O texto proposto para a meditação deste
vigésimo primeiro domingo do tempo comum, retoma a leitura do Evangelho segundo
Mateus, no capítulo dezesseis. A perícope começa no v.13. mas ela deve ser
compreendida em seu seu contexto amplo, a partir de duas situações que servem
de estopim para a narrativa que se segue. O primeiro acontecimento foi uma
controvérsia entre Jesus e os fariseus, os quais pediram a ele um sinal que
comprovasse que ele seria messias (Mt 16,1-4), no qual Jesus respondia que nenhum
sinal seria dado, a não ser o de Jonas. A segunda situação foi motivada pela
advertência contra o fermento dos fariseus e saduceus (Mt 16,5-12). O fermento dos
fariseus, a que Jesus se refere é a ideia equivocada acerca do messias, bem como
a própria hipocrisia. Diante deste contexto, Jesus leva os discípulos para a
cidade de Cesaréia de Filipe. Indicação importante para os leitores da
catequese de Mateus.
Cidade situada ao norte de Israel,
dedicada à Cesar, imperador romano, era sede do poder romano na província da
Palestina e, portanto, lugar de culto ao imperador e de cultivo da ideologia
imperial. Um território pagão. Por outro lado, a cidade fica distante de
Jerusalém, sede do poder religioso. Jesus e seus discípulos encontram-se longe
das influências do poder religioso. Lugar propício para fazer uma experiência
nova e pura com Deus. É o que Ele deseja propor. “ali perguntou aos
seus discípulos: ‘Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” (v.
13b). Não há concordância entre os biblistas a respeito da intencionalidade de
Jesus na pergunta. Mais do que preocupado com a imagem que a multidão fazia
dele, estava preocupado com a ideia que faziam de sua missão. Ora, tendo
ensinado e realizado tantas coisas em benefício das multidões, com toda a
certeza transmitira alguma imagem de si, pela qual se guiavam no trato com ele.
Segundo os discípulos: “alguns
dizem que é João Batista; outros, que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou
algum dos profetas” (v. 14). A atuação de Jesus tinha dado margem para
variadas interpretações, e as figuras do passado serviam aos espectadores de
Jesus fazerem alguma imagem Dele. É bem verdade que o modo através do qual
Jesus decidiu-se por viver sua missão foi a via profética.
Após a resposta dos discípulos, Jesus
dirige a pergunta para eles: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v.15).
Afinal, são eles os mais próximos, e, por isso, os primeiros destinatários dos
ensinamentos do Mestre, que os prepara para anunciarem a Boa Nova do Reino. A
compreensão da multidão se justifica plenamente, uma vez que ela não adere em
profundidade ao ensinamento do Senhor. Por isso, interessa ao mestre saber como
estava sendo compreendido pelos discípulos. Estariam a altura de dar um passo a
mais em relação à multidão. Trata-se de uma pergunta importante, porque a
resposta revelará a percepção dos discípulos a respeito dele. Mais ainda,
revelaria também as expectativas que traziam consigo, e qual mentalidade
nutriam acerca dele. A comunidade cristã não pode ver Jesus como uma personagem
do passado que deixou um grande legado a ser lembrado.
“Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo” (v.16), responde acertadamente Simão, em nome dos doze. É uma
reposta que ele dá em nome do grupo, e, portanto, eclesial. Uma profissão de fé
comunitária. Os demais discípulos componentes do grupo dos doze também
responderam com Pedro. Deus está a agir em seu ungido. Toda ação de Cristo
revela o querer do Pai.
“Feliz és tu, Simão,
filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai
que está no céu” (v. 17). Jesus admira-se com a resposta tão acertada. E reconhece
em Simão um bem-aventurado. Seu entendimento não provém do
esforço humano; só pode ser revelação do Pai dos céus. O apóstolo é chamado
pelo seu nome “Simão”. Todas as vezes que Jesus se dirigir ao discípulo desta
maneira, significa que o seu agir e seu pensamento estão corretos e condizem
com o querer do Pai. A capacidade de compreensão do discípulo acerca da
identidade de Jesus como messias e filho de Deus provém do Pai do Céu. A sua
abertura ao Pai permitiu-lhe compreender a verdadeira identidade do Filho do
Homem, superior ao que pensavam as multidões. Aquele que desejar fazer um
caminho de fé semelhante ao de Pedro será capaz de assimilar como ele quem
Jesus é.
“Por isso eu te digo
que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (v. 18a). Jesus
declara Simão Pedro como rocha firme devido à Fé que professara. O acento aqui
não recai sobre o discípulo, mas sobre a Fé que ele, juntamente com a
comunidade dos discípulos, a Igreja, professa. A pedra firme por sobre o qual
se edifica a comunidade dos crentes é o conteúdo e o núcleo da Fé professada
pelo discípulo: Cristo, o filho do Deus vivente. Simão Pedro, na verdade, é o garantidor
da unidade em torno desta Fé. Esta não se baseia num conjunto de ideias ou de
proclamações dogmáticas, mas se embasa numa pessoa e na relação experiencial
com ela: Jesus de Nazaré.
Mateus se serve de duas palavras gregas
muito parecidas para designar Pedro e pedra: Πέτρος– Petros e πέτρα
- petra. Embora muito próximas, é possível distingui-las. “Petros”
corresponde à pedra, pedregulho ou tijolo, uma pedra pequena e removível, uma
pedra de construção; “petra”, por sua vez, alude à superfície rochosa, base
ideal para os fundamentos de uma construção segura. São estas as bases
necessárias para a edificação da Igreja enquanto comunidade do Reino. Portanto,
Jesus diz que Simão é Pedro (Πέτρος /petros), uma pedra-tijolo da
construção. Ele deve estar assentado a pedra-rocha (πέτρα /petra),
Jesus e a fé que professou acerca de Sua pessoa: “Tu és o Messias e Filho
do Deus vivente”. Só aqui, e em Mt 18,17, o evangelista chama de
“Igreja” a comunidade dos discípulos do Reino, evocando o antigo povo de Deus
(hbr. qahal). A missão da igreja consiste em ser, na história humana, um sinal
da presença do Reino, vivendo os seus valores e o seu projeto. Alicerçada sobre
a rocha.
O Mestre confia plenamente no discípulo
e na comunidade. Por isso, lhe dá plena autoridade para liderar a comunidade,
ilustrada pelas “chaves do Reino dos céus”. Da metáfora do fundamento, simbolizada pela pedra, Jesus passa para a
da chave como liderança. A entrega das chaves como imagem para autoridade para
ligar e desligar na terra só é respaldada no céu, lugar de Deus, quando a vida
do discípulo e da comunidade assimilam a vida e o Espírito do Mestre da forma
mais profunda possível. Qualquer um que professa convictamente a fé em
Jesus e vive seu programa de vida expressado nas bem-aventuranças (Mt 5 – 7),
tem a chave de acesso ao Reino. Mais que delegar poderes, Jesus está
responsabilizando a comunidade para fazer o Reino acontecer já aqui na terra,
vivendo segundo sua existência.
“Jesus, então, ordenou aos discípulos que
não dissessem a ninguém que ele era o Messias” (v.20). A ordem dada aos
discípulos pode-se entender como precaução para se evitar confundi-lo com o
messias glorioso e esperado com ansiedade pelo povo e pelas elites religiosas. Mas
serve igualmente de advertência para a comunidade que ouve, medita, lê e recebe
o texto, a fim de que ela não reproduza o pensamento equivocado acerca da forma
messiânica de Jesus, e se coloque sempre em sintonia com o Pai para acolher e
compreender a vida do Cristo e assimilá-la para si. O texto litúrgico termina, preparando
a sua continuação, o primeiro anúncio da paixão. O modo pelo qual Jesus
exercerá plenamente seu messianismo será a da cruz.
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Santuário São Judas Tadeu,
Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.
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