O evangelho deste trigésimo terceiro
domingo do tempo comum continua a leitura e meditação do discurso escatológico presente
no evangelho de Mateus. Os capítulos 24 à 25 abarcam a última das cinco
catequeses que compõem o evangelho. O catequista bíblico recolheu este
ensinamento do Senhor para oferecer as balizas aos discípulos de sua comunidade,
a fim de que possam compreender o modo através do qual serão julgados, ou seja,
a partir da maneira como tratou, em suas necessidades, os irmãos mais
fragilizados; frutificando a vida em boas obras.
Uma vez mais, Jesus se serve do recurso das parábolas para ensinar seus discípulos. Conhecida como “a dos talentos”, ela tem a intenção de ilustrar que a existência humana é o tempo oportuno e definitivo de fazer frutificar os dons recebidos de Deus e, assim, se preparar para o encontro com o Senhor.
A parábola serve-se da realidade de um patrão que antes de sair de viagem confia a três de seus empregados uma soma de dinheiro. Note-se que ele reuniu seus servos e confiou a cada um deles uma parte de seus bens. Ele não oferece, para reaver mais tarde; mas dá com gratuidade. É interessante, ainda, que Jesus mostra uma qualidade deste chefe: ele dá a cada um de acordo com suas capacidades. Ou seja, é alguém que conhece profundamente os seus.
Os bens de que Jesus se refere são chamados de talentos, uma unidade de medida daquela época. Cada talento equivalia a 34 quilos de Ouro. A um deu cinco talentos de ouro. O primeiro recebeu o equivalente à 170 quilos de ouro. O segundo recebeu dois talentos – 68 quilos de ouro. Por fim, o terceiro recebeu um talento somente. Em seguida, o patrão saiu de viagem.
Os vv.16-17 narram a atitude dos dois primeiros, os quais conseguem lucrar cem por cento. O v.18, por sua vez, relata a atitude do terceiro empregado que se decidiu por enterrar a quantia confiada a ele pelo patrão. Jesus realça o contraste existente entre os dois primeiros e este último: cem por cento contra zero de lucro. A atitude deste terceiro empregado é de se lamentar. O texto grego dá a entender que ele sepultou o talento recebido. E isto é grave. Preferiu sepultar o talento – e não era pouco, pois rendia 34 quilos de ouro – com a vida.
Segundo a parábola, o dia do acerto chegou com a volta do patrão (v.21-23). O primeiro empregado apresentou-se com os seus talentos lucrados. De cinco talentos (170kg), devolveu ao patrão mais cinco (340kg). Foi elogiado pelo patrão, e recebendo a administração de muito mais, foi convidado a tomar parte da alegria do patrão. O segundo apresentou-se com mais dois talentos lucrados, dos dois que havia recebido (136kg); sendo elogiado pelo seu senhor, igualmente recebendo mais para frutificar e participando de sua alegria.
A quem se aplica a imagem dos dois servos que lucraram as somas recebidas? No tempo narrado, ou seja, no horizonte de Jesus e de sua missão, os dois servos são símbolos daqueles que aderiram ao Senhor e suas palavras, se tornaram discípulos e estão labutando no discipulado. Já no horizonte da comunidade de Mateus, os dois que participam do banquete escatológico já não são mais tratados como servos, mas os crentes comprometidos na fidelidade e que frutificaram em boas obras.
Por fim, chegou aquele que havia enterrado a soma de ouro que o patrão lhe concedeu cuidar. Ele veio logo se desculpando: “Senhor, sei que és um homem severo, pois colhes onde não plantaste e ceifas onde não semeaste. Por isso fiquei com medo e escondi o teu talento no chão. Aqui tens o que te pertence” (v.24-25). O patrão indignou-se com a postura do empregado, motivado por covardia, medo e acomodação. A sua postura frente ao terceiro empregado segue descrita pelo Jesus de Mateus, nos vv. 26-30. E será sobre ela que o relato parabólico se deterá.
A personagem do terceiro empregado se aplica a quem? No horizonte da vida e da missão de Jesus, o terceiro servo é metáfora para as autoridades e chefes do povo, que através da atitude de enterrar a soma recebida, estão, na verdade recusando o projeto de Deus realizado por Jesus. A imagem é polissêmica – pode atingir vários significados. São também os discípulos que se amedrontam ou se acomodam em suas zonas de conforto. Que se enrijecem e se petrificam a ponto de paralisar a vida e a história. Todavia, no nível da comunidade de fé, os terceiros empregados são aqueles que, no ato de enterrar o talento recebido, não empenharam a vida para mais além do que aquilo que se é esperado; que não perseveraram ou não realizaram a vida através da entrega ao projeto de Deus em Jesus. Este terceiro servo pode ser inclusive aquele se diz fiel de carteirinha, mas que se acomodou no trivial; com o habitual; ou mesmo com o superficial da vida e da experiência de fé. É para isso que Jesus se serve desta parábola, de modo a alertar os seus para tal perigo.
A finalidade última é de caráter moral: exortar a comunidade a viver o presente com fidelidade e empenho. E, nesse sentido, a vigilância se torna mais uma vez necessária, e atinge, aqui, seu alto caráter de concretização. Ela consiste na operosidade fiel e incansável, que põe a frutificar a palavra de Jesus deixada como dom aos seus. Assim, a imagem dos talentos (somas grandiosas de ouro) converte-se na imagem dos dons que cada um recebeu de Deus.
A lógica do Reino dos Céus é esta: quem soube frutificar ao longo da vida o talento (os dons recebidos, e colocados no horizonte de Deus e de seu Reino), obterá ainda mais. Ao contrário, quem não soube lucrar os dons recebidos, na hora do juízo, ficará privado até mesmo do pouquinho que pensava possuir. E isto não é castigo divino, mas consequência da opção equivocada que fez.
Quem Somos diante da parábola deste trigésimo terceiro domingo do tempo do comum? O que temos feito do talento (dom gratuito) que Deus nos deu, de acordo com nossas próprias capacidades? Que imagens temos de Deus: a de um deus patrão e carrasco ou aquela verdadeira de um Pai que dá o todo necessário para poder frutificar a vida, crescer e ser mais?
Pe. João Paulo Góes Sillio.
Santuário São Judas Tadeu, Avaré/Arquidiocese
de Botucatu-SP
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