A
obra de Mateus é composta de cinco grandes discursos, o Sermão da montanha (Mt
5 – 7), Discurso missionário (Mt 10 – 11), Discurso em Parábolas (Mt 13), Discurso
eclesial (Mt 18) e, por fim, o Discurso Escatológico (Mt 24 – 25). Note-se que
o discurso em parábolas encontra-se precisamente no meio da narrativa evangélica
(se o esquematizarmos verticalmente perceberemos melhor esta estrutura e
posicionamento do referido capítulo), pretendendo ensinar que o Reino anunciado
por Jesus, através das parábolas, deverá ocupar o centro da vida e das opções
do discípulo e da discípula de todos os tempos e lugares. O objetivo é o de
motivar a comunidade a fazer opção pelo Reino, preferindo-o a qualquer outra
realidade ou bem. É o que as duas primeiras parábolas meditadas neste domingo
pretendem ilustrar. Lidas em conjunto, as duas parábolas mostram que não há
contradição entre dom e esforço. A conquista do Reino exige esses dois
elementos. Mergulhemos, pois, no texto!
“O Reino dos céus é como um tesouro escondido no
campo. Um homem o encontra e o mantém escondido. Cheio de alegria, ele vai,
vende todos os seus bens e compra aquele campo” (v. 44). Jesus compara o Reino a um
tesouro que alguém escondeu num campo – um vaso de argila cheio de moedas
valiosas e joias. Fato comum, na antiguidade, por ocasião de guerras ou
rivalidades. Quem possuía algum objeto de valor cavava o chão e o escondia na
esperança de recuperá-lo quando passasse o momento difícil. Os tesouros eram
encontrados muito tempo depois, por pessoas que não sabiam da sua existência,
ao utilizarem o terreno para outras atividades de subsistência; daí, pegos de
surpresa, subentendido no texto, também devido ao aspecto da alegria. Esta, por
sinal, é uma característica essencial de quem encontrou o Reino e a ele aderiu
plenamente. Todavia, chama-nos a atenção o fato de que este homem da parábola foi
encontrado pelo tesouro; dito de outra maneira, ele não estava caçando
tesouros, mas, surpreendente e involuntariamente, ele o encontrou. Mas sua
atitude é que nos chama a atenção: mesmo tendo encontrado tal tesouro, ele, na
verdade viu um motivo e uma oportunidade para mudar a sua vida.
Aquele
homem da parábola serve de exemplo para Jesus (que se dirige às multidões e aos
discípulos) e para Mateus (que se dirige à sua comunidade) daquele que encontrou
algo pelo qual valia a pena renunciar a tudo o que possuía para ficar somente com
o bem precioso que tinha acabado de encontrar. O Reino deve ser a primeira
opção de quem o encontra. Ele desestabiliza
a normalidade das coisas, gera reviravolta, subversão, é o revés da ordem
estabelecida, tanto a social quanto a religiosa (cf. CORNELIO, F, Homilia
dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Na
segunda parábola, do comprador de pedras preciosas, Jesus provoca novamente
seus ouvintes: “O Reino dos céus é como um comprador de pérolas preciosas.
Quando encontra uma pérola de grande valor, ele vai, vende todos os seus bens e
compra aquela pérola” (vv. 45-46). Todavia, a atitude deste mercador é que
chama a atenção: ele sabe o que procura. Ele está, na verdade, à procura! Trata-se
de um homem experiente, e, também, inquieto; capaz de distinguir o valioso do
vulgar. Como na parábola anterior, também ele encontra algo que lhe faz tomar
uma decisão radical. Também
o discípulo, ao entrar em contato com o Reino e sua mensagem, coloca-o como o
centro de sua vida, relativizando tudo mais. O Reino torna-se o absoluto de sua
vida; tudo mais tem valor secundário.
Na
terceira e última parábola, a experiência dos pescadores no lago da Galileia
serve de termo para a última comparação de Jesus. O Reino dos Céus é como uma
rede jogada no mar e recolhe peixes de toda espécie (vv. 47-49). Depois que
está cheia, os pescadores a puxam para a praia e recolhem os peixes bons,
enquanto os imprestáveis são jogados fora (Lv 11,10-12). Existe, aqui, uma certa
semelhança com a parábola do joio e do trigo. Mas, diferentemente daquela, onde
a cizânia fora semeada por algum inimigo, aqui, os peixes ruins têm a mesma
origem dos peixes bons. Esta parábola alerta, mais uma vez, a comunidade, para
as contradições e a diversidade que compõem o Reino dos Céus, prevenindo-a de
qualquer puritanismo e segregação.
Desde
a comunidade apostólica, havia na Igreja a tendência equivocada de querer ser
uma comunidade de santos, justos ou eleitos, ou seja, uma comunidade separada e
isolada. Essa tendência era e é um entrave para a concretização do Reino. Com
essa parábola da rede, bem mais que com a do joio e o trigo, Jesus apresenta o
universalismo do Reino, marcado pela diversidade e inclusão, e sua exposição
aos perigos. Essa parábola é, portanto, um convite para os discípulos
retornarem às origens do chamado. Ora, Jesus não os chamou para irem à procura
de pessoas boas e santas, mas simplesmente para “pescar seres humanos”, ou
seja, ir ao encontra da humanidade inteira, sem distinção nem classificação (CORNELIO,
F, Homilia dominical, in. Porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
Segue,
novamente, uma alegorização por parte de Jesus: “Assim acontecerá no fim dos
tempos: os anjos virão para separar os homens maus dos que são justos. E
lançarão os maus na fornalha de fogo. E aí haverá choro e ranger de dentes” (v.
50). O fim do mundo será como um final de pescaria. Os anjos de Deus vão se dar
ao trabalho de separar os justos dos malvados. Estes serão lançados num lugar
de castigo e haverão de sofrer muito (Mt 13,41-42). Os líderes da comunidade
não podem se constituir em juízes dos irmãos, condenando a quem não lhes parece
entrar nos esquemas do Reino, ou seja, os esquemas do Reino criados por eles
mesmos (Mt 7,1-2). A palavra de salvação e de condenação é exclusividade de
Deus no dia do juízo (VITÓRIO, J, 2017, p.93).
Mas
as parábolas exigem discernimento para serem compreendidas. Jesus questiona as
multidões se elas de fato compreenderam tudo – uma forma semítica para todo o
ensinamento dado pelo mestre. Elas, afirmativamente respondem que sim. É evidente
que nada entenderam, pois o próprio evangelho nos desvelará a incompreensão dos
que seguiam a Jesus, no tocante à sua mensagem. A compreensão significa a
aceitação da sua mensagem com as consequências implicadas nela; não se trata da
abstração teórica de um conteúdo, mas de assimilar um jeito novo de viver.
Todavia, para compreender e nutrir esta compreensão, se faz necessário uma característica
importante destacada por Jesus, ao final: “Todo mestre da Lei instruído na
sabedoria do Reino dos Céus pode ser comparado com uma pessoa que abre um velho
baú e vai retirando dele coisas novas e coisas velhas” (v.52). A sabedoria do
Reino oferece ao discípulo uma nova chave de leitura para tudo,
possibilitando-lhe ver a realidade com os olhos de Deus e perceber nela a ação
divina (VITÓRIO, J, 2017, p.94).
Há
quem diga estar o evangelista referindo-se a si mesmo! Ele seria esse mestre da
Lei convertido ao Reino, que reinterpreta, relê e ressignifica, com a luz
oferecida por Jesus, os velhos ensinamentos. Nessa perspectiva, as coisas
velhas são a Lei e os profetas, enquanto as coisas novas são os ensinamentos de
Jesus, que ele mesmo considerou como o pleno cumprimento da Lei e dos profetas
(Mt 5,17).
Com
qual das personagens das duas primeiras parábolas nos identificamos, com o
homem que “foi encontrado” surpreso pelo Tesouro escondido, ou com o mercador experiente
e inquieto que reconhece o grande valor da Joia que encontra? Estamos no horizonte
do Dom ou do esforço (sadio)? Em ambos os casos a atitude é a que vale: temos
tido estas mesmas atitudes, empenhando a vida pelo Reino (tesouro e pedra preciosa),
tendo-o como centro de nossas vidas? Sabemos compreender e discernir como o
mestre pede: reler, reinterpretar e ressignificar tudo segundo a perspectiva e a ótica de Jesus?
Pe.
João Paulo Sillio.
Arquidiocese
de Botucatu – SP.
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