A violência contra as mulheres é uma realidade assustadora no Brasil. Ainda mais, quando praticada na esfera do lar, um ambiente que deveria ser lugar de acolhimento, proteção, desenvolvimento sadio das humanas potencialidades, mas subvertidos em verdadeiros campos de concentração, que respiram morte e impossibilidade de vida. Ironicamente, um pais altamente religioso é recordista neste quesito, desembocando, via de regra, no feminicídio. A sociedade brasileira, imbuída da cultura machista e misógina é devedora da sociedade patriarcal dos primórdios da humanidade e do tempo colonial, onde a mulher era considerada mercadoria e objeto. Acaba reproduzindo ainda hoje estas mesmas características em todas as suas esferas. Hoje tornou-se comum a veiculação de notícias e manchetes que denunciam a realidade nefasta de mulheres agredidas e violentadas desde o seio da vida familiar. Diante deste cenário surgem os desafios: combater este estigma desumano e garantir segurança e direitos.
A análise da realidade brasileira se faz necessária. Uma pesquisa feita pelo Instituto de pesquisa Datasenado, pertencente ao Senado Federal mostrou que só em 2025 3,7 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência domestica ou familiar. Só no primeiro semestre do corrente ano foram registrados 718 casos de feminicídio, 33.999 casos de estupro, média de 187 por dia. E o alarmante ainda é o fato de que para quase 60% das vítimas a violência ocorreu em menos de seis meses, indicando recorrência no ato. É interessante notar que em 70% dos casos os atos criminosos ocorreram na presença de outras pessoas, as quais foram incapazes de manifestar qualquer resistência ou defesa, revelando um cenário de cumplicidade e de medo estrutural. O perigo deste corporativismo de morte só legitima ainda mais a figura do agressor. Eis um primeiro desafio. A ruptura com esta zona de morte, perigo e medo. O segundo, consiste na situação socioeconômica da vítima, que muitas vezes não tem como se manter longe do amparo financeiro que o companheiro lhe oferece. Criam-se algemas de dependência e a ruptura torna-se quase impossível, o que alimenta ainda mais a influência do violador sobre si. Outro desafio que emerge, e aqui adentrando ainda mais na seara da psicologia, seria a culpabilização da vítima. É dilacerante se deparar com a situação de uma mulher que internalizou em si a crença de que ela seja a culpada pela agressão recebida. Outro desafio é a "manutenção das aparências", onde a vítima deseja manter a relação para mostrar que está tudo bem e que tudo é perfeito, seja diante dos filhos, dos familiares, dos amigos ou da sociedade.
Frente ao exposto se faz necessário pensar mecanismos de ação que visam garantir o amparo e a dignidade das mulheres. Marco fundamental foi a criação e promulgação da lei Maria da Penha (Lei 11.340, de 2006), considerada uma referência mundial na legislação que visa proteger a mulher. A lei tipifica diversas formas de violência domestica, a saber: física, psicológica, moral, sexual, patrimonial. Esta instituição visa garantir que mulheres em situação de violência sejam assistida com medidas protetivas, tais como o afastamento do agressor, proibindo aproximação em relação à vítima e aos seus familiares, suspensão do porte de arma (no caso de possuir). A lei, para sustentar-se como marco legal de fundamental importância, ainda prevê penas mais severas, superiores à três anos de detenção, e penas alternativas, como o pagamento de cestas básicas. Outro benefício que este dispositivo apresentou foi a criação de juizados especializados em violência contra a mulher para viabilizar todos os tramites processuais decorrentes dos crime dessa natureza, bem como a determinação da pensão e da guarda dos filhos. Ela prevê a assistência social, encaminhando as mulheres à atendimentos médicos, psicológicos e capacitação para o mercado de trabalho, visando gerar nelas a promoção humana. O amparo existe. Todavia, seguem casos de subnotificação ou falta de informação, ou mesmo a propagação de fakenews que desinformam acerca do tema, e isso necessita ser rigorosamente combatido.
A lei cumpre seu papel. Entretanto, se fazem necessárias novas formas e frentes de trabalho para se assegurar a integridade e a dignidade da mulher, bem como seus direitos diante do cenário da violência domestica. Por exemplo, organizar e fortificar a sua participação na política e nas instâncias de poder e de decisão. Grandes mulheres já se apoderaram destes cenário e, foram neles empoderadas. Digno de nota são Rosa Weber e Carmem Lúcia, ambas ministras do Supremo Tribunal Federal, que nos últimos anos deram voz e vez ao tema da violência contra a mulher. Esta inserção deve ser constante, de modo a favorecer a visibilidade delas. Há que se promover espaços de fala e de debate em todas as esferas da sociedade brasileira. Outra medida importante deve ser a valorização da mulher no mercado de trabalho, a fim de que possam ter salários iguais ou superiores aos homens, de modo a se sustentarem sem qualquer dependência emocional, afetiva ou financeira. Ou seja, o empoderamento sempre constante da mulher. Atrelado a este, deve estar a atitude do acolhimento, da escuta de suas dores e feridas, por meio de um sólido amparo psicológico, ou seja, o cuidado para com a saúde mental. Assim sendo, valorizar sua presença. Como diria a filósofa Simone de Beauvoir, em sua obra "O Segundo Sexo (1949)","No dia em que for possível à mulher amar em sua força, não em sua fraqueza, não para fugir de si mesma, mas para encontrar-se, não para se demitir, mas para se afirmar, nesse dia o amor se tornará para ela fonte de vida e não perigo mortal".
A guisa de conclusão, o presente texto visou pontuar o tema da violência contra a mulher no âmbito doméstico e familiar, realizando uma visão de conjunto, servindo-se de uma análise da sociedade brasileira, machista e misógina, mediante a observação de dados estatísticos. Apresentou também os desafios sofridos pelas mulheres neste contexto, bem como os recursos e as ferramentas necessárias para lhes assegurar a dignidade, tais como o marco legal 11.340, de 2006, a lei Maria da Penha, a inserção delas nas instâncias de atuação sócio-políticas que podem contribuir no combate à violência, ao mesmo tempo em que se cuida de sua dignidade e promoção humana.