sábado, 3 de abril de 2021

REFLEXÃO PARA O DOMINGO DE PÁSCOA - Jo 20,1-9:


 


O Texto proposto para a meditação neste Domingo de Páscoa é retirado do capítulo vigésimo do evangelho de João. O último capítulo do Quarto Evangelho relata para nós a experiência com Jesus Ressuscitado. Embora, o início desta última cena do evangelho joanino não descreva qualquer encontro com Jesus. Estamos no livro da Gloria. A sua glorificação já foi realizada através da entrega na cruz. Ali, Deus revelou toda a sua presença e poder. O discípulo e a comunidade são chamados a reconhecer Deus mesmo no Crucificado. Mas a comunidade ainda não está preparada para fazer a experiência com o ressuscitado. Na narrativa prosta para esse dia solene, Jo 20,1-9, o evangelista trata de relatar esta dificuldade da comunidade, a qual tem como primeiro símbolo neste amanhecer do dia, Maria Madalena.

No v.1, o evangelista nos informa que, no primeiro dia da semana, bem de madrugada quando ainda estava escuro, ela se dirige ao sepulcro. João quer acenar para o fato de que a comunidade, simbolizada por ela, ainda se encontra ao redor do túmulo. Não conseguiu fazer a experiência da ressurreição do Senhor.

Outro fato agravante é o dado cronológico que o evangelista dá: era o primeiro dia da semana, literalmente, "depois do sábado". Esta informação revela que a comunidade dos discípulos ainda está presa ao preceito da lei mosaica de guardar o sétimo dia. Esta observância impede o discípulo e a comunidade de experimentarem prontamente a potência da vida que existe em Jesus, uma vida capaz de superar a morte. Mas apegar-se a tal observância da lei retarda a experiência com a nova criação, inaugurada por Deus no Ressuscitado, naquele primeiro dia da semana. De fato, o "primeiro dia da semana", para o evangelista, recorda o primeiro dia da criação em Gn 1 – 2. Em Jesus, acontece a nova criação. Aquela que é realmente criada por Deus e não conhece fim; não conhece a morte.

"Quando ainda estava escuro", enfatiza o evangelista. A escuridão remete às trevas. Ela simboliza a incompreensão da comunidade que não assimilou Jesus como a luz do mundo. A comunidade encontra-se, portanto, impossibilitada, bloqueada e sem compreender a vida e o acontecido com Jesus.

Madalena, ao chegar ao sepulcro, o encontra aberto. A pedra havia rolado. O tumulo estava vazio. Imediatamente, Maria corre até os discípulos para contar-lhes o acontecido. Aqui, se faz necessário entender o seguinte, as mulheres não eram consideradas pela sociedade da época de Jesus; elas não tinham voz e nem vez; inclusive, seu testemunho não valia. Daí, o fato de correr até os discípulos, homens, que funcionariam como testemunhas qualificadas para o evento. Mas, na verdade, Maria Madalena tem a função de arrebanhar o grupo dos discípulos que haviam dispersados após a morte de Jesus. E lhes anuncia, então, o seguinte: "'Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram" (v.2). É interessante, que ela não fala de um cadáver ou de um corpo, mas refere-se a Jesus como "o Senhor". O evangelista, com essa afirmação de Madalena, quer aludir ao fato de que esse Jesus está vivo, e não morto.

O que fazem Pedro e o outro discípulo? Justamente o que não era para fazer: vão ao sepulcro. O último lugar que deveriam ir. Porque Jesus não se encontrava ali. No evangelho segundo Lucas, inclusive, o evangelista insere os dois homens-mensageiros, que se interpõem entre as mulheres que no meio do caminho, para adverti-las de que o Jesus não estava ali. Os dois dirigem-se ao lugar da morte (v.3). Ora, Jesus não pode ser retido na sepultura, lugar da morte, porque Ele é o vivente. Porque o amor com que ele viveu sua vida e obra, na fidelidade ao Deus que chamava de Pai, e que foi vivido até o fim, superou o ódio e a violência que foram cometidas contra Ele. Amor foi mais forte que a morte e garantiu que a vida desse Jesus se tornasse indestrutível. O amor levado até o fim plenifica a vida tornando-a eterna. O amor eterniza e imortaliza.

"Os dois corriam juntos, mas o outro discípulo correu mais depressa que Pedro e chegou primeiro ao túmulo" (v.4). As duas personagens são intrigantes. João trata de estabelecer um contraste entre os dois. O discípulo amado – que não é João, o autor do Quarto Evangelho – é  aquele que guardou as palavras de Jesus; que fez uma experiência de amor com o mestre; e que está em condições de assumir a vida e o projeto Dele em sua vida. Sua atitude nesta cena é exemplar: ele corre mais depressa (por ter feito uma experiencia profunda com Jesus, ele consegue processar mais rapidamente os eventos), chega ao sepulcro, olha para dentro, vê as faixas no chão e não entra (v.5). O evangelista trabalha aqui com o verbo grego Theorein, que significa ver. Mas este "ver" não corresponde tão somente a uma capacidade física. Theorein (Theoreo) significa "contemplar", "olhar a partir de dentro". O discípulo amado, portanto, é aquele que está em condições de fazer a experiência com o ressuscitado.

Diferentemente de Pedro. Ele tem dificuldades. Ele se recusou e fez resistência a Jesus no gesto de lavar os pés; descomprometeu-se com o mestre na ocasião do processo judaico na casa do sumo sacerdote, negando-o. Não aceitou o gesto e a condição mestre e Senhor de lavar os pés e colocar-se a serviço. Por isso, chega depois no sepulcro. Porém, o discípulo amado se retém, e deixa que Pedro, o discípulo descompromissado e que fez a experiência com a morte, adentre no sepulcro e faça sua experiência com o evento da vida (v.6).

"Então entrou também o outro discípulo, que tinha chegado primeiro ao túmulo. Ele viu, e acreditou. De fato, eles ainda não tinham compreendido a Escritura, segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos" (vv.8-9). A advertência que o evangelista faz no v.9 é importante. A preocupação de João é que se possa crer na ressurreição de Jesus somente vendo os "sinais" (sepulcro vazio; toalhas e panos ao chão) de sua vitória sobre a morte. Mas a ressurreição de Jesus não é um privilégio concedido a um grupo restrito de pessoas, num determinado tempo e espaço, ha dois mil anos atrás. E, sim, uma possibilidade a todos os crentes. Como? Através do exame e da compreensão das Escrituras.

No evangelho joanino, soma-se às Escrituras Sagradas do AT as palavras e ensinamentos de Jesus. Para ele e sua comunidade as palavras de Jesus ganham e adquirem estatuto de Palavra de Deus. Principalmente "aquelas segundo a qual ele devia ressuscitar dos mortos". O acolhimento das Escrituras e da Palavra do Senhor e Mestre no discípulo, o enraizamento de Sua mensagem em sua vida, permite viver uma vida de qualidade tal que poderá experimentar o ressuscitado na sua própria vida. Não se crê que Jesus ressuscitou apenas porque o sepulcro está vazio. Mas somente se O encontra vivo e atuante na própria vida do discípulo! 

A ressurreição de Jesus ninguém viu. Ela aconteceu na noite da história humana, mas ainda continua sendo uma experiência "familiar", ou seja, pertencente ao mistério do Deus Uno e Trino. Só temos acesso às experiências que as primeiras testemunhas oculares nos transmitiram através dos relatos bíblicos, e, tão somente com o Ressuscitado, de modo que as narrativas só podem transmitir esta experiência a partir de uma linguagem repleta de simbologia. O que, jamais, poderá empobrecer o evento, tampouco negá-lo.

Mas, a partir da própria linguagem é que se pode elaborar verbalmente aquela experiência fundante da fé cristã. Por isso, poderíamos dizer com toda a segurança que a ressurreição de Jesus é a mais perfeita, profunda e plena afirmação da vida existencialmente vivida por Ele que o Pai faz. Deus, ao ressuscitar Jesus dentre os mortos, confirma a sua vida (missão, modo de ser, história, seu amor fiel, obra, paixão e morte), como aquela vida sonhada e desejada por Ele a todo gênero humano. A ressurreição é o grande e definitivo Sim de Deus à vida de Jesus e de todo o gênero humano.

Feliz e Santa Páscoa!

Pe. João Paulo Sillio.

Pároco da paróquia São Judas Tadeu, Avaré-SP / Arquidiocese de Botucatu-SP.

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