterniza a vida. Não é uma vida para o pós-morte, mas é uma vida tão plena, tão cheia de sentido e autêntica, a ponto de nem a morte poder destrui-la. É a vida presente que se torna eterna à medida em que a pessoa se deixa conduzir pela voz de Jesus. Ora, o próprio Jesus, mais adiante, afirmará que a vida eterna consiste no conhecimento dele e do Pai (cf. Jo 17,2-3). Portanto, quem ouve a sua voz lhe conhece e, por sua vez, conhece também o Pai, já que Ele e o Pai são um (v. 30). Logo, vida eterna é a vida de todo homem e toda mulher que escuta a voz de Jesus e abraça o seu seguimento. Tem-se, em Jesus, e, a partir dele, a oportunidade de se viver uma vida em tons de eternidade, e, portanto, ressuscitada, desde já!

“Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um” (29-30). Nestes dois versículos Jesus declara que o que vale em relação ao Pai vale também em relação a Jesus: os dois constituem uma realidade só (o evangelista usa o termo no gênero neutro). Esta frase exprime solidariedade radical, mas não significa nem identidade de pessoa nem igualdade de ordem entre Jesus e o Pai (cf. 14,28) (cf. KONINGS, 2005, p. 212).

Por isso, Ninguém consegue arrancar as ovelhas da mão de Jesus (cf. v 28b) porque tudo o que está em sua mão está também na mão do Pai. A mão, na linguagem bíblica, é uma metáfora do poder protetor de Deus, da sua força e dos seus cuidados paternais e maternos (cf. Os 11,3; Dt 33,3; Is 43,13; 49,2; Sl 31,6; 95,4; Sb 3,1; Dn 5,23) (cf. CORNÉLIO, F, Homilia dominical, in porcausadeumcertoreino.blogspot.com).

Ora, o Belo Pastor do Quarto Evangelho não carrega ninguém ao colo. Pelo contrário, ele sai ao encontro das ovelhas, convive com elas, existindo um conhecimento mútuo entre eles; conduz e aponta caminhos! Da outra parte, os que aderem a Jesus, assumindo a condição de ovelhas devem apresentar a característica da escuta e manifesta-la através do seguimento a Jesus.

Por isso, o evangelho de hoje nos questiona: 1) Somos verdadeiras ovelhas de Jesus? 2) Temos ouvido (aderido) à voz (evangelho e vida) de Jesus e, portanto, seguido a exemplaridade da vida do Pastor Ideal?

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu-SP

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