domingo, 8 de maio de 2022

REFLEXÃO PARA O IV DOMINGO DA PÁSCOA – Jo 10,27-30:


O texto que a liturgia do quarto domingo da páscoa nos propõe encontra-se em Jo 10,27-30. O capítulo décimo do Quarto Evangelho apresenta a temática do Pastoreio, com destaque para a alegoria do Pastor Exemplar, ou “Belo Pastor”, dos vv.11-18. Este tema era muito presente na vida de Israel. A imagem do pastor/pastoreio e do rebanho nutria a fé e o imaginário religioso do povo de Deus, bem como alimentava as expectativas acerca da manifestação do Messias. Primeiramente, o rebanho/ovelha é um símbolo aplicado ao povo. Já a imagem do pastor era atribuída ao próprio Deus. Mas, no decorrer da história foi sendo atribuída às lideranças, os reis e sacerdotes, a alcunha de pastores (guias). Mas, a história mostrou que esta função não foi desempenhada “segundo o coração de Deus (cf. Ez 34)” pelas mesmas lideranças. No nível do contexto próximo (lugar literário onde o texto se encontra situado) é que também se deve lançar o olhar, a fim de compreender o discurso de Jesus. Por isso, devemos voltar para o capítulo nono, o sinal realizado por Jesus na cura do cego de nascença. 

O Sinal em Jo 9 consiste na revelação de Jesus como o enviado (hbr. siloé) para trazer a Luz para o mundo. O cego de nascença é, ao mesmo tempo, instrumento através do qual Jesus revela a Glória de Deus, e metáfora para as lideranças do povo, as quais estavam cegas, optando conscientemente em não querer ver a Luz de Deus que se manifestava em Jesus de Nazaré. Isso é atestado pela mesma postura destas lideranças judaicas. Elas, que deveriam cuidar, acolher, promover-lhes a vida e a dignidade, acabavam expulsando do meio deles a gente simples do povo, aqueles que representavam-lhes alguma ameaça, ou, porque, simplesmente viviam fora de seus padrões. Sabendo disso, Jesus vai ao encontro do ex-cego (Jo 9,35-37).

O contexto imediato do texto é o da festa da Dedicação. Ocorre uma mudança de cenário e de festa religiosa. Isso é importante para a compreensão do capítulo de forma global. O evangelista situa Jesus nos arredores do templo, num clima de inverno, por ocasião da festa da dedicação do templo. Ela foi estabelecida por Judas Macabeu no ano 165 a.C., para celebrar a vitória dos macabeus sobre a dominação grega e a nova dedicação do templo e do altar, já que todo o templo havia sido profanado pelos gregos (cf. 1 Mc 4,36-59). A festa acontecia em Jerusalém e durava uma semana. Ela encontra seu substrato bíblico no texto profético de Ezequiel, no qual o profeta faz uma enfática denúncia aos maus pastores de Israel, que apascentavam a si mesmos, ao invés de apascentar o (povo) rebanho (cf. Ez 34,1-2). Por isso, de acordo com o profeta, Deus toma a iniciativa de destituir os maus pastores e cuidar ele mesmo do rebanho (cf. Ez 34,11).

Neste sentido, na alegoria do Bom Pastor, o evangelista opera um contraste entre as lideranças do povo, que agiam na contramão do projeto de Deus, e Jesus, que age segundo o coração (de pastor) de Deus, mostrando-se um pastor exemplar, que realiza aquilo que as lideranças do povo deveriam fazer, e não faziam.

Antes de tomarmos os versículos em questão é importante recapitular, pelo menos, três ditos de Jesus. O primeiro é o contido no v.7: “Amém, amém, eu vos digo: eu sou a porta das ovelhas”. Jesus, após contar a parábola do redil das ovelhas, declara ser ele mesmo a porta pela qual devem passar as ovelhas. Ele quer dizer que para pertencer ao rebanho (ser discípulo) e possuir a vida eterna, isto é, do dom de Deus oferecido por meio Dele é necessário, primeiro, passar (aderir) à sua pessoa.

Outro dito encontra-se no v.11, onde Jesus declara, “Eu sou o Bom (gr. Kalós / Belo ou ideal) pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas”. Ora, só quem passa pela porta que é Jesus pode ser do seu rebanho e viver do dom da vida que Ele dá. O terceiro dito é o que nos coloca no horizonte do texto: “Vós, porém, não me acreditais, porque não sois das minhas ovelhas” (Jo 10, 26). Jesus diz estas palavras aos líderes do judaísmo (fariseus e sacerdotes), dada a recusa de aceitar a novidade escatológica da presença de Deus Nele. Contextualizado o texto de hoje, então podemos meditá-lo.

No v. 27, Jesus declara: “As minhas ovelhas escutam a minha voz, eu as conheço e elas me seguem”. Ele indica aqui a condição para ser “ovelha” (discípulo) de Jesus: ouvir e segui-lo. Ao dizer as condições necessárias para ser discípulo e, portanto, participar do redil, Jesus denuncia que os líderes do povo não fazem parte de seu rebanho, porque não aceitam nem querem escutar, tampouco segui-lo.

Escutar e seguir são dois verbos importantes para a compreensão da mensagem de Jesus. O verbo “escutar”, no ambiente bíblico, não significa simplesmente a capacidade ou faculdade biológico-física da percepção de um som ou ruído, mas é acima de tudo dar adesão completa àquele que fala, deixar-se transformar e, consequentemente, conduzir-se pelas suas palavras. A atitude da escuta orienta para outra ação do discípulo, o seguimento. O seguimento a Jesus, como consequência da escuta, significa seguir os mesmos caminhos dele, com liberdade e disposição.

No v.28, Jesus garante que as suas ovelhas recebem o supremo dom que Ele pode doar, a “vida eterna”, a garantia de que elas jamais se perderão e que ninguém poderá tirá-las de suas mãos. O que seria esta vida eterna da qual fala Jesus? A vida que pertence ao âmbito de Deus. Não é a continuação desta mesma vida, mas um dom superior em qualidade e em dinamicidade que está em Deus mesmo. Todavia, ela não é um prêmio dado àquelas pessoas boas no futuro. A opção por Jesus e ao seu Evangelho simbolizada pela escuta da sua voz e o seguimento à sua pessoa, eterniza a vida. Não é uma vida pós-morte, mas é uma vida tão plena, tão cheia de sentido e autêntica, que se torna indestrutível. Logo, vida eterna é a vida de todo homem e toda mulher que escuta a voz de Jesus e abraça o seu seguimento, a sua vida, o seu projeto. Tem-se, em Jesus, e, a partir dele, a oportunidade de se viver uma vida em tons de eternidade, e, portanto, ressuscitada, desde já!

“Meu Pai, que me deu estas ovelhas, é maior que todos, e ninguém pode arrebatá-las da mão do Pai. Eu e o Pai somos um” (29-30). Nestes dois versículos Jesus declara que o que vale em relação ao Pai vale também em relação a si, ou seja, os dois constituem uma única realidade. Por isso, ninguém consegue arrancar as ovelhas da mão de Jesus (cf. v 28b) pois tudo o que está em suas mãos, está, igualmente, nas mãos do Pai. A mão, conforme a antropologia bíblica, é metáfora do poder e do agir protetor de Deus, de Sua força e dos Seus cuidados enquanto pai e mãe.

Ora, o Pastor exemplar (melhor tradução para o termo kalós / καλός, Belo) do Quarto Evangelho não carrega ninguém ao colo. Pelo contrário, ele sai ao encontro das ovelhas, convive com elas, existindo um conhecimento mútuo entre eles; por isso, as conduz e aponta caminhos! Da outra parte, os que aderem a Jesus, assumindo a condição de ovelhas devem apresentar a característica da escuta e manifesta-la através do seguimento a Jesus. 

Por isso, o evangelho de hoje nos questiona: 1) Somos verdadeiras ovelhas de Jesus? 2) Temos ouvido (aderido) à voz (evangelho e vida) de Jesus e, portanto, seguido a exemplaridade da vida do Pastor Ideal?

 

Pe. João Paulo Sillio.

Santuário São Judas Tadeu, Avaré /Arquidiocese de Botucatu-SP.

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