sábado, 16 de março de 2024

REFLEXÃO PARA O V DOMINGO DA QUARESMA – Jo 12,20-33 (Ano B):

 


A liturgia deste quinto domingo do tempo quaresmal apresenta a leitura e a meditação do capítulo 12 do Quarto Evangelho. O texto apresenta a Jesus como doador da vida plena. Para isso, João recorda-se da imagem do grão de trigo que, ao cair na terra deve “morrer”, a fim de produzir fruto.

O leitor-discípulo, se chegou até aqui, está em vias de transição para a segunda parte do evangelho de João, o assim chamado Livro da Glória. O livro dos sinais, onde se situa o texto de hoje encerrou a apresentação dos sinais de Jesus com a vivificação de Lázaro (Jo 11). A cena de Jo 12,20-33 encontra-se imediatamente após a entrada em Jerusalém (Jo 12,12-19).

O evangelista situa a cronologia e as personagens: “havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém, para adorar durante a festa” (v.20). Entre a multidão que já aguardava a vinda de Jesus para a festa estavam alguns gregos. Mas para entender a entrada deles na narrativa, se faz necessário retomar os versículos anteriores, que concluem a cena da entrada na cidade santa. Os fariseus, que assistiam a recepção calorosa ao Mestre comentam entre si, “Estais vendo que nada conseguis? O mundo se foi atrás dele” (v.19). No vocabulário do Quarto Evangelho, o termo “mundo” refere-se à realidade, a história, que pode assumir uma atitude contrária ao projeto de Deus e, que, ao interno da narrativa vai sendo chamada a fazer uma opção em favor de Jesus. O mundo que vai atrás de Jesus é simbolizado pelos gregos que buscam vê-lo.

O v.21 informa que aqueles gregos se aproximaram de Filipe, e disseram que queriam ver Jesus. Ele conversa com André e os levam até o mestre. Parece confusa a cena. A responsabilidade em fazer ver o Senhor vai passando de um para o outro. Por que o próprio Filipe não os levou até Ele? Recorde-se, que os evangelistas não querem transmitir uma crônica dos fatos, mas uma experiência de fé. O fato de serem estes dois discípulos a conduzir os gentios/prosélitos para Jesus tem uma finalidade: somente o discípulo que abraça o projeto tem condições de apontar na direção de Jesus e de levar as pessoas à experiência com Ele. Por isso, o verbo empregado pelo autor é “oráo” (gr. ὁράω), que indica a visão aprofundada, isto é, a capacidade de fazer experiência com Deus.  

A cena enfoca no diálogo/meditação entre Jesus e os discípulos André e Filipe. O v.23 traz uma declaração solene do Senhor: “Chegou a Hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado”. Colocando-se na cena, se poderia conjecturar que os gregos, ao ouvirem isso, se pusessem a pensar: “chegamos na hora certa: o Filho do Homem vai aparecer na terra com a glória que recebe de Deus" (cf. Jo 1,51). Contudo, com um solene “Amém, amém (Em verdade...)”, que tem a função de introduzir um ensinamento importante para seus discípulos (geralmente uma revelação), Jesus lhes mostra outra coisa. Ele fala da dinamicidade do grão de trigo, que cai na terra, morre e produz fruto. Banho de água fria? Vão para ver a glória do Filho do Homem e acabam escutando uma metáfora sobre vida e morte!

Todavia, o autor do evangelho pretende chamar a atenção de sua comunidade para a realidade de que a manifestação da Glória do Filho do Homem não será um espetáculo triunfalista, mas um mistério de morte e vida, perpassado pela plenitude da vida de Deus que despontará em Jesus. Ora, Jesus quer dizer que, mediante o dom de sua própria vida neste mundo brotará o fruto que Deus espera, o fruto do amor fraterno (cf. 15,8), gerador e doador de vida. Ora, para produzir o fruto da espiga, o trigo precisa morrer e destruir-se internamente. A semente precisa passar por uma transformação intensa para poder gerar o fruto. Com esta metáfora, Jesus quer dizer que através do mistério de Sua morte, de sua vida consumida, frutificará a vida para o ser humano.

No v.25, Jesus continua seu discurso, afirmando que “Quem ama sua vida (lit. alma) perde-a, e quem odeia sua vida neste mundo guarda-a para a vida eterna”. O texto original apresenta o termo alma (gr. ψυχή/psyche), e o verbo odiar (gr. μισέω/miséo). Eles devem ser bem compreendidos. Na linguagem do Quarto Evangelho, “alma” significa vida física, biológica, psicológica e material. E o verbo odiar, no contexto semítico, é o contrário de preferir. Este versículo deve ser entendido assim: quem prefere/apega-se à própria vida, perde-a; mas quem desapega-se de sua vida, segundo a lógica deste mundo, há de guardá-la para a vida eterna. Ninguém deve odiar sua vida, que é dom de Deus, mas preferir em sua vida, a Vida que Deus doa através de Jesus.

No v.26, Jesus deixa bem claro em que consiste o seguimento. João modifica, com liberdade, mas sem alteração substancial, o tema do seguimento, presente nos evangelhos sinóticos. Se em Mt e Mc o tema do discipulado se dá através do seguimento a Jesus, que não veio para ser servido, mas para servir, no Quarto Evangelho o seguimento/discipulado é diaconia (serviço ao Senhor). No entanto, quando o Cristo fala de serviço a ele, não está se referindo a uma atitude individual, privada ou restrita a sua pessoa, mas à sua Comunidade. Então, o serviço ao Senhor consiste no serviço à comunidade que ele reuniu. Quem for fiel à diaconia a Ele na comunidade se encontrará aí onde Ele está.

“Agora sinto-me angustiado. E que direi? Pai, livra-me desta hora!? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (v.27). João não tem medo de mostrá-lo em sua humanidade. A angustia de Jesus é em virtude da iminência de Sua morte. Esta será uma intensa luta que travará com o chefe deste mundo, Satanás. A luta consiste em permanecer fiel até o fim ao projeto do Pai, isto é, a Sua obra. A cena recorda a passagem de Lc 22,42, “Pai, se queres, afasta de mim este cálice”. Porém, na perspectiva de João, o Cristo não pede o afastamento desta hora, pois tem consciência de que foi para ela que viveu toda a sua missão. Mas pede “Pai, glorifica o teu nome!” Em outras palavras, “revela a tua glória”. O tema da Glória no Quarto Evangelho significa a presença de Deus em Jesus. Assim, Ele está suplicando a presença do Pai, para que o ajude ser fiel até as últimas consequências. Ouve-se uma voz. “Então, veio uma voz do céu: "Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!” (v.28). Para João existe uma plena identificação e comunhão de vontades entre Aquele que traz em si o Nome divino e o próprio YHWH. Por isso, Deus glorificou Seu nome (manifestou sua presença) em todo desenrolar da vida e das obras de Jesus, inclusive na hora da cruz. E o fará novamente na obra da ressurreição.

O final do texto de hoje revela esse momento. A melhor explicação para essa glorificação é o v.33: “Quando eu for elevado (enaltecido) da terra, atrairei todos a mim”. O Enaltecimento de que o Jesus joanino fala é, na verdade, a maneira pela qual morrerá: a Cruz. Ali, na crucificação, ou melhor, no Crucificado, o Pai revelará todo o seu poder de amor e de vida; a sua Glória. Ela não é algo que vem depois da cruz; ela está na cruz como revelação do amor de Deus através do Filho. Amor que vai até às últimas consequências.

O Texto atinge sua utilidade: revelar e ensinar qual será a dinâmica da vida de Jesus, a quem O desejar ver – fazer uma experiência profunda e radical com Ele. Os gregos,  que representam todos os que abraçam a fé devem estar preparados para a dinâmica existencial da entrega da vida, em serviço e em amor, até o fim, como Jesus, a semelhança do grão que morre para produzir fruto (gerar vida); assimilar o serviço a Jesus (e aos irmãos/comunidade) como expressão da existência de uma vida; compreender que a exaltação e a glória de Jesus revelam o amor incondicional do Pai pela humanidade inteira.

 

Pe. João Paulo Góes Sillio.

Paróquia São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese de Botucatu-SP.


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