sábado, 8 de fevereiro de 2020

HOMILIA PARA O V DOMINGO DO TEMPO COMUM - Mt 5,13-16:





A liturgia deste quinto domingo do tempo comum apresenta para a meditação o texto retirado do sermão da montanha, o discurso inaugural de Jesus no Evangelho segundo Mateus. O Primeiro Evangelho (na ordem canônica, isto é, como vem apresentado na Bíblia, mas não na ordem cronológica, pois este é o Evangelho segundo Marcos),  foi redigido por Mateus em forma de cinco grandes discursos – catequeses, que visam formar o discípulo de Jesus no projeto do Reino. São eles, o discurso inaugural (Mt 5,1 – 7), o discurso missionário (Mt 10 – 11,1), o discurso em parábolas (Mt 13), o discurso eclesial (Mt 18) e, por fim, o discurso escatológico (Mt 24 – 25).

O texto bíblico de hoje situa-se, imediatamente, após as Bem-aventuranças, as quais abrem o discurso inaugural de Jesus. Elas são, da parte de Jesus, a reinterpretação ou releitura da Lei de Deus, segundo Jesus que, na perspectiva de Mateus, que escreve para sua comunidade judaica, é o novo Moisés, capaz de interpretar a Lei de Deus e de dá-la ao novo povo de Israel personificado nos discípulos que aderem a Jesus.

Confirma este ensinamento de Mateus, ao precisar geograficamente o lugar em que esse discurso inaugural se dá. Jesus está na montanha com seus discípulos e com a multidão. Esta localização geográfica foi sempre o lugar privilegiado para a experiência de Deus, no Antigo Testamento. Foi no Sinai que Moisés recebeu sua missão; e lá recebeu as tábuas da Lei. Mateus, ao localizar a cena na montanha pretende confirmar a identidade de Jesus de Nazaré como o novo Moisés.

Ao concluir as bem-aventuranças, Jesus apresenta aos seus ouvintes, a multidão e os discípulos, que subiram ao monte com Ele, estas exortações que o texto de hoje nos introduz para a meditação. Pode-se afirmar, que o texto evangélico deste domingo pretende ilustrar o meio através do qual o discípulo do Reino pode e deve viver as bem-aventuranças, e, portanto, ser discípulo de Jesus. Este texto de hoje aponta para a dimensão ética, da vivência do evangelho de Jesus e do projeto do Reino.

“Vós sois o sal da terra (v.13)”. Jesus se serve do utensilio do sal, usado na culinária para conservar os alimentos na época e para temperar, dar sabor. Na dinâmica da culinária, as pessoas sabem identificar se o alimento está bem temperado, ou não. Se sim, elas sabem que o sal está ali, ainda que seja imperceptível. E, na verdade, essa deve ser sua real função, ou seja, perder-se no alimento. Ninguém o vê, mas todos sabem e atestam, através do sabor, que ele está ali.

Mas na perspectiva bíblica, devemos tomar estas palavras do patrimônio sapiencial de Israel. O sal era imagem da sabedoria, o sábio, portanto, deve ser semelhante ao sal; já o sal insípido figurava uma pessoa que se tornara estulta e ignorante. “Vós sois a luz do mundo (v.14)”. A luz, no ambiente bíblico faz sempre referência às boas obras. Ora, a quem Mateus direciona este ensinamento de Jesus? À sua comunidade, evidentemente, isto é, a Igreja.

Assim, a presença do discípulo deverá ser discreta como sal, imperceptível fisicamente, mas marcante nos efeitos produzidos nos contextos em que atua. Como a luz, a atuação do discípulo deve difundir-se de modo mais amplo possível. Quanto mais puder iluminar, melhor. Nesse sentido, no Evangelho de Mateus, as metáforas do sal e da luz ilustram a maneira como o discípulo do reino deve agir: deverá inserir-se na realidade. Nada de se isolar nem formar guetos. Penetrar na realidade com o propósito de transforma-la com os valores do Reino (VITÓRIO, 2019, p. 74)

Mas existe o perigo e a tentação do discípulo e da comunidade de frustrarem a missão o projeto do Reino. É desse perigo que o Jesus de Mateus adverte ao falar do sal insosso e da lâmpada escondida, que figuram a imagem do discípulo inútil. O discípulo imprestável e relutante em fazer algo pelo Reino assemelha-se ao sal insosso que já perdeu o sabor e não serve, senão para ser jogado fora e pisoteado, e à lâmpada escondida, que não ilumina nada, a não ser a si mesma.

Com efeito, Mateus alerta para que a Igreja não esmoreça na sua altíssima tarefa, destruindo com as próprias mãos o seu significado no mundo. Pode acontecer que não irradie raios de luz para iluminar os homens, que deixe de ser campo de forças e energias fecundadoras da sociedade. O risco, para o qual sempre se inclina, é o de não dizer nada mais de fecundo e iluminador para a humanidade, pelo fato de não ser mais operativa na linha da existência própria dos filhos de Deus cujo testemunho são gestos de amor desinteressado. O evangelista tem diante dos olhos uma comunidade cristã cansada e preguiçosa. Ele deve sacudi-la. Para isso, recorre à perspectiva do juízo final que, no primeiro evangelho, tem função exortativa.

A imagem do sal, que se torna insípido, contém em si uma clara ameaça. A abdicação prática dos crentes em relação à sua tarefa não só priva o mundo do benefício do testemunho cristão, mas tem consequências gravíssimas também para eles: serão condenados no último dia. Indica-o a sorte do sal tomado imprestável, descrita por Mateus com termos claramente alusivos: joga-o fora e ê pisado pelas pessoas (BARBAGLIO, 1998, p. 117).

No v.16, tem-se uma exortação de Jesus que o evangelista resgata, que é de máxima importância. Mais do que chamar a atenção para si e incorrer na hipocrisia criticada e denunciada por Jesus (Mt 23,1-7), o discípulo deve ter consciência de que suas boas ações e obras tem que levar as pessoas à Deus, e a glorificar o Pai do Céu. Jamais se autorreferenciar! A glorificação e santificação do nome de Deus, através do testemunho do discípulo do Reino fiel ao querer divino, torna-se fruto da qualidade da missão vivida e assumida por ele (VITÓRIO, 2019, p. 74).

Cabe a cada um de nós, em nossa vocação batismal averiguar em que condição estamos diante do texto evangélico de hoje.

Pe. João Paulo Sillio.
Arquidiocese de Botucatu – SP.

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