sábado, 3 de junho de 2023

SOLENIDADE DA SANTÍSSIMA TRINDADE - Jo 3,16-18:

 


A Igreja celebra a solenidade da Santíssima Trindade. Ela serve como dobradiça do tempo pascal para o tempo comum, embora, com a Solenidade de Pentecostes o ciclo da páscoa tenha se encerrado. Qual o sentido de celebrar  Deus Uno e Trino na liturgia? Precisamente realçar a novidade de vida que o Mistério Pascal de Cristo conquista e realiza na vida de cada pessoa humana que aderiu a Jesus: a vida ressuscitada e, portanto, divina que o Pai faz através do dom da existência do Filho, sendo mergulhada na plenitude da vida e do amor deste Deus Uno e Trino.

A liturgia da solenidade de hoje propõe a leitura do capítulo três do Evangelho segundo João. Um texto denso desde o início. O autor coloca em cena Jesus em diálogo com um chefe proeminente dos Judeus, o fariseu Nicodêmos dentro de um contexto ainda maior, isto é, imediatamente às palavras (episódio) contra o templo (Jo 2,13-25). Naquele episódio, o Senhor apontava para a novidade escatológica que ele mesmo trazia da parte de Deus: seu corpo (templo) lugar da manifestação da glória de Deus. A novidade da presença de Deus em seu Cristo, Jesus de Nazaré, e não mais no sistema levítico-cultual da tradição judaica. O tema da novidade envolve o capítulo.

O texto apresenta a temática do novo nascimento, da necessidade de se aderir e vivencia-lo, e a incompreensão do fariseu frente a toda esta catequese dada pelo Mestre. Este capítulo pode muito bem assumir o tom do gênero literário de uma homilia proferida por Jesus ao mestre de Israel. Precisamente, o trecho pinçado pela liturgia é uma atualização da Palavra de Deus que o Cristo realiza para o chefe dos fariseus, acerca da ação salvadora de Deus. É neste capítulo que, pela primeira e única vez, aparece a temática acerca do Reino de Deus, que depois é substituído pelo conceito Vida ou Vida Eterna.

Nicodemos é um fariseu, e, enquanto tal, faz parte dos que pensam e concebem ideologicamente a manifestação do Messias e de Deus como sendo ocasião do juízo e da condenação para os pecadores. Mas Jesus lhe revela mais uma novidade: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (v.16). O Cristo se declara como a expressão do amor de Deus, devido ao fato do Pai dar/doar a vida do seu Filho.

Uma constatação importante. Jesus afirma que “Deus deu seu Filho...”. E o evangelista João consegue absorver o sentido do dito do Senhor, e, por isso, emprega o verbo doar (gr. δίδωμι/didomi). O Pai presenteia, doa, a vida de seu Filho a fim de que a humanidade tenha vida. Deus não enviou ou entregou Jesus para sofrer e morrer, nem o entregou para que Ele pagasse com seu sangue e com a morte os pecados do mundo. Deus não é um sanguinário, frio ou cruel que se deixa aplacar ou que se entretém com o sofrimento do outro. Muito menos o de Seu unigênito Filho. 

Deus elimina o pecado do mundo através da vida de Seu Filho. Jesus, com o sentido de sua existência, obra, missão retira e destrói a separação relacional que existia entre Deus e o homem. Ainda que sua existência passe pela eventualidade de uma morte. Mesmo que tenha que entregar a vida.

A vida vivida de Jesus, através de Sua existência e Obra, é a que doa, oferece e plenifica a vida do ser humano que a adere e a recebe. Esta existência absolutamente salvífica é doadora da vida de Deus para nós. O Senhor é o “dom” de Deus que manifesta seu amor e sua graça.

O v.18 aprofunda o sentido do verbo “julgar/condenar” (v.17). Aquele que aceita o Dom de Deus, isto é, adere a Jesus, não é condenado por Ele. Aqueles que fazem a opção pela existência do Filho, que assimilam o Seu modo de viver e de ser, que escutam a Sua Palavra, já passaram pelo julgamento e já receberam sua sentença: a vida. Mas quem não crê, já condenou a si mesmo. A condenação não é sentença divina, mas consequência humana das escolhas e opções de cada pessoa. Há que se deixar claro que João não está falando de pessoas que nunca ouviram falar de Jesus (quer seja naquela época ou hoje). Mas se dirige àqueles que já conhecem a mensagem cristã.  A afirmação do Cristo que o evangelista recolhe soa quase como uma pergunta: “vocês comprometem as suas vidas com a deste Jesus?” O Quarto Evangelista dirige esta pergunta àqueles que perceberam o valor vital de Jesus e, mesmo assim, não querem aceita-lo. É a estes que é dirigido o julgamento, cuja sentença é a autocondenação.

Quem despreza o Dom de Deus – em Jesus – a vinda do Senhor ao mundo como luz já se torna juiz de sua própria condenação (cf. 9,41). Fogem da Luz, preferindo ficar nas trevas, e por isso não a suportam. Quem “pratica a verdade” e age com lealdade em relação a Deus e aos irmãos, esse aproxima-se da luz que é Jesus.

Deus Uno e trino se dá a conhecer através de Jesus de Nazaré, no Espírito, que introduz o ser humano, cada pessoa, na vida mesma de Deus. Da vida da Trindade todos são chamados a participar mediante a Graça do Batismo, que mergulha a pessoa na relação e na ordem experiencial do amor da Trindade. Ela eleva o ser humano redimido para dentro si, a fim de que a tenha e a traga em si mesmo. E se empenhe por viver uma vida segundo o modelo da Trindade: amor, comunhão e unidade.

Habitados que fomos pela Trindade, somos chamados a irradiar, como discípulos-missionários, e, enquanto comunidade, a vida e ação do Deus Uno e Trino.

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu – SP.


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