sábado, 22 de março de 2025

REFLEXÃO PARA O III DOMINGO DA QUARESMA - Lc 13,1-9:

 



A liturgia deste terceiro domingo da quaresma nos apresenta o capítulo treze do evangelho segundo Lucas para a meditação eclesial. Depois ter apresentado os evangelhos das tentações e da transfiguração do Senhor, o sacramento da Quaresma continua a ser verdadeiro sinal de salvação para a Igreja ao prepara-la para a pascoa do Senhor através de dois importantes ensinamentos contidos na narrativa evangélica a ser meditada: a conversão e a misericórdia. Trata-se de um texto importante, e que necessita ser contextualizado para ser bem compreendido, de modo a não deixar margens para equívoco, dado que o relato começa dando a impressão de que pecado, sofrimento e castigo estejam interligados ou sejam correlacionáveis. Esta relação será totalmente desfeita por Jesus. Isto posto, pode se mergulhar na interpretação do texto.

“Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam” (v.1). É importante que se substitua a expressão “Naquele tempo”, com a qual se inicia o texto litúrgico pela “naquele mesmo momento”. Qual seria este momento? Jesus, nos versículos e capítulos anteriores está em debate com os fariseus. Para variar, um conflito. Ele ensinava ao povo e aos seus discípulos a cerca da conduta incoerente dos chefes religiosos; não se deixarem levar por eles, os quais impediam as pessoas de pensarem fora das linhas de seus ensinamentos. Ao contrário, o Senhor insiste para que as pessoas possam atingir a autonomia e pensarem por si diante da Palavra e do projeto de Deus. Isso incomoda as lideranças do judaísmo. São precisamente elas que se dirigem a Jesus trazendo “notícias” dos galileus que o procurador romano ordenou matar. O texto litúrgico dá a entender que seriam outras personagens, mas o contexto próximo deixa claro que são os chefes do povo. Por exemplo, em 11,53, Lucas avisa os leitores que os fariseus e os doutores da lei decidiram por importunar a Jesus violentamente, e a provoca-lo com muitas perguntas, armando ciladas para apanhá-lo em alguma palavra. Por isso é importante contextualizar este pormenor. A dúvida não é do povo e dos discípulos, mas se trata de uma “cilada” para tentar polemizar com o Cristo, a fim de obter dele algum juízo contra as atitudes do procurador romano, de modo a ficar em perigo.

A notícia sobre a morte dos galileus acaba caindo de forma equivocada nos ouvidos do povo e dos discípulos, que começam a polemizar o assunto para além das intenções dos chefes do povo, fazendo emergir a compreensão equivocada de que o sofrimento, a morte e a desgraça estivessem ligados ao pecado. Morreram porque eram pecadores, pensavam eles. Jesus vai desfazer esse mal-entendido e reordenar a discussão.

Dos vv.2-5, Jesus trata de desfazer esse pensamento equivocado. Tanto os galileus mortos pelas mãos de Pilatos como os judeus que, acidentalmente, morreram durante a construção da torre de vigia do quartel de Siloé, não morreram por serem pecadores punidos. Não há ligação para Jesus entre uma coisa e outra. O tema do sofrimento humano na Bíblia não pode ser encarado dessa forma, como se Deus tivesse prazer na morte de alguém. Tal ideia é equivocadíssima. O problema do mal e do sofrimento humano estão relacionados à liberdade humana. São frutos ou consequências das escolhas humanamente feitas em liberdade. Inclusive aquelas que são feitas pelos outros cujas consequências atingem um todo maior. Elas nada tem a ver com o querer de Deus.

Mas o que deve chamar a atenção do ouvinte de Jesus e do leitor do evangelho de Lucas é a constatação que o próprio Senhor faz duas vezes, quase como se fosse um refrão (e isso mostra que esta advertência feita por Ele é importante e deve ser levada à sério): “Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (v.3;5). O acento do dito de Jesus deve recair sobre a conversão, e não sobre o fato de morrer. O que o Senhor quer alertar é para o perigo de se encerrar a jornada da vida sem a experiência da conversão. “Morrereis do mesmo modo” significa morrer sem conversão.

O Evangelista usa o verbo grego Metanoêo (gr. μετανοέω) para expressar a urgência e a necessidade da conversão, enquanto mudança de mentalidade, de maneira de pensar, pois a conversão bíblica é a atitude da nova maneira de pensar (pensar diferente; um novo pensar). Esta mudança de mentalidade será a responsável pela mudança na e da atitude (agir). Abandonar a concepção ou convicção equivocada para deixar de lado o agir equivocado. Polêmica encerrada entre os fariseus e Jesus. Todavia, o ensinamento continua.

Se até agora Jesus falou da conversão, associada a esse convite está a misericórdia. Diante da tomada de atitude de conversão, por parte da pessoa, do discípulo e da discípula do Reino, Deus, de sua parte está sempre pronto para agir com misericórdia. É o que o Cristo ensinará através da parábola da figueira. Estejamos atentos, a parábola é um gênero literário próprio da sabedoria de Israel, que recolhe elementos simples e comuns da realidade histórica e concreta do povo e da sociedade para transmitir um ensinamento ou uma mensagem importante. Ela possui três finalidades, a de chamar a atenção do leitor-ouvinte, provoca-lo e a de gerar uma mudança de comportamento nele.

Dos vv.6-9, Jesus conta aos discípulos e a os que estão ao seu redor, a parábola da figueira. Um homem tinha uma figueira plantada no meio da vinha. Importante recolher os elementos simbólicos: a vinha, a figueira, o dono e o vinhateiro. A vinha, simboliza sempre o povo de Israel, no A.T. Este recebeu a missão de ser a vinha do Senhor a produzir fruto. O fruto da vinha é a uva, da qual se produz o vinho, sinal da alegria. Logo, o fruto deveriam ser a justiça, a bondade, a misericórdia, o amor, provenientes da alegria da relação entre Israel (a vinha) e o Senhor. Mas o povo será sempre infiel a esta relação (aliança), e será uma vinha infértil. A figueira também alude ao fato da produção de um fruto: ela produz o figo, doce muito apreciado naquela cultura. Por isso, a este fruto está ligado à docilidade. Na verdade, conforme meditado nos domingos anteriores, os frutos esperados pelo Pai e por Jesus são a alegria e a docilidade. Nesse sentido, ao narrar a parábola, o Senhor deseja dar ênfase ao fato de que aquela vinha não havia produzido nada! Ou Seja, não haveria solução. Recolha-se este elemento! Evidentemente, o dono da vinha é uma imagem equivocada de Deus, que Jesus faz questão de mostrar, e esta, provinda dos chefes religiosos do povo. E o vinhateiro, seria o próprio Jesus, que combate com aquela imagem errada sobre o Pai.  

Jesus diz que a figueira não produzia mais frutos. O dono dá a ordem de arranca-la da terra para não enfraquecer e inutilizar o solo. O número três, na teologia bíblica, indica um período ou tempo completo e definitivo. Provavelmente seja um aceno que o Senhor faz da duração de seu ministério público, e que Lucas faz questão de recordar.

Responde o vinhateiro, em protesto ao dono: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (v.8-9). O vinhateiro chama o patrão originalmente de Senhor (gr. κύριος / Κύριε), o nome divino. Logo, o leitor já ativará sua consciência de que este diálogo entre o empregado e o patrão, torna-se uma parábola, metáfora para a relação com Deus. Ora, Jesus, através da parábola, está repropondo uma nova imagem acerca do Deus, a quem chama de Pai. Ao invés de um Deus punitivo e vingativo, pregado e ensinado pelos doutores da lei e fariseus, Ele revela o agir misericordioso de Deus, que não corta a arvore e a lança ao fogo porque não produziu, mas dá e oferece sempre uma nova oportunidade. A ação do Deus de Jesus e dele própria é a da mostrar outra face de Deus, uma nova experiência de vida e de relação com Ele, diferente da proposta dos líderes religiosos de seu tempo. E desses tempos atuais também. Para o Senhor, o Pai não toma nem destrói a vida, mas oferece novamente condições de vida e de existência inclusive aos pecadores.

Que o evangelho deste terceiro domingo da quaresma nos desperte para a conversão, e nos faça a abertos para experimentar a misericórdia do Pai que tudo revivifica.


Pe. João Paulo Góes Sillio.

Paróquia São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.


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