A liturgia deste décimo quinto domingo do
tempo comum, propõe para a nossa meditação o capítulo treze do Evangelho
segundo Mateus, o terceiro discurso de Jesus: discurso em parábolas. As
parábolas pertencem ao gênero literário sapiencial, denominado mashal. Os rabinos
se serviam dos acontecimentos, dos contextos e das coisas simples para
transmitirem o seu ensinamento acerca da Lei, usando, portanto, tal gênero literário.
Jesus, igualmente se serve deste gênero que abarca a cotidianidade da vida e
das circunstâncias para ensinar os discípulos e as multidões.
As parábolas possuem três funções
características para atingir seu fim pedagógico: 1) assumir elementos simples
da vida cotidiana e da realidade para chamar a atenção dos ouvintes; 2)
provocar os mesmos ouvintes, para, 3) gerar uma mudança de comportamento na
audiência, no público alvo – nos leitores.
Mateus reúne em sua catequese o
ensinamento de Jesus sobre o segundo absoluto de sua vida e missão: o Reinado de
Deus, que na catequese mateana, seu autor prefere a terminologia “dos Céus”,
porque não quer ferir os costumes e a tradição religiosa de seus ouvintes-discípulos
e leitores judeus-cristãos que, por reverência, não mencionam o nome de Deus.
Dissemos que a vida de Jesus se pauta a partir de dois absolutos, a saber: a
relação com o Deus que ele chama de Pai, e o anúncio do Reino. Este, torna-se o
conteúdo de sua missão. O Reino ou Reinado – como a exegese atual prefere assim
nomear – é a atuação de Deus na História humana através de Jesus de Nazaré. Por
isso, o Reino é uma pessoa, como já dizia Orígenes, nos primórdios da tradição
eclesial. A adesão a pessoa de Jesus de Nazaré, confessado como Senhor e
Cristo, promove um novo viver na história do discípulo e na história humana,
gerando e propondo um modo de ser e de viver, uma ética. O Reinado de Deus é
uma pessoa, Jesus; e a ética – modo de ser e de existir – decorrente da opção fundante
e pessoal da pessoa – o estilo, o jeito e a proposta de Jesus sendo encarnada
na realidade humana.
As parábolas de Jesus sobre o Reinado de
Deus, são, na verdade, modos diferentes de se mostrar – misteriosamente – a atuação
de Deus na história. Mateus reúne neste capítulo sete parábolas destinadas a
ilustrar o modo como o Reino atua na história. São chaves para interpretar a
ação de Jesus e o destino do Reino, quando sua morte já está decretada (Mt
12,14) e os discípulos correm o risco de cultivar ideias equivocadas a respeito
do Mestre. Ao revelar os “mistérios do Reino”, isto é, como Deus age na
história, Jesus quer alertar os discípulos. Por isso, as parábolas são
decifradas para eles, em particular. As multidões, que ainda não aderiram a
Jesus ou o veem com suspeita, são inaptas para compreendê-las; daí as parábolas
permanecerem enigmáticas para elas. A primeira parábola a ser meditada é a da
semeadura. Fazemos a opção pelo texto breve (durante a semana postarei um comentário sobre o texto integral).
Dos vv.1-3, Mateus situa-nos na cena. Jesus está
nas margens do mar da Galileia. Ali uma multidão se reúne para ouvi-lo. Toma a
iniciativa de subir numa embarcação e começa a ensinar. Mateus não quer que
Jesus seja comparado aos rabinos de seu tempo, que ensinavam em pequenos grupinhos
e de modo privado. Para Ele, está fora de cogitação discorrer sobre como
interpretar a Lei de Moisés, nos moldes dos rabinos. Sua preocupação centra-se,
antes, no desafio de ser discípulo em contextos adversos.
Logo, o deslocamento de Jesus da casa para
às margens do mar significa que, mesmo em um contexto de hostilidades à
pregação do anúncio do Reino, a comunidade cristã não pode fechar-se em si nem
buscar seguranças. Pelo contrário, deve lançar-se, colocar-se em saída e ir às
margens. Com essa atitude de sair de casa e ir às margens do mar, Jesus convida
a Igreja de todos os tempos a ser uma Igreja em saída (CORNELIO, F, Homilia dominical,
in.porcausadeumcertoreino.blogspot.br).
De 4-9, Jesus começa a expor a dinâmica do
acontecimento do Reinado de Deus servindo-se da imagem do semeador, que sai
para semear. A semente que carrega consigo vai, ao longo do caminho caindo. Cai
em terreno pedregoso, em meio a espinhos, em solo arenoso e, por fim, em terra
boa e fértil.
O elemento-surpresa da parábola que deve
chamar a atenção do ouvinte e, posteriormente, do leitor discípulo do
evangelho, que é, por si só paradoxal é o próprio semeador. O ouvinte ou leitor
poderá se questionar: “mas que tipo de semeador desatento é esse, que não percebe
que as sementes vão caindo pelo caminho?”. Esta provocação, como dissemos no início,
é intencional. Ela serve para despertar o discípulo.
O semeador, numa leitura cristológica é o
próprio Jesus. A semente, numa perspectiva teológica, é o próprio Reinado de
Deus na história. A missão do semeador, numa perspectiva eclesiológica e,
portanto, comunitária, é a missão mesma da comunidade. Nesse sentido, a missão
dela será a mesma do semeador, o Senhor, que inaugura a atuação salvífica de
Deus na história e na realidade humana. O sentido desta parábola, portanto, é o
de ilustrar o acontecimento/evento do Reinado de Deus em meio as muitas
realidades, sejam elas positivas ou negativas. É uma maneira bem simples de
Jesus dizer aos seus que o mistério do Reino acontece, é eficaz, real e atuante
na realidade e na história humana em meio a muitas perdas, simbolizadas pelos
tipos de terrenos perpassados pelo semeador.
Jesus explicará, em seguida, particularmente
aos discípulos, a peculiaridade de cada terreno atingido pela semente. Todavia,
a semente caída em terra boa simboliza quem acolhe a palavra e anúncio do Reino
e se deixa transformar por eles, produzindo os frutos do amor, do perdão e da
reconciliação, desejados por Jesus. Cem, sessenta e trinta por cento dizem
respeito à capacidade de cada um acolher a mensagem do Reino e fazê-la
frutificar em boas obras. Essa imagem exagerada dos frutos é importante: o
máximo que se esperava de uma espiga de trigo eram trinta grãos. Aqui está uma
demonstração da vida em plenitude que receberão aqueles que aderirem ao projeto
do Reino. O que parecia ser muito (trinta frutos) passa a ser mínimo diante da
beleza que é a vida de quem se deixou conduzir pelos frutos do Reino. A
colheita surpreendente (cem frutos por semente) só é possível para quem confia
na Palavra e se abre completamente aos valores do Reino. O que parecia muito,
fora da mentalidade nova proposta por Jesus, é o mínimo na dinâmica do Reino. Todavia,
só quem tem discernimento é capaz de compreender o significado da parábola (Mt
11,15; 13,43). E, com muita reflexão, poderá captar a mensagem de esperança e
encorajamento desse ensinamento de Jesus.
Por três óticas pode-se tirar a lição do
Evangelho deste domingo: a comunitária, cristológica e escatológica. Na perspectiva
comunitária, alerta vai na seguinte direção: o discípulo é tentado ao eficientismo.
“Tudo que se faz deve ser bom!” Mas Jesus quer ensinar que o mistério do Reino
vai acontecendo, sim, porém por força própria, mesmo em meio a muitas perdas. Contudo,
o investimento deve ser total, ainda que seja nas pequenas coisas. A força do
crescimento desta semente depende de Deus. Ao semeador cabe somente a
semeadura. Por isso, nem mesmo a colheita dependerá dele, mas,
escatologicamente, a Deus. A missão do Semeador, e, consequentemente, dos
discípulos, consiste apenas no lançar a semente. Vale também repensar a
pastoralidade da Igreja, que, muitas vezes cai na tentação do eficientismo, e,
em decorrência disso, na pastoral do milagre e do sucesso. Eclesiológicamente,
a comunidade dos discípulos (a Igreja) não deve ter a pretensão do sucesso
garantido. Não deverá julgar a sua identidade mediante a isso. Mas poderá medir
sua autenticidade diante das muitas perdas. Quando se começa a perceber muito
sucesso, é porque a mentalidade do Anti-Reino entrou em suas estruturas.
Percebamos que, mesmo em termos
cristológicos, o próprio Jesus foi quem muito semeou; no final de sua vida, não
colheu nada. Para onde foram seus discípulos? Ora, o que vale para o mestre,
vale igualmente para o discípulo!
A dimensão escatológica se mostra na
qualidade dos frutos. Somente no final da missão é que se verá, de fato, que
tipo de semente se produziu. Os que se acham os tais, poderão se reconhecer
também como sementes que não produziram ou solos inférteis. Os que achavam que
nada produziram poderão ser as sementes autênticas, que deram frutos em
abundância.
Estrada, pedra, espinhos e terra boa é metáfora
para o coração de cada um. Que a Igreja seja estimulada sair constantemente de
si mesma para lançar as sementes do Reino, a Palavra, em todas as
circunstâncias. O importante é ter coragem de assumir as margens sem medo. É
necessário, inclusive, ter a coragem de fracassar.
Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu-SP.
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