sexta-feira, 26 de agosto de 2022

REFLEXÃO PARA O XXII DOMINGO DO TEMPO COMUM – Lc 14,1.7-14:

 


A leitura contínua do evangelho de Lucas na liturgia dominical foi interrompida pela leitura do texto lucano da visitação de Maria à sua prima Isabel (Lc 1,39-56), por ocasião da solenidade da assunção, celebrada aos domingos de agosto, na Igreja do Brasil. Agora, neste XXII domingo comum, a liturgia retoma, para a Igreja do Brasil, a meditação da catequese de Lucas a partir do capítulo quatorze. Jesus está fazendo refeição na casa de um fariseu. A viagem para Jerusalém é interrompida, mas o leitor-discípulo do evangelho deve recordar que o contexto não mudou: o caminho catequético, teológico, espiritual (geográfico e narrativo) de Jesus acompanhado de seus discípulos à Jerusalém. O texto de Lc 14,1.7-14, tem uma finalidade e uma catequese valorosa para o discípulo e leitor do evangelho. Por isso, a liturgia nos convida a meditá-lo. Para isso, devemos contextualizar sua leitura.

Jesus, pela terceira e ultima vez faz refeição na casa de um fariseu. Curioso notar que, sempre que Ele faz refeição na casa de um dos líderes espirituais e religiosos do povo, estabelece-se ocasião para conflito. Desta vez, o conflito foi causado por Jesus porque nesta mesa está enfermo (hidrópico, uma pessoa que sofre com a retenção e acúmulo de liquido na região do abdômen), e Ele questiona os líderes religiosos se é lícito ou não curar em dia de sábado, dia dedicado ao repouso total em vista do louvor à YHWH. Os fariseus nada respondem e Jesus, de sua parte os censura, denunciando-lhes a hipocrisia ao violarem o sábado colocando seus interesses pessoais acima de tudo, inclusive sobre a Lei do Senhor. O texto de Lc 14,1.7-14, proposto para a nossa meditação parte deste contexto.

Depois de chamar a atenção das lideranças judaicas, Jesus dirige-se aos demais convidados ao observar uma atitude dissonante daquilo que se esperava de gente letrada e versada na Palavra de Deus, a busca pelos primeiros lugares na mesa, algo inclusive censurado pela literatura sapiencial, em Pr 25. A partir desta atitude dos convidados, Jesus começa a ensinar. Seu ensinamento assume o tom de exortação, de chamada de atenção. Só que através de um recurso que o mestre gosta muito: parábola. Ela ocupa os versículos de 8-11.

"Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer: 'Dá o lugar a ele'. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar (v.8-9)”Jesus estigmatiza esta atitude de ambição e de vaidade, que acaba sendo típica, isto é, sempre presente nas pessoas religiosas que são encarregadas de algum cargo de relevância, que as fazem sentir-se importantes, e, portanto possuem a necessidade de se exibir, de manifestar e fazer notar a todos a sua importância escolhendo os primeiros lugares.

O ensinamento importante reside no v. 10: “Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: 'Amigo, vem mais para cima'. E isto vai ser uma honra para ti diante de todos os convidados”. Todavia, esta atitude não pode ser assimilada e realizada por simples humildade, mas por algo muito mais superior: por amor. Jesus está convidando os que O escutam a realizar esta atitude a partir do amor, que tem a capacidade de recolocar nos primeiros lugares aqueles que estão e são últimos. A habilidade de potencializar positivamente o outro. Esta parábola de Jesus tem a intenção de incutir no coração do discípulo a atitude do amor e do serviço desinteressado. O amor que é capaz de superar inclusive os interesses próprios.

O mestre está invertendo a escala de valores da sua sociedade e da nossa; subvertendo radicalmente a falsa mentalidade religiosa a partir da verdadeira ética do Reino. É o que Ele propõe com v.11: “Porque quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado". A verdadeira reviravolta histórica sempre realizada por Deus nesta realidade, que se torna uma inversão escatológica. Jesus, agora, convida aqueles fariseus, empoderados de seus cargos e lugares de honras, a passar da categoria e do dinamismo do interesse àquela do Dom, da gratuidade e da Graça. Uma simples palavra: à atitude do amor.

Jesus, que foi o primeiro a colocar-se ao lado dos últimos, dos excluídos, dos marginalizados está dizendo que aqueles que, com Ele e como Ele, fazem o mesmo poderão tomar parte da plenitude de sua condição divina, estabelecendo comunhão de vida com Ele. Mas quem pretende se colocar sobre os outros, cindindo com as relações, serão excluídos, o que se dá a entender com a expressão “serão humilhados”.

Do v.v 12-14, Jesus propõe um segundo ensinamento para aquela classe de fariseus, que, todavia, pode ser colocado para toda a comunidade dos discípulos e discípulas de todas as gerações e lugares. “Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos. Pois estes poderiam também convidar-te e isto já seria a tua recompensa. Pelo contrário, quando deres uma festa, convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos. Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a recompensa na ressurreição dos justos". 

Se alguém quer ser, de fato, discípulo do Reino e pertencente à comunidade de Jesus, deve acolher os últimos e servi-los. Estes, são simbolizados pelos pobres, os aleijados, os coxos e os cegos. Eram as categorias de pessoas que, devido às suas enfermidades, ficavam impossibilitadas de participarem da vida religiosa, uma vez que a enfermidade era, na concepção religiosa equivocada da época, fruto do pecado, e, por isso, eram excluídas essas pessoas do templo e da sociedade pelos sacerdotes e doutores da lei.

Qual a finalidade do texto deste capítulo quatorze do evangelho de Lucas, proposto para a meditação deste vigésimo segundo domingo do tempo comum? Jesus orienta seus discípulos, através do ensinamento aos fariseus, a não cair na tentação daqueles mesmos líderes, de, ao sentirem-se superiores em relação aos outros agirem da mesma forma. Mas ao contrário, ir ao encontro dos últimos. Ou seja, para nós o texto se faz atual na medida em que se coloca (nós e nossas comunidades) a atenção e a ação para aquelas categorias de pessoas que, em razão de nossas concepções e equivocadas concepções (morais e, inclusive religiosas), pensamos não merecerem atenção. Estes últimos são, na realidade os destinatários da boa nova de Jesus. Mas não se deve realizar essa tarefa mediante interesses pessoais, como faziam os fariseus, mas na ordem do Dom e do amor gratuito como fez Jesus.

 

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese de Botucatu-SP.

 


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