sábado, 11 de julho de 2020

HOMILIA PARA O XV DOMINGO DO TEMPO COMUM – Mt 13,1-9 (texto breve):



A liturgia deste décimo quinto domingo do tempo comum, propõe para a nossa meditação o capítulo treze do Evangelho segundo Mateus, o terceiro discurso de Jesus: discurso em parábolas. As parábolas pertencem ao gênero literário sapiencial, denominado mashal. Os rabinos se serviam dos acontecimentos, dos contextos e das coisas simples para transmitirem o seu ensinamento acerca da Lei, usando, portanto, tal gênero literário. Jesus, igualmente se serve deste gênero que abarca a cotidianidade da vida e das circunstâncias para ensinar os discípulos e as multidões.

As parábolas possuem três funções características para atingir seu fim pedagógico: 1) assumir elementos simples da vida cotidiana e da realidade para chamar a atenção dos ouvintes; 2) provocar os mesmos ouvintes, para, 3) gerar uma mudança de comportamento na audiência, no público alvo – nos leitores.

Mateus reúne em sua catequese o ensinamento de Jesus sobre o segundo absoluto de sua vida e missão: o Reinado de Deus, que na catequese mateana, seu autor prefere a terminologia “dos Céus”, porque não quer ferir os costumes e a tradição religiosa de seus ouvintes-discípulos e leitores judeus-cristãos que, por reverência, não mencionam o nome de Deus. Dissemos que a vida de Jesus se pauta a partir de dois absolutos, a saber: a relação com o Deus que ele chama de Pai, e o anúncio do Reino. Este, torna-se o conteúdo de sua missão. O Reino ou Reinado – como a exegese atual prefere assim nomear – é a atuação de Deus na História humana através de Jesus de Nazaré. Por isso, o Reino é uma pessoa, como já dizia Orígenes, nos primórdios da tradição eclesial. A adesão a pessoa de Jesus de Nazaré, confessado como Senhor e Cristo, promove um novo viver na história do discípulo e na história humana, gerando e propondo um modo de ser e de viver, uma ética. O Reinado de Deus é uma pessoa, Jesus; e a ética – modo de ser e de existir – decorrente da opção fundante e pessoal da pessoa – o estilo, o jeito e a proposta de Jesus sendo encarnada na realidade humana.

As parábolas de Jesus sobre o Reinado de Deus, são, na verdade, modos diferentes de se mostrar – misteriosamente – a atuação de Deus na história. Mateus reúne neste capítulo sete parábolas destinadas a ilustrar o modo como o Reino atua na história. São chaves para interpretar a ação de Jesus e o destino do Reino, quando sua morte já está decretada (Mt 12,14) e os discípulos correm o risco de cultivar ideias equivocadas a respeito do Mestre. Ao revelar os “mistérios do Reino”, isto é, como Deus age na história, Jesus quer alertar os discípulos. Por isso, as parábolas são decifradas para eles, em particular. As multidões, que ainda não aderiram a Jesus ou o veem com suspeita, são inaptas para compreendê-las; daí as parábolas permanecerem enigmáticas para elas. A primeira parábola a ser meditada é a da semeadura. Fazemos a opção pelo texto breve (durante a semana postarei um comentário sobre o texto integral).

Dos  vv.1-3, Mateus situa-nos na cena. Jesus está nas margens do mar da Galileia. Ali uma multidão se reúne para ouvi-lo. Toma a iniciativa de subir numa embarcação e começa a ensinar. Mateus não quer que Jesus seja comparado aos rabinos de seu tempo, que ensinavam em pequenos grupinhos e de modo privado. Para Ele, está fora de cogitação discorrer sobre como interpretar a Lei de Moisés, nos moldes dos rabinos. Sua preocupação centra-se, antes, no desafio de ser discípulo em contextos adversos.

Logo, o deslocamento de Jesus da casa para às margens do mar significa que, mesmo em um contexto de hostilidades à pregação do anúncio do Reino, a comunidade cristã não pode fechar-se em si nem buscar seguranças. Pelo contrário, deve lançar-se, colocar-se em saída e ir às margens. Com essa atitude de sair de casa e ir às margens do mar, Jesus convida a Igreja de todos os tempos a ser uma Igreja em saída (CORNELIO, F, Homilia dominical, in.porcausadeumcertoreino.blogspot.br).

De 4-9, Jesus começa a expor a dinâmica do acontecimento do Reinado de Deus servindo-se da imagem do semeador, que sai para semear. A semente que carrega consigo vai, ao longo do caminho caindo. Cai em terreno pedregoso, em meio a espinhos, em solo arenoso e, por fim, em terra boa e fértil.

O elemento-surpresa da parábola que deve chamar a atenção do ouvinte e, posteriormente, do leitor discípulo do evangelho, que é, por si só paradoxal é o próprio semeador. O ouvinte ou leitor poderá se questionar: “mas que tipo de semeador desatento é esse, que não percebe que as sementes vão caindo pelo caminho?”. Esta provocação, como dissemos no início, é intencional. Ela serve para despertar o discípulo.

O semeador, numa leitura cristológica é o próprio Jesus. A semente, numa perspectiva teológica, é o próprio Reinado de Deus na história. A missão do semeador, numa perspectiva eclesiológica e, portanto, comunitária, é a missão mesma da comunidade. Nesse sentido, a missão dela será a mesma do semeador, o Senhor, que inaugura a atuação salvífica de Deus na história e na realidade humana. O sentido desta parábola, portanto, é o de ilustrar o acontecimento/evento do Reinado de Deus em meio as muitas realidades, sejam elas positivas ou negativas. É uma maneira bem simples de Jesus dizer aos seus que o mistério do Reino acontece, é eficaz, real e atuante na realidade e na história humana em meio a muitas perdas, simbolizadas pelos tipos de terrenos perpassados pelo semeador.

Jesus explicará, em seguida, particularmente aos discípulos, a peculiaridade de cada terreno atingido pela semente. Todavia, a semente caída em terra boa simboliza quem acolhe a palavra e anúncio do Reino e se deixa transformar por eles, produzindo os frutos do amor, do perdão e da reconciliação, desejados por Jesus. Cem, sessenta e trinta por cento dizem respeito à capacidade de cada um acolher a mensagem do Reino e fazê-la frutificar em boas obras. Essa imagem exagerada dos frutos é importante: o máximo que se esperava de uma espiga de trigo eram trinta grãos. Aqui está uma demonstração da vida em plenitude que receberão aqueles que aderirem ao projeto do Reino. O que parecia ser muito (trinta frutos) passa a ser mínimo diante da beleza que é a vida de quem se deixou conduzir pelos frutos do Reino. A colheita surpreendente (cem frutos por semente) só é possível para quem confia na Palavra e se abre completamente aos valores do Reino. O que parecia muito, fora da mentalidade nova proposta por Jesus, é o mínimo na dinâmica do Reino. Todavia, só quem tem discernimento é capaz de compreender o significado da parábola (Mt 11,15; 13,43). E, com muita reflexão, poderá captar a mensagem de esperança e encorajamento desse ensinamento de Jesus.

Por três óticas pode-se tirar a lição do Evangelho deste domingo: a comunitária, cristológica e escatológica. Na perspectiva comunitária, alerta vai na seguinte direção: o discípulo é tentado ao eficientismo. “Tudo que se faz deve ser bom!” Mas Jesus quer ensinar que o mistério do Reino vai acontecendo, sim, porém por força própria, mesmo em meio a muitas perdas. Contudo, o investimento deve ser total, ainda que seja nas pequenas coisas. A força do crescimento desta semente depende de Deus. Ao semeador cabe somente a semeadura. Por isso, nem mesmo a colheita dependerá dele, mas, escatologicamente, a Deus. A missão do Semeador, e, consequentemente, dos discípulos, consiste apenas no lançar a semente. Vale também repensar a pastoralidade da Igreja, que, muitas vezes cai na tentação do eficientismo, e, em decorrência disso, na pastoral do milagre e do sucesso. Eclesiológicamente, a comunidade dos discípulos (a Igreja) não deve ter a pretensão do sucesso garantido. Não deverá julgar a sua identidade mediante a isso. Mas poderá medir sua autenticidade diante das muitas perdas. Quando se começa a perceber muito sucesso, é porque a mentalidade do Anti-Reino entrou em suas estruturas.

Percebamos que, mesmo em termos cristológicos, o próprio Jesus foi quem muito semeou; no final de sua vida, não colheu nada. Para onde foram seus discípulos? Ora, o que vale para o mestre, vale igualmente para o discípulo!

A dimensão escatológica se mostra na qualidade dos frutos. Somente no final da missão é que se verá, de fato, que tipo de semente se produziu. Os que se acham os tais, poderão se reconhecer também como sementes que não produziram ou solos inférteis. Os que achavam que nada produziram poderão ser as sementes autênticas, que deram frutos em abundância.

Estrada, pedra, espinhos e terra boa é metáfora para o coração de cada um. Que a Igreja seja estimulada sair constantemente de si mesma para lançar as sementes do Reino, a Palavra, em todas as circunstâncias. O importante é ter coragem de assumir as margens sem medo. É necessário, inclusive, ter a coragem de fracassar.

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu-SP.

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