Adentramos no sexto domingo do tempo pascal, seguindo com a leitura do testamento de Jesus no Quarto Evangelho, o qual constitui o Seu grande ensinamento sobre o mandamento (dinamismo) do amor, e sobre a entrega da própria vida. A liturgia propõe para a nossa meditação o texto de Jo 14,23-29. O texto situa-se no livro da glória, a segunda parte do Quarto Evangelho, onde Jesus revela aos discípulos que chegou a hora da glorificação do Filho do Homem. Esta hora decisiva revela-se na Cruz. Ali, Jesus leva a termo a sua Obra, a obra que recebeu do Pai, que através do gesto livre da doação da vida do Filho revela, pois, todo o seu Poder, seu ser e seu agir. Há que se recordar também que este “testamento” é transmitido pelo Senhor ao redor da mesa, o lugar da comunhão da vida e da relação mais profunda com o mestre.
Qual a finalidade de Jo 14, 23-29 para a comunidade dos discípulos, para a geração posterior e para nós, hoje? Fundindo os horizontes da comunidade dos discípulos (tempo narrado, os anos trinta) e o da comunidade de joanina (a geração posterior dos fieis, na qual inclui-se todo o fiel-discípulo e leitor do Evangelho, pelos idos dos anos noventa), a intenção do texto atinge seu ápice quando a comunidade cristã lê, assimila e adere ao testamento/ensinamento de Jesus como sendo seu modo de vida, pautando o seu agir e sua identidade no modo de vida de Jesus, em seu ensino e em sua missão. Assim, o discurso de despedida que Jesus deixa aos seus serve para que eles e a geração seguinte possa balizar seu ser, viver e agir quando da ausência do mestre. Nesta perspectiva, a comunidade teria as ferramentas (os meios) para viver constantemente o convite e a realidade de uma vida ressuscitada garantida pelo dom do amor do Senhor e por seu Espírito, isto é, viver segundo o Filho de Deus.
Antes de tomarmos o texto de hoje, se faz necessário que nos versículos anteriores, Jesus prometeu o Espírito Santo aos discípulos. O Espírito Santo é o espírito de Jesus (Espírito do Ressuscitado) e do Pai. É o dinamismo de vida do Pai e do Filho, que, doado por ambos comunica vida, filiação e amor. É aquele que garante a continuidade da vida e a presença de Jesus para a comunidade, através da vivência do mandamento do Amor. Jesus prometeu manifestar-se à quem ama como ele ama. Isso posto, podemos entrar no horizonte do texto.
Jesus continua seu discurso, dizendo: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou”(vv.23-24). Jesus afirma a importância do amor e de guardá-lo como mandamento/Palavra. O Pai e Jesus se manifestam na vida daqueles que amam do mesmo modo de Jesus. Todavia, é necessária uma condição para receber e participar deste amor, de acordo com o evangelista João: amar a Jesus para receber o amor do Pai. O amor é a plena adesão e identificação a Jesus.
Mas amar a Jesus e, por conseguinte, viver a mesma vida dele, é também o critério para saber se a Sua Palavra é, de fato, guardada, ou seja, vivida. O verbo guardar (hbr. Shama) não significa reter para si, mas observar, no sentido de cumprir/viver o mandamento e a Palavra de Deus. Só o amor pode motivar a adesão à Palavra/mandamento de Jesus.
Jesus assegura uma segunda vez: “o defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele ensinará tudo e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (v.25). Na teologia do Quarto Evangelho, o Espírito é o defensor; tem a função de ensinar e recordar. O termo que João emprega é παράκλητος/paraklétos (gr. Pará = junto de, ao lado de / kalein (kaleo) = chamar), que significa “estar junto de”, ou “ser chamado para ficar ao lado de”. Ao lado, enquanto presença ativa e viva do próprio Senhor junto do discípulo. Nesse sentido, o Espírito de Jesus está ao lado do fiel para que ele possa assumir o modo de vida de Cristo.
Outras duas funções são apresentadas pelo Jesus joanino, a de ensinar e renovar. Ambas as funções querem dizer a mesma coisa: atualizar. Ora, o verbo “recordar”, na fé e tradição do Antigo Testamento remente à atitude da memória bíblica significa tornar presente no hoje o ensinamento, a missão e a vida mesma de Jesus. O ensinar/recordar são duas atitudes imprescindíveis para a vida da comunidade. São as atitudes daqueles e daquelas que vivem a novidade do convite à vida ressuscitada de Jesus, e dela dão testemunho. O Espírito Santo é aquele que inscreve (escreve a partir de dentro) a vida mesma de Jesus em nós. Ele é a letra de Cristo que escreve no livro da vida humana a vida de Jesus.
“Deixo-vos
a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe o vosso
coração”
(v. 27). Jesus fala da paz. É preciso entender de quê paz ele fala. É daquela
que, no Antigo Testamento está associada à posse da terra prometida. Como
consequência da posse da terra da promessa, o povo conquista a paz. Mas ela é
dom e garantia do tempo do Messias. Significa que a espera acabou e que a
promessa foi cumprida. Todavia, no Novo Testamento, a paz não se dá em virtude da
conquista de um lugar geográfico como a posse da terra da promessa, no AT. A
Paz se dá através da relação com Jesus. Nesse sentido, Jesus é a terra
prometida. Ele é a promessa cumprida. Então, para os discípulos de Jesus, a Paz
é um modo de ser e de existir. É ela uma qualidade de vida. Por isso, a paz que
Jesus dá é Ele mesmo. Um modo de ser e de existir que é superior à “pax romana” (se queres paz, prepara-te para
a guerra), aquela que visa oprimir, dominar, subjugar para manter a ordem,
principalmente contra as minorias. A paz judaica é aquele típico bem-estar. E a
Paz que Jesus dá, supera estas ideologias.
Na certeza de que Jesus e o Pai fazem morada em quem vive o mandamento do amor, cabe aos discípulos e discípulas de todos os tempos o esforço para que tudo isso seja manifestado também ao mundo.
Pe. Joao Paulo Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré / Arquidiocese
de Botucatu-SP.
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