sábado, 25 de julho de 2020

HOMILIA PARA O XVII DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mt 13,44-52:


A liturgia deste domingo nos apresenta a conclusão do Discurso parabólico – em Parábolas – de Jesus, contido integralmente no capítulo treze do Evangelho segundo Mateus. Já meditamos nos domingos anteriores, que o Discurso em Parábolas apresenta sete ilustrações/comparações feitas por Jesus, retiradas do ambiente cotidiano, simples e comum a todos, através das quais são revelados os mistérios do acontecimento/evento do Reino dos Céus. Mas é curioso como Mateus estrutura seu evangelho: o capítulo treze ocupa o centro da catequese mateana.

A obra de Mateus é composta de cinco grandes discursos, o Sermão da montanha (Mt 5 – 7), Discurso missionário (Mt 10 – 11), Discurso em Parábolas (Mt 13), Discurso eclesial (Mt 18) e, por fim, o Discurso Escatológico (Mt 24 – 25). Note-se que o discurso em parábolas encontra-se precisamente no meio da narrativa evangélica (se o esquematizarmos verticalmente perceberemos melhor esta estrutura e posicionamento do referido capítulo), pretendendo ensinar que o Reino anunciado por Jesus, através das parábolas, deverá ocupar o centro da vida e das opções do discípulo e da discípula de todos os tempos e lugares. O objetivo é o de motivar a comunidade a fazer opção pelo Reino, preferindo-o a qualquer outra realidade ou bem. É o que as duas primeiras parábolas meditadas neste domingo pretendem ilustrar. Lidas em conjunto, as duas parábolas mostram que não há contradição entre dom e esforço. A conquista do Reino exige esses dois elementos. Mergulhemos, pois, no texto!

“O Reino dos céus é como um tesouro escondido no campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquele campo” (v. 44). Jesus compara o Reino a um tesouro que alguém escondeu num campo – um vaso de argila cheio de moedas valiosas e joias. Fato comum, na antiguidade, por ocasião de guerras ou rivalidades. Quem possuía algum objeto de valor cavava o chão e o escondia na esperança de recuperá-lo quando passasse o momento difícil. Os tesouros eram encontrados muito tempo depois, por pessoas que não sabiam da sua existência, ao utilizarem o terreno para outras atividades de subsistência; daí, pegos de surpresa, subentendido no texto, também devido ao aspecto da alegria. Esta, por sinal, é uma característica essencial de quem encontrou o Reino e a ele aderiu plenamente. Todavia, chama-nos a atenção o fato de que este homem da parábola foi encontrado pelo tesouro; dito de outra maneira, ele não estava caçando tesouros, mas, surpreendente e involuntariamente, ele o encontrou. Mas sua atitude é que nos chama a atenção: mesmo tendo encontrado tal tesouro, ele, na verdade viu um motivo e uma oportunidade para mudar a sua vida.

Aquele homem da parábola serve de exemplo para Jesus (que se dirige às multidões e aos discípulos) e para Mateus (que se dirige à sua comunidade) daquele que encontrou algo pelo qual valia a pena renunciar a tudo o que possuía para ficar somente com o bem precioso que tinha acabado de encontrar. O Reino deve ser a primeira opção de quem o encontra.  Ele desestabiliza a normalidade das coisas, gera reviravolta, subversão, é o revés da ordem estabelecida, tanto a social quanto a religiosa (cf. CORNELIO, F, Homilia dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

Na segunda parábola, do comprador de pedras preciosas, Jesus provoca novamente seus ouvintes: “O Reino dos céus é como um comprador de pérolas preciosas. Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e compra aquela pérola” (vv. 45-46). Todavia, a atitude deste mercador é que chama a atenção: ele sabe o que procura. Ele está, na verdade, à procura! Trata-se de um homem experiente, e, também, inquieto; capaz de distinguir o valioso do vulgar. Como na parábola anterior, também ele encontra algo que lhe faz tomar uma decisão radical. Também o discípulo, ao entrar em contato com o Reino e sua mensagem, coloca-o como o centro de sua vida, relativizando tudo mais. O Reino torna-se o absoluto de sua vida; tudo mais tem valor secundário.

Na terceira e última parábola, a experiência dos pescadores no lago da Galileia serve de termo para a última comparação de Jesus. O Reino dos Céus é como uma rede jogada no mar e recolhe peixes de toda espécie (vv. 47-49). Depois que está cheia, os pescadores a puxam para a praia e recolhem os peixes bons, enquanto os imprestáveis são jogados fora (Lv 11,10-12). Existe, aqui, uma certa semelhança com a parábola do joio e do trigo. Mas, diferentemente daquela, onde a cizânia fora semeada por algum inimigo, aqui, os peixes ruins têm a mesma origem dos peixes bons. Esta parábola alerta, mais uma vez, a comunidade, para as contradições e a diversidade que compõem o Reino dos Céus, prevenindo-a de qualquer puritanismo e segregação.

Desde a comunidade apostólica, havia na Igreja a tendência equivocada de querer ser uma comunidade de santos, justos ou eleitos, ou seja, uma comunidade separada e isolada. Essa tendência era e é um entrave para a concretização do Reino. Com essa parábola da rede, bem mais que com a do joio e o trigo, Jesus apresenta o universalismo do Reino, marcado pela diversidade e inclusão, e sua exposição aos perigos. Essa parábola é, portanto, um convite para os discípulos retornarem às origens do chamado. Ora, Jesus não os chamou para irem à procura de pessoas boas e santas, mas simplesmente para “pescar seres humanos”, ou seja, ir ao encontra da humanidade inteira, sem distinção nem classificação (CORNELIO, F, Homilia dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

Segue, novamente, uma alegorização por parte de Jesus: “Assim acontecerá no fim dos tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos. E lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes” (v. 50). O fim do mundo será como um final de pescaria. Os anjos de Deus vão se dar ao trabalho de separar os justos dos malvados. Estes serão lançados num lugar de castigo e haverão de sofrer muito (Mt 13,41-42). Os líderes da comunidade não podem se constituir em juízes dos irmãos, condenando a quem não lhes parece entrar nos esquemas do Reino, ou seja, os esquemas do Reino criados por eles mesmos (Mt 7,1-2). A palavra de salvação e de condenação é exclusividade de Deus no dia do juízo (VITÓRIO, J, 2017, p.93).

Mas as parábolas exigem discernimento para serem compreendidas. Jesus questiona as multidões se elas de fato compreenderam tudo – uma forma semítica para todo o ensinamento dado pelo mestre. Elas, afirmativamente respondem que sim. É evidente que nada entenderam, pois o próprio evangelho nos desvelará a incompreensão dos que seguiam a Jesus, no tocante à sua mensagem. A compreensão significa a aceitação da sua mensagem com as consequências implicadas nela; não se trata da abstração teórica de um conteúdo, mas de assimilar um jeito novo de viver. Todavia, para compreender e nutrir esta compreensão, se faz necessário uma característica importante destacada por Jesus, ao final: “Todo mestre da Lei instruído na sabedoria do Reino dos Céus pode ser comparado com uma pessoa que abre um velho baú e vai retirando dele coisas novas e coisas velhas” (v.52). A sabedoria do Reino oferece ao discípulo uma nova chave de leitura para tudo, possibilitando-lhe ver a realidade com os olhos de Deus e perceber nela a ação divina (VITÓRIO, J, 2017, p.94).

Há quem diga estar o evangelista referindo-se a si mesmo! Ele seria esse mestre da Lei convertido ao Reino, que reinterpreta, relê e ressignifica, com a luz oferecida por Jesus, os velhos ensinamentos. Nessa perspectiva, as coisas velhas são a Lei e os profetas, enquanto as coisas novas são os ensinamentos de Jesus, que ele mesmo considerou como o pleno cumprimento da Lei e dos profetas (Mt 5,17).

Com qual das personagens das duas primeiras parábolas nos identificamos, com o homem que “foi encontrado” surpreso pelo Tesouro escondido, ou com o mercador experiente e inquieto que reconhece o grande valor da Joia que encontra? Estamos no horizonte do Dom ou do esforço (sadio)? Em ambos os casos a atitude é a que vale: temos tido estas mesmas atitudes, empenhando a vida pelo Reino (tesouro e pedra preciosa), tendo-o como centro de nossas vidas? Sabemos compreender e discernir como o mestre pede: reler, reinterpretar e ressignificar tudo segundo a perspectiva e a ótica de Jesus?

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu – SP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário