A liturgia deste quinto domingo do tempo
comum apresenta para a meditação o texto retirado do sermão da montanha, o
discurso inaugural de Jesus no Evangelho segundo Mateus. O Primeiro Evangelho (na
ordem canônica, isto é, como vem apresentado na Bíblia, mas não na ordem cronológica,
pois este é o Evangelho segundo Marcos),
foi redigido por Mateus em forma de cinco grandes discursos – catequeses,
que visam formar o discípulo de Jesus no projeto do Reino. São eles, o discurso
inaugural (Mt 5,1 – 7), o discurso missionário (Mt 10 – 11,1), o discurso em
parábolas (Mt 13), o discurso eclesial (Mt 18) e, por fim, o discurso escatológico
(Mt 24 – 25).
O texto bíblico de hoje situa-se,
imediatamente, após as Bem-aventuranças, as quais abrem o discurso inaugural de
Jesus. Elas são, da parte de Jesus, a reinterpretação ou releitura da Lei de
Deus, segundo Jesus que, na perspectiva de Mateus, que escreve para sua comunidade
judaica, é o novo Moisés, capaz de interpretar a Lei de Deus e de dá-la ao novo
povo de Israel personificado nos discípulos que aderem a Jesus.
Confirma este ensinamento de Mateus, ao precisar
geograficamente o lugar em que esse discurso inaugural se dá. Jesus está na
montanha com seus discípulos e com a multidão. Esta localização geográfica foi
sempre o lugar privilegiado para a experiência de Deus, no Antigo Testamento. Foi
no Sinai que Moisés recebeu sua missão; e lá recebeu as tábuas da Lei. Mateus,
ao localizar a cena na montanha pretende confirmar a identidade de Jesus de
Nazaré como o novo Moisés.
Ao concluir as bem-aventuranças, Jesus
apresenta aos seus ouvintes, a multidão e os discípulos, que subiram ao monte
com Ele, estas exortações que o texto de hoje nos introduz para a meditação. Pode-se
afirmar, que o texto evangélico deste domingo pretende ilustrar o meio através do
qual o discípulo do Reino pode e deve viver as bem-aventuranças, e, portanto,
ser discípulo de Jesus. Este texto de hoje aponta para a dimensão ética, da
vivência do evangelho de Jesus e do projeto do Reino.
“Vós sois o sal da terra (v.13)”. Jesus se
serve do utensilio do sal, usado na culinária para conservar os alimentos na
época e para temperar, dar sabor. Na dinâmica da culinária, as pessoas sabem
identificar se o alimento está bem temperado, ou não. Se sim, elas sabem que o
sal está ali, ainda que seja imperceptível. E, na verdade, essa deve ser sua
real função, ou seja, perder-se no alimento. Ninguém o vê, mas todos sabem e
atestam, através do sabor, que ele está ali.
Mas na perspectiva bíblica, devemos tomar
estas palavras do patrimônio sapiencial de Israel. O sal era imagem da
sabedoria, o sábio, portanto, deve ser semelhante ao sal; já o sal insípido
figurava uma pessoa que se tornara estulta e ignorante. “Vós sois a luz do
mundo (v.14)”. A luz, no ambiente bíblico faz sempre referência às boas obras.
Ora, a quem Mateus direciona este ensinamento de Jesus? À sua comunidade,
evidentemente, isto é, a Igreja.
Assim, a presença do discípulo deverá ser
discreta como sal, imperceptível fisicamente, mas marcante nos efeitos
produzidos nos contextos em que atua. Como a luz, a atuação do discípulo deve
difundir-se de modo mais amplo possível. Quanto mais puder iluminar, melhor. Nesse
sentido, no Evangelho de Mateus, as metáforas do sal e da luz ilustram a
maneira como o discípulo do reino deve agir: deverá inserir-se na realidade.
Nada de se isolar nem formar guetos. Penetrar na realidade com o propósito de
transforma-la com os valores do Reino (VITÓRIO, 2019, p. 74)
Mas existe o perigo e a tentação do
discípulo e da comunidade de frustrarem a missão o projeto do Reino. É desse
perigo que o Jesus de Mateus adverte ao falar do sal insosso e da lâmpada escondida,
que figuram a imagem do discípulo inútil. O discípulo imprestável e relutante
em fazer algo pelo Reino assemelha-se ao sal insosso que já perdeu o sabor e
não serve, senão para ser jogado fora e pisoteado, e à lâmpada escondida, que não
ilumina nada, a não ser a si mesma.
Com efeito, Mateus alerta para que a
Igreja não esmoreça na sua altíssima tarefa, destruindo com as próprias mãos o
seu significado no mundo. Pode acontecer que não irradie raios de luz para
iluminar os homens, que deixe de ser campo de forças e energias fecundadoras da
sociedade. O risco, para o qual sempre se inclina, é o de não dizer nada mais
de fecundo e iluminador para a humanidade, pelo fato de não ser mais operativa
na linha da existência própria dos filhos de Deus cujo testemunho são gestos de
amor desinteressado. O evangelista tem diante dos olhos uma comunidade cristã
cansada e preguiçosa. Ele deve sacudi-la. Para isso, recorre à perspectiva do
juízo final que, no primeiro evangelho, tem função exortativa.
A imagem do sal, que se torna insípido,
contém em si uma clara ameaça. A abdicação prática dos crentes em relação à sua
tarefa não só priva o mundo do benefício do testemunho cristão, mas tem consequências
gravíssimas também para eles: serão condenados no último dia. Indica-o a sorte
do sal tomado imprestável, descrita por Mateus com termos claramente alusivos:
joga-o fora e ê pisado pelas pessoas (BARBAGLIO, 1998, p. 117).
No v.16, tem-se uma exortação de Jesus que
o evangelista resgata, que é de máxima importância. Mais do que chamar a
atenção para si e incorrer na hipocrisia criticada e denunciada por Jesus (Mt
23,1-7), o discípulo deve ter consciência de que suas boas ações e obras tem
que levar as pessoas à Deus, e a glorificar o Pai do Céu. Jamais se
autorreferenciar! A glorificação e santificação do nome de Deus, através do
testemunho do discípulo do Reino fiel ao querer divino, torna-se fruto da
qualidade da missão vivida e assumida por ele (VITÓRIO, 2019, p. 74).
Cabe a cada um de nós, em nossa vocação
batismal averiguar em que condição estamos diante do texto evangélico de hoje.
Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu – SP.
Obrigado pela belíssima reflexão! 🙏🏽
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