quinta-feira, 8 de junho de 2023

SOLENIDADE DE CORPUS CHRISTI (Ano A) - Jo 6,51-58:


 A liturgia apresenta para a meditação, o capítulo sexto do evangelho joanino, no qual o autor concentrou uma catequese eucarística: o discurso acerca do pão da vida. João, ao contrário dos outros três evangelistas, não apresenta o tema da eucaristia como parte integrante da ceia pascal. Ele prefere narrar o gesto do lava pés, e reúne, portanto, num único capítulo um discurso explicativo para o sinal que acabara de realizar, a condivisão/multiplicação dos pães.

O capítulo sexto começa com a realização de um sinal, a multiplicação dos pães. Jesus realiza a fração dos pães e dos peixes como gesto profético e simbólico que fazem alusão à entrega, partilha, fração de sua própria vida na cruz. Mas os discípulos e a multidão que caminha com Ele não entendem o Sinal. Confundem-no com um fazedor de milagres; e, pior, com uma falsa ideia de messias e rei. A tal ponto de fazer com que ele saísse do meio deles para evitar esse equívoco. Em seguida, o Senhor se dirige à sinagoga de Cafarnaum. Ali, encontra-se novamente com a multidão (que tem em seu meio os chefes do povo, os Judeus), e se põe a ensinar, explicando o gesto que realizou anteriormente. Neste contexto e ambiente que se desenvolve o discurso/catequese a respeito do pão da vida.

O discurso é costurado por elementos simbólicos, que pertencem ao patrimônio das Sagradas escrituras de Israel. O elemento simbólico/material do pão é o primeiro que aparece. Ele simboliza duas coisas: o alimento material que sacia a necessidade vital que é a fome, a Sabedoria/Palavra de Deus. Ele costurará todo o discurso, sofrendo variação apenas nos adjetivos: Pão do Céu; Pão vivo descido do Céu; Pão da vida. Até Jesus se declarar “Eu sou o Pão vivo descido do céu”. Dois outros elementos, também simbólicos, emergem na pregação do Senhor neste capítulo sexto – e, precisamente, neste trecho meditado pela liturgia – são carne e sangue. A carne (gr. σάρξ/Sarx) é a composição mais frágil da constituição humana. Ela acena justamente para esta realidade: limitação, finitude, fragilidade. Que, unida ao corpo, na antropologia bíblica, simbolizam a existência histórica de uma pessoa. Por fim, o sangue (gr. αἷμα/aîma). Este é símbolo da vida.

No versículo 51, o evangelista transmite a declaração de Jesus: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo". O Senhor se autoproclama Pão vivo descido do céu. Recordando o significado simbólico do pão dito acima, João pretende mostrar para a sua comunidade e para nós esta realidade: Jesus é a Sabedoria/Palavra que desce do céu, ou seja, que vem de Deus. O Pão/palavra que o Pai dá, oferece, envia é Seu próprio Filho.

Jesus utiliza o verbo comer e sua consequência: ter a vida de Deus. Comer é uma metáfora para a atitude da assimilação. Em simples palavras, o Senhor declara que aquele e aquela que o acolhem e assimilam o sentido de sua vida, enquanto Palavra/Sabedoria de Deus tem a possibilidade de participar da vida de Jesus e do Pai.

Diante da dificuldade de compreensão da multidão, da murmuração dos chefes religiosos do povo (que comentaremos por último) e dos discípulos, Jesus chama a atenção deles, através de uma declaração solene, a qual visa despertar o discípulo que ouve para um ensinamento importante. “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós”. Jesus atribui ao Pão um novo significado: é sua carne e seu sangue. Essa variação é muito importante, porque ele tem a intenção de revelar que a sua carne, isto é, sua existência limitada, e seu sangue, símbolo de sua vida, são, agora, as mediações (os meios) através dos quais a Palavra/Sabedoria de Deus se faz presente na história. Dizendo de uma forma mais simples, o discípulo é chamado a assimilar (comer) o sentido da existência (a carne) e da vida; a ver e contemplar todos os gestos, atitudes e opções de que Jesus fez na carne e no sangue, e, portanto, fazer sua opção por Ele. A consequência será ter a vida, a existência – a carne e o sangue – de Jesus em si mesmo. Sendo capazes de transformar a vida numa plenitude de sentido: numa vida em tons e cores de eternidade.

Agora, o texto chama a atenção do leitor para um perigo. A atitude dos Judeus. No v.52, o autor informa: “Os judeus discutiam entre si, dizendo: Como é que ele pode dar a sua carne a comer?”. Na verdade, o sentido do verbo discutir dá a entender que eles estivessem debatendo uma ideia. Mas, na verdade, o verbo correto é “murmurar”. Os judeus são os chefes religiosos de Israel. Eles murmuram contra o ensinamento de Jesus. Acontece, que a murmuração corresponde ao pecado do povo contra Deus, no AT. Eles murmuravam por estarem no caminho do deserto, recusando toda a ação libertadora de Deus. Da mesma forma, os chefes religiosos murmuram contra Jesus, ou seja, recusam aceita-lo como Dom de Deus. Ao murmurar, questionam a ação do Pai através de Jesus. Rejeitam assimilar o sentido da vida e obra do Senhor. Este é o perigo sobre o qual nos adverte o evangelista: recusar a forma, o modo, o sentido, as atitude e opções de Jesus como ações do próprio Deus. O discípulo que escuta e caminha com Jesus não pode ter esta atitude. Ao comer da Carne e beber do Sangue de Jesus, o discípulo se compromete em assimilar todo o sentido da existência, vida e obra do Senhor. Por isso, quais são as murmurações e discussões que alimentamos em relação a estas palavras de Jesus?

O discípulo precisa crescer na consciência de que ao comer (assimilar) a carne e beber do sangue do Senhor, está comungando (estabelecendo comunhão de vida) todo a Sua vida. Está sendo provocado a colocar sua existência em relação ao Cristo, a fim de se tornar, histórica e concretamente, sua carne e seu sangue nesta realidade. Ser os olhos, o coração, as mãos, os pés, isto é, o corpo real e histórico do Senhor Jesus no aqui e no agora, a fim de transformar este mundo. Pois, “Que come minha carne e bebe meu sangue permanece em mim e eu nele” (v.56). Para viver e construir a unidade do Corpo de Cristo (a Igreja) na história (cf. 1Cor 10,17).

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.

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