quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

HOMILIA PARA A QUARTA-FEIRA DE CINZAS (ANO A) – Mt 6,1-6.16-18:





O evangelho proposto para o início deste tempo quaresmal é sempre tomado do capítulo sexto do Evangelho segundo Mateus, inserido no Sermão da Montanha, o discurso inaugural de Jesus no primeiro evangelho (Mt 5,1 – 7).


Os destinatários desse discurso são os discípulos, desde os de outrora até nós, no presente. No trecho em questão, Jesus faz algumas considerações a respeito das três práticas fundamentais da piedade judaica: a esmola (cf. vv. 2-4), a oração (cf. vv. 5-6) e o jejum (cf. vv. 16-18). É interessante perceber que Jesus não pretende cancelar o valor de tais práticas; ao contrário, seu objetivo é torná-las eficazes, ou seja, agradáveis ao Pai (CORNELIO, F, Roteiros Homiléticos in. h ttps://www.vidapastoral.com.br/roteiros/quarta-feira-de-cinzas-26-de-fevereiro).

O capítulo seis começa com uma exortação de Jesus aos discípulos, “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serem vistos por eles (v.1)”. O mestre chama a atenção dos discípulos para um tema muito importante dentro da fé israelita: a justiça de Deus (Justiça do Reino). Jesus já havia chamado a atenção dos discípulos e da multidão sobre a “justiça dos fariseus”, falando da necessidade da Justiça do Reino, que o discípulo deve viver, superar aquela justiça dos mestres da lei e dos fariseus (Mt 5,20).

A justiça na bíblia é a vontade soberana de Deus. Dito de outra maneira: é o senhorio (vontade) de Deus, acontecendo na história e na vida do discípulo do Reino, que através de sua vida tende a ser a expressão histórica do agir divino.

Mateus, recuperando o ensinamento de Jesus, quer ensinar que a prática do discípulo deve ser discreta, como o sal, que não é visto, mas que se sabe presente. Observa-se uma espécie de princípio: a religiosidade do discípulo do Reino não é exibicionista, e nem a religião deve se sujeitar a isso. Uma certa ala do farisaísmo, no tempo de Jesus, era muito exibicionista. Sua piedade era afetada, de modo a estarem sempre em evidência e serem considerados perfeitos e santos. Jesus adverte os discípulos contra esta maneira de se comportar, exortando-os a não fazerem as coisas para serem vistos e louvados pelos demais (VITÓRIO, 1998, p. 19). Então ensinará o modo certo de rezar.

No v.2-4 tem-se a orientação para a esmola: “Quando deres esmola não façais como os hipócritas... em público para serem vistos e elogiados”. As obras de caridade, a Lei e o culto eram considerados os três pilares do mundo judaico. Daí a importância da esmola (Tb 4,7-11.16-17; 12,9). O discípulo, porém, é exortado a não fazer como os hipócritas que dão esmola pelas ruas e nas sinagogas, onde se reúne muita gente, de modo a chamar a atenção sobre si e granjear elogios. Esta já seria a recompensa deles (VITÓRIO, 1998, p. 19).

“De modo que a mão esquerda não saiba o que faz a direita”. Na antropologia bíblica, a mão responsável por fazer o bem é a direita. A mão esquerda, faz o mal. A esmola, nesse sentido, torna-se discreta. O que a caracteriza como sendo um gesto autêntico de piedade, porque pautou-se unicamente pela gratuidade. A esmola dada ocultamente é testemunhada apenas pelo Pai, que a recompensará de maneira adequada. A esmola coloca, então, o discípulo em relação com o próximo.

Os v.5-6 tratam da oração: a oração deve ser do mesmo modo. Na intimidade e no silêncio. O discípulo do Reino não deve rezar de maneira teatral, como os hipócritas. Esses, nas sinagogas e nas esquinas das praças, rezam para serem vistos por quem passa. A oração do discípulo deve ser feita com simplicidade e discrição, no oculto do próprio quarto (2 Rs 4,33), de modo a ser visto apenas pelo Pai. O próprio Jesus rezava solitário (Mt 14,23; Mc 1,35; 6,46). Com isto, não está proibindo a oração em comum (Mt 18,20), prática muito antiga das comunidades cristãs. Ele mesmo participava das orações na sinagoga (Mc 1,21; Lc 4,16). Jesus, sim, questiona uma atitude equivocada por parte de quem reza (VITÓRIO, 1998, p. 20). A oração coloca o discípulo na relação com Deus.

Já os v.16-18, tratam do tema do Jejum. O Jejum é uma prática de controle contra as desordens interiores. É a possibilidade da integração relacional consigo mesmo. A maneira hipócrita de jejuar consiste ficar com a cara pálida de modo a ser percebido e, por isso, ser louvado pelos demais (VITÓRIO, 1998, p. 21). Se assim for, então este jejum não servirá, porque visa mostrar o exterior (a cara pálida de coitadinho), e não corrigir o interior.

É muito significativo que essas três práticas sejam tratadas juntas. Para Jesus, esmola, oração e jejum estão no mesmo nível e só têm sentido se estiverem unidas, pois são inseparáveis. A oração deve prolongar-se na vida concreta, mediante a caridade em favor do próximo, e o jejum deve transformar-se em oferta aos mais necessitados. Quando as necessidades do próximo são ignoradas, a oração e o jejum se tornam totalmente ineficazes e insignificantes (CORNELIO, F, Roteiros Homiléticos in. h ttps://www.vidapastoral.com.br/roteiros/quarta-feira-de-cinzas-26-de-fevereiro).

Com estes ensinamentos de Jesus, Mateus visa mostrar que o modo de ser homem e mulher, discípulo e discípula do Reino, presente no Sermão da montanha consiste na compreensão do ser humano como ser de relação: relação com o Pai; relação com sigo mesmo; com o irmão e com as criaturas. Uma relação Paternal, filial e fraterna.

Ora, a salvação na Bíblia é a salvação do humano e de suas relações. O Pecado rompe com o projeto da relação e da comunhão integrada com Pai; com sigo mesmo e com sua alteridade, bem como com as criaturas. Por isso, Jesus, ao ensinar a superação da justiça dos fariseus, centrada neles próprios, trabalhará o ser humano como ser de comunhão para restaurar a Comunhão primigênia, através destes ensinamentos de Mt 6,1-6.16-18. Ali está a salvação do discípulo do Reino, reencontrar-se neste caminho de comunhão e de relação.

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu - SP.

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