Mt 6,1-6.16-18:
O capítulo sexto do evangelho de Mateus
está inserido no bloco do discurso inaugural de Jesus, o Sermão da Montanha,
que compreende os capítulos 5,1 – 7. Este discurso adquire o status de programa
de vida do discípulo de Jesus, e consequentemente, do Reino.
Mateus usa do método rabínico do Midrash,
que consiste na releitura de um texto narrativo ou legislativo da Palavra de
Deus. Tem-se, nestes capítulos, a releitura da Lei (Torá, a Instrução de Deus ao povo). Jesus dá a ela um
sentido novo, reinterpretando-a de modo a colocar nela o Espirito na letra. O
mestre proporá nestes versículos do discurso inaugural uma espécie de diálogo
entre o discípulo de Reino e Deus. Aquele é convidado a colocar a Deus e Seu
querer no centro da vida.
Para o primeiro evangelista, Jesus é o
novo Moisés, que dá e reinterpreta a nova lei para o novo Israel. Com efeito, a
questão de fundo desta sessão está formulada em Mt 5,20, o tema da Justiça – a
vontade de Deus para o discípulo do Reino.
O capítulo seis começa com uma exortação
de Jesus aos discípulos, “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na
frente dos homens, só para serem vistos por eles (v.1)”. O mestre chama a
atenção dos discípulos para um tema muito importante dentro da fé israelita: a
justiça de Deus (Justiça do Reino).
A justiça, na teologia bíblica,, entende-se como sendo a vontade soberana de
Deus. Dito de outra maneira: é o senhorio (vontade) de Deus acontecendo na
história e na vida do discípulo do Reino, que através de sua vida conformada com o querer de Deus tende a ser a
expressão histórica do agir divino.
Mateus, recuperando o ensinamento de Jesus,
quer ensinar que a prática do discípulo deve ser discreta, como o sal, que não
é visto, mas, mesmo assim, presente. Contudo, há um princípio importante a ser observado: a
religiosidade do discípulo do Reino não é exibicionista, e nem a religião deve
se sujeitar a isso. Uma certa ala do farisaísmo, no tempo de Jesus, era muito
exibicionista. Sua piedade era afetada, de modo a se colocarem sempre em evidência e
serem considerados os mais perfeitos e santos. Jesus adverte os discípulos contra esta
maneira de se comportar, exortando-os a não fazerem as coisas para serem vistos
e louvados pelos demais (VITÓRIO, 1998, p. 19). Então ensinará o modo certo de
rezar.
No v.2-4 tem-se a orientação para a
esmola: “Quando deres esmola não façais como os hipócritas... em público para
serem vistos e elogiados”. As obras de caridade, a Lei e o culto eram
considerados os três pilares do mundo judaico. Daí a importância da esmola (Tb
4,7-11.16-17; 12,9). O discípulo, porém, é exortado a não fazer como os
hipócritas que dão esmola pelas ruas e nas sinagogas, onde se reúne muita
gente, de modo a chamar a atenção sobre si e granjear elogios. Esta já seria a
recompensa deles (VITÓRIO, 1998, p. 19). Os hipócritas de que o Jesus de Mateus fala são aqueles atores gregos que usavam mascaras nas apresentações teatrais das tragédias e das comédias gregas. A exortação de Jesus à comunidade dos discípulos orienta-a a não travestir ou mascarar-se atrás de gestos ou atitudes exteriores e falsas.
“De modo que a mão esquerda não saiba o
que faz a direita”. Na antropologia bíblica, a mão responsável por fazer o bem
é a direita. A mão esquerda, o mal. A esmola, nesse sentido, deve torna-se discreta.
O que a caracteriza como sendo um gesto autêntico de piedade, porque pautou-se
unicamente pela gratuidade. A esmola dada ocultamente é testemunhada apenas
pelo Pai, que a recompensará de maneira adequada. A esmola (caridade) coloca, então, o
discípulo na relação com o próximo.
Os v.5-6 tratam da oração: a oração deve
ser do mesmo modo. Na intimidade e no silêncio. O discípulo do Reino não deve
rezar de maneira teatral, como os hipócritas. Esses, nas sinagogas e nas
esquinas das praças, rezam para serem vistos por quem passa. A oração do
discípulo deve ser feita com simplicidade e discrição, no oculto do próprio
quarto (2 Rs 4,33), de modo a ser visto apenas pelo Pai. O próprio Jesus rezava
solitário (Mt 14,23; Mc 1,35; 6,46).Com isto, não está proibindo a oração em
comum (Mt 18,20), prática muito antiga das comunidades cristãs. Ele mesmo
participava das orações na sinagoga (Mc 1,21; Lc 4,16). Jesus questiona
uma atitude equivocada por parte de quem reza (VITÓRIO, 1998, p. 20). Nesse sentido, a oração
coloca o discípulo na relação com Deus. Para que ele crie em si um ambiente interior disponível para a vontade (Justiça e Querer benevolente) de Deus. Não é uma forma de mudar a vontade de Deus em relação às minhas expectativas, mas a minha vida ser performada através da assimilação de Sua vontade.
Já os v.16-18, tratam do tema do Jejum. O
Jejum é uma prática de controle contra as desordens interiores. É a
possibilidade da integração relacional consigo mesmo. A maneira hipócrita de
jejuar consiste ficar com a cara pálida de modo a ser percebido e, por isso,
ser louvado pelos demais (VITÓRIO, 1998, p. 21). Se assim for, então este jejum
não servirá, porque visará mostrar o exterior (a cara pálida de coitadinho), e
não corrigir o interior.
Uma relação Paternal, filial e Fraterna. Ora, a salvação na Bíblia é a salvação do humano e de suas relações. O Pecado rompera com o projeto da relação e da comunhão integral com o Pai, conosco mesmo e com nossas alteridades, bem como com as criaturas.
Por isso, Jesus, ao ensinar a superação da justiça dos fariseus, centrada neles próprios, trabalhará o ser humano como ser de comunhão para restaurar a Comunhão primigênia, através destes ensinamentos de Mt 6,1-6.16-18. Ali está a salvação do discípulo do Reino, reencontrar-se neste caminho de comunhão e de relação.
Diác. João Paulo Goes Sillio. Arquidiocese de Botucatu-SP.
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